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Residência Olivo Gomes
P ro m e nad e | arquitetura
Moderno um presente do passado
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Texto/ João Pedro Britto Fotos/ Rafael Santos
Um final de semana, juntar uns amigos, viajar 80 km e 1 hora na Rodovia Dutra no sentido São Paulo –> Rio de Janeiro é algo comum a algo que vivemos e ao nosso tempo.
Mas incomum a uma São Paulo da década de 50, onde o Vale do Paraíba era discreto e se levantava como possível lugar de potencial econômico, com produção agrícola a se inventar, onde as rodovias eram pouco utilizadas, onde a Dutra teria seus primeiros anos, onde as estradas de ferro eram predominante transporte entre cidades.
No meio desse potencial, ou melhor, no inicio do mesmo, Olivo Gomes, um ex-contador da bolsa de valores que trabalhava com café e algodão, compra a Tecelagem Parahyba de um grupo de portugueses investidores. A fábrica tem sua instalação, como o próprio nome aponta, no Vale do Paraíba, região localizada entre a capital (na época), Rio de Janeiro e São Paulo, potência econômica. Em 1933, a fábrica já possuía 1200 funcionários e era uma das maiores empresas do Vale. Na década de 1950, com os negócios em alta, decide-se investir em material de alta qualidade com design e maquinários europeus.
Além do investimento em tecnologia, o investimento social de Gomes também foi nítido. Ao implantar a construção de vilas operárias, escolas e creches para os filhos de funcionários. Além de cursos preparatórios para seus funcionários. A proposta era vanguardista, a frequência no Clube dos Artistas fez com que intelectuais e artistas fossem se aproximando da família. Com grandes projetos em desenvolvimento, Gomes decide por Rino Levi como projeto de arquitetura para sua residência, onde começara uma grande amizade. Da amizade, temos o desenvolvimento de um dos maiores projetos de arquitetura de uma geração. Dada outra amizade, inclui-se um projeto paisagístico de Roberto Burle-Marx.
Hoje, Parque da Cidade, a residência de Olivo Gomes foi cedida governo na década de 80, fruto da recessão da Tecelagem Parahyba e suas dividas.
O Parque, tombado como patrimônio histórico em 1996 pelo COMPHAC, hoje é parque aberto à cidade e leva o nome de Roberto Burle Marx. A Secretaria Municipal do Meio Ambiente é a responsável pela administração do Parque e luta pela parcialidade da utilização pública, pois se acredita que o uso aberto é prejudicial ao patrimônio. “Não conseguimos manter o patrimônio, a substituição e cuidado com cada espécie de flores e plantas conforme o projeto original não se mantém pelo acesso do público e os cuidados do parque. Em alguns casos, algumas espécies de animais, como as capivaras, comem. E como
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a área é aberta ao rio, não é possível manter o patrimônio.”.
O partido da casa e de todo projeto paisagístico envolve, não só a área de mais de milhão de metros quadrados, mas também as visuais pela que a Serra da Mantiqueira, aos fundos, com montanha e uma bela paisagem.
Em compensação, a casa encontra-se em bom estado de conservação, onde é cuidada pela fundação e pela prefeitura, a visita só é feita quando guiada por um agente da prefeitura. A visita também uma aventura particular, em percorrer a casa e encontrar morcegos espalhados entre armários e forro. Uma experiência arquitetônica única! Ao se entrar no portão do parque, localizado na Av. Olivo Gomes, a sensação do clima de Vale toma conta, as grandes palmeiras de Burle-Marx que conectam os galpões à área educacional é um caminho não só físico, mas com visual marcante, que conduz o olhar de quem busca um descanso no final de semana ou apura o olhar para os seus detalhes.
Voltando a 1950, imagina-se uma perspectiva e uma rotina de trabalho, ou um final de semana na casa dos Gomes e seu “jardim” incrível. Muitas festas, celebrações e apresentações aconteciam mais adentro do parque, em um anfiteatro proposto no chão, de concreto, com a simplicidade de um desenho de piso, mas com um caráter histórico da sociedade paulista que eleva o potencial construtivo de um simples contra piso e degraus. “As piscinas eram incríveis, uma pena que demoliram a piscina de adultos.”, acrescenta Silvia, arquiteta e nossa guia nessa visita, ao apresentar a piscina infantil com desenho e formato curvado, alinhado com o paisagismo, combinando com as propostas de árvores, em uma harmonia que é perceptível ao olhar.
Os canteiros em concreto, que traçavam a linha do paisagismo, também serviam de banco para os espectadores. A sensação de parar e olhar as crianças brincando, o verde das plantas e colorido das flores, um ar bucólico que um cidadão paulistano adoraria ver aos finais de semana.
Da piscina infantil, como um caminho arquitetônico que nos leva ao ápice em um modo simbólico, caminha-se em direção ao volume da casa. A principio, discreto, um volume de serviço ao nosso primeiro olhar nos
põe em dúvida de como seria a experiência arquitetônica do dia. Um piso simples, um telhado cobrindo a nossa “parada”, pilares revelando que algo queria ser mostrado à frente, e realmente queria: A vista. Uma vista que permeia o olhar, confunde a beleza do real e do projetado, tornando-se um desnível aparentemente perfeito para elevar essa grande visual. O contorno das altas árvores e espelho d’água (ou lago), formando um novo volume aparente na natureza retratava o que estávamos ali para observar a beleza dos visuais, os caminhos que a arquitetura nos leva (ou cria) para alcançarmos um sentimento de “Uau”.
Quando a vista já não nos era surpresa, voltamos nossos olhos para a construção. Um balanço visual, uma sensação

de continuidade e volume, indo até o horizonte e se encontrando com a paisagem. Os caixilhos demonstram que de dentro para fora e de fora para dentro, o olhar é importante. Alcançar essas visuais é importante para o partido do projeto. Nas áreas comuns, onde se recebiam visitas, jantares, os grandes vãos de abertura trazem a clareza da luminosidade do vidro e a ventilação cruzada necessária para estar confortável com a climática.
A área de serviço é discreta, funcional. Um painel na parede indicava aos funcionários quais eram os quartos que pediam auxílio de um funcionário. Grandes armários e uma cozinha com padrão industrial é a representação que os eventos tinham demanda e a casa possuía essa estrutura, assim como os acessos pensados as áreas de salas e jogos, remetem a uma filosofia de nobreza.
Na parede ainda constam as pinturas feitas, muitas ainda nas originais de Francisco Rebolo, que foi um inovador na época, ao tratar as cores como elementos de visuais e de relevâncias visuais. Uma parede com pintura escura revela o trato com a visual da paisagem externa, desviando o olhar. As cores externas também combinam com os paisagismos e os painéis artísticos ao entorno da casa. Nos quartos, após passar pelas áreas comuns, vê se uma arquitetura prática, modulada, onde sempre um banheiro atende dois quartos como uma suíte conjugada. A família era grande e consistia em viver na residência.


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RESIDÊNCIA OLIVO GOMES
Arquiteto: Rino Levi
Localização: Av. Olivo Gomes, sem nº
São José dos Campos - SP, Brasil

Área do terreno: 960.160 m²
Área construída: 1.656 m²
Paisagismo: Roberto Burle Marx
Murais: Roberto Burle Marx e Rino Levi
Ano de Conclusão: 1951
Com todos os dormitórios vol- tados para a paisagem, acima do nível, identificam alguns as- pectos, não só nas visuais, mas também no caráter social da família, que estava “acima” da sociedade, demonstrando todo seu caráter e importância.
Detalhes como caixilhos e lumi- nárias mostram a preocupação do arquiteto em ser relevante com cada projeto. Fechamen- tos em vidro nos forros dos ba- nheiros geram as iluminações zenitais, inovando no aspecto de conceitos. Os caixilhos dos quartos são de piso a teto, evidenciando as aberturas e a paisagem por completo. Três la- minas e roldanas, como um sis- tema de aberturas inovador e tecnologia evidencia esse fato. Os armários fazem a divisão dos dois quartos, sendo fundos um do outro, e gerando algumas aberturas “adaptadas”.
Cada quarto tem sua visual, sua peculiaridade quanto à paisa- gem dos jardins. O mesmo pode se dizer pela fachada quanto esses caixilhos se mesclam e cada quarto mobiliza a fachada. Ao descer uma rampa, aparen- temente dentro da atual NBR, percebe-se a evolução de Rino para o seu tempo. A grande qualidade arquitetônica e pen- samento conferem a Levi estar à frente do seu tempo sem ter as tecnologias que de dispõe hoje na arquitetura. Ao conti- nuar a caminhada, uma pausa. Uma exclamação alta! Nossa! A dúvida fica no olhar de quem inicia o passo para alcançar ní- vel abaixo. O que seria a excla- mação? O que ainda mais me espera? A resposta está no pai- nel de Roberto Burle-Marx na sala de jogos de Olivo Gomes.
Uma área de descompressão com uma obra de arte, indicando o padrão de estudos e tamanho do potencial cultural que a famí- lia Gomes possuía na época. O ambiente também possui lareia e mantem as visuais mais próxi- mas da paisagem, como o lago. Ao lado de fora do salão, uma varanda, com sua icônica repre- sentação da promenade arqui- tetônica neste projeto, a esca- da helicoidal de Levi, que nos transmite uma sensação que vai além de sua forma e função: Ao fotografar, ao levar o nosso olhar a um elemento externo da casa, ao entender a tamanha relevância que um desenho, um projeto e uma construção têm para uma região e para uma geração de arquitetos no mundo todo, ao subir cada de- grau em concreto, datados de 1951, entende-se que as ex- periências arquitetônicas não são apenas devidas a cons- trução e seus preceitos, mas sim ao que está ao seu redor, a onde essa arquitetura apon- ta e o que ela relaciona. Rino Levi e Burle-Marx chegaram ao êxtase, onde a arte, a cultura, a arquitetura e o paisagismo se reinventam e se integram no melhor de seus mundos.

