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MOÇAMBIQUE E A UNIÃO EUROPEIA, UMA SÓLIDA E LONGA RELAÇÃO

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Entrevista a Antonino Maggiore, Embaixador da UE em Moçambique

Moçambique e a União Europeia desenvolvem uma parceria há décadas, assente em valores partilhados e interesses comuns, assim como em grandes estratégias e políticas, sendo de destacar o Global Gateway e as iniciativas Equipa Europa. Esta parceria é impulsionada e consolidada em sectores como cooperação para o desenvolvimento, diálogo político, relações económicas, comerciais e de investimento, boa governação, paz e consolidação democrática, luta contra a insurgência extremista em Cabo Delgado, e a interacção com actores moçambicanos desde o nível central até ao mais local. O Embaixador da União Europeia em Moçambique, Antonino Maggiore, no país há já seis meses, falou à revista Xonguila, debruçando-se sobre vários aspectos da sua jornada no país e como será a “parceria a 360 graus”, expressão sua, entre a União Europeia e Moçambique nos próximos quatros anos de missão.

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Podia, por favor, senhor Embaixador, dizer-nos o que o levou a envolver-se em diplomacia e descrever-nos a sua trajectória profissional?

Ser diplomata foi sempre um sonho, desde criança. Fui à Universidade, onde estudei Direito, com o plano de me tornar advogado, mas o meu sonho persistiu e foi aí que me juntei ao serviço externo da Itália, em 1999, tinha 25 anos. Trabalhei como diplomata na Embaixada da Itália, primeiro em Beijing, depois na Turquia, e também na representação italiana na União Europeia, que foi de importância vital para mim, e depois como Embaixador da Itália na Zâmbia. Decidi tornar-me diplomata porque, desde rapaz, sempre me fascinou a ideia de viajar e descobrir o mundo. Esta foi a razão inicial. Com o tempo, aprendi a importância da diplomacia para conectar pessoas de países diferentes, criar ligações entre sociedades e governos e também em contextos multilaterais. Penso que é este um valor acrescentado da diplomacia, estar ao serviço do seu país de modo a criar oportunidades de ligações para a sociedade, para os empresários, homens e mulheres, para os cientistas, artistas, académicos, ou seja, estimular intercâmbios e permitir que as sociedades cresçam graças a estas ligações.

Esteve ao serviço do Governo italiano em vários países e ao serviço da União Europeia. Gostaríamos que nos falasse da sua primeira experiência ao serviço da União Europeia e das grandes diferenças entre servir um governo e servir um bloco governamental.

Quando servi em Bruxelas, de 2013 a 2017, tive a oportunidade de aprender de perto o que é a União Europeia, o grande sucesso político que este bloco é a bem dos cidadãos europeus, governos europeus e suas instituições. É um papel complementar ser Embaixador de um Estado membro e ser Embaixador da União Europeia, porque trabalhamos juntos como “TEAM Europe”. A União Europeia é uma realidade política complexa onde os Estados membros jogam um papel importante e os seus Embaixadores são também protagonistas nas actividades políticas da União Europeia, sempre com o papel de liderança da Delegação da União Europeia na coordenação da posição comum e implementação das políticas do bloco em prosseguimento de interesses estratégicos e do reforço da parceria com os países parceiros. Portanto, estou entusiasmado com este papel como Embaixador da União Europeia, uma experiência única. Tenho uma equipa de 60 pessoas empenhadas e focadas em estimular a parceria com Moçambique, e instrumentos importantes de cooperação para levar adiante programas com resultados e impactos concretos. É uma experiência muito boa representar a União Europeia em Moçambique, ter a responsabilidade perante os Estados membros e os cidadãos europeus, e promover os nossos valores fundamentais.

Passam-se 6 meses desde que chegou a Moçambique. Quais as suas impressões iniciais, como avalia a primeiras interacções e o que mais o fascinou?

Os meus primeiros meses foram extremamente significantes e satisfatórios profissional e pessoalmente. Moçambique é um país vibrante, tem beleza e potencial, as pessoas interpretam e levam a vida com dinamismo social e cultural e navegando nas oportunidades económicas. Mas há também os desafios da pobreza e desigualdade, a insegurança associada à insurgência no Norte e suas consequências. Do ponto de vista político, Moçambique é um país com uma importante história e trajectória; os momentos difíceis superados, incluindo década e meia de guerra; e os processos de desenvolvimento, de consolidação da paz e das instituições, cujo papel é crucial para o progresso de toda uma nação, sob a lide-

“É um privilégio poder contribuir para elevar as relações bilaterais a um novo patamar e materializar a minha ambição de mostrar como a União Europeia é o parceiro primordial de Moçambique em todas as dimensões.”

– Antonino Maggiore, Embaixador da UE em Moçambique rança do Presidente Filipe Nyusi e seu povo. É um privilégio poder contribuir para elevar as relações bilaterais a um novo patamar e materializar a minha ambição de mostrar como a União Europeia é o parceiro primordial de Moçambique em todas as dimensões. Para dar exemplos, uma semana após a minha chegada, recebemos a visita do Alto Representante da Política Externa da União Europeia, Josep Borrel, e, em Outubro, a Comissária da Democracia e Demografia, Dubravka Suíça, para participar na Assembleia Parlamentar Conjunta ACP – UE e firmar acordos de cooperação sectorial. Já pude reunir-me com diversos interlocutores e, num espírito de parceria, continuamos a levar adiante agendas importantes, como foi o diálogo político Governo de Moçambique e União Europeia, em Dezembro, o diálogo sobre comércio e investimentos com o Ministério da Indústria e Comércio, o lançamento de inicia- tivas Team Europe, entre outras acções. É louvável a abertura e o compromisso em superar desafios e trazer resultados, é este o espírito que devemos manter.

No cenário mundial actual, com as consequências da pandemia e conflitos em vários lugares, como na Ucrânia, como vê o papel da diplomacia?

Com o tempo, a diplomacia evoluiu. Vários contextos e realidades reinventaram a forma como se faz a diplomacia e ela própria se vai adaptando em tempos de crise, como a pandemia da Covid-19, a agressão russa contra a Ucrânia, como bem exemplificou. O importante é reconhecer que, nestes tempos de crise, a cooperação internacional é mais do que essencial e nunca deve ser interrompida. Com a pandemia, as organizações, Estados, as pessoas adaptaram-se e abraçaram a chamada diplomacia híbrida, que integra as tradicionais reuniões presenciais com par- ticipação online, e decisões importantes foram tomadas para, inclusive, encontrar soluções para a própria pandemia. A guerra russa contra a Ucrânia, devo reiterar, não provocada e injustificada, foi um outro teste à diplomacia, em particular a diplomacia europeia: o nosso bloco de 27 não cancelou os seus compromissos internacionais, sejam bilaterais ou multilaterais, pelo contrário, acelerou, por exemplo, a sua agenda verde e humanitária. A União Europeia e os seus parceiros levaram adiante todo os compromissos diplomáticos, o que possibilitou a continuação da cooperação internacional e a resposta à invasão russa, do ponto de vista de apoio diplomático em fóruns como as Nações Unidas com a aprovação de resoluções importantes, o apoio financeiro, humanitário e toda a solidariedade manifestada. Tudo isto para dizer que a diplomacia sempre enfrenta desafios, mas o compromisso dos Estados e suas lideranças, dos blocos regionais e organismos internacionais, com base em regras comummente aceites, é o que faz a diplomacia ainda mais reforçada e um instrumento de soluções.

Ouve-se falar de novas iniciativas, como o Pacto Ecológico Europeu, o Global Gateway e a Equipa Europa. Em que consistem e como se enquadram na agenda da União Europeia em Moçambique?

Vou mesmo começar pelo Global Gateway, que é uma iniciativa virada para o futuro. Foi lançada há um ano, mas já assistimos ao seu lançamento em todas as regiões, incluindo aqui em Moçambique, onde, como Equipa Europa, estamos a implementar o Pacto Verde para Moçambique e o e-Juventude. Globalmente, esta iniciativa visa impulsionar ligações inteligentes, limpas e seguras nos sectores digital, da energia e dos transportes e reforçar os sistemas de saúde, educação e investigação em todo o mundo. Ela está também totalmente alinhada com a Agenda 2030 e os seus Objectivos de Desenvolvimento Sustentável. Em Moçambique, pretendemos mobilizar uma resposta europeia colectiva a um cenário cada vez mais desafiador e em mudança, e tornarmo-nos parceiros de maior impacto. Importante nestas duas iniciativas, Pacto Verde para Moçambique e e-Juventude, é que resultam de consultas ao Governo, à sociedade civil e a outros parceiros de cooperação. O Pacto Verde para Moçambique vai apoiar o Governo a proteger e restaurar o capital natural do país; aumentar a coordenação dos investimentos que a União Europeia e seus membros estão a implementar e a planear no sector das infra-estruturas sustentáveis, aproveitando as oportunidades da transição ecológica. Neste capítulo, a União Europeia já apoia Moçambique a materializar a sua dupla ambição de assegurar o acesso universal a electricidade e uma transição energética justa, assente essencialmente nas energias renováveis, com um forte envolvimento do sector privado. Por outro lado, e-Juventude vai apoiar os jovens a atingir o seu pleno potencial para liderar a transformação socioeconómica através de educação, emprego e empoderamento. O Pacto Ecológico Europeu, por seu lado, visa eliminar a emissão de gases com efeito de estufa, esta é a contribuição europeia para o compromisso de neutralidade climática até 2050, nos termos do Acordo de Paris. Estas estratégias e iniciativas estão bem alinhadas ao programa de cooperação da União Europeia com Moçambique (2021-2027) nas áreas do Crescimento Verde, Crescimento da Juventude, e Governação, Paz e Sociedade Justa, e com as prioridades quinquenais de Moçambique.

Como tem sido a interacção com actores locais e outras organizações na implementação dos diversos projectos, programas e iniciativas?

A interacção com os actores locais é uma parte essencial da consolidação da nossa parceria com Moçambique. Deles aprendemos, das sensibilidades, o conhecimento sobre as realidades no terreno, e ganhamos melhor percepção dos problemas para os quais juntos procuramos encontrar uma solução. É assim que acordamos as prioridades da nossa cooperação, preservando os valores partilhados e interesses comuns entre Moçambique e a União Europeia. Temos, em coordenação com o Governo, as organizações internacionais como parceiros estratégicos e acordos para a implementação de programas nas áreas da paz, desenvolvimento local, protecção dos direitos humanos, prevenção e combate à violência e a promoção da igualdade de género. Como Equipa Europa, posso aqui destacar a implementação do acordo de paz, em que temos as vertentes de reintegração que envolvem o desenvolvimento local, a educação para a paz e empoderamento, o programa DELPAZ, em que intervêm a Áustria e a Itália na sua implementação em Sofala, Manica e Tete; temos um projecto de promoção de emprego jovem, em Cabo Delgado, com gestão delegada ao Instituto Camões, de Portugal. É imperioso mencionar a abordagem integrada da União Europeia em Cabo Delgado – a nossa interacção com os diversos parceiros é no sentido de reforçar este triplo nexo em todo o norte do país, em termos de assistência humanitária, segurança e construção da paz e desenvolvimento. Na frente da segurança, a Missão de

Formação Militar da União Europeia (EUTM) treina os membros das forças de defesa e segurança de Moçambique para combater a insurgência no Norte. Igualmente importante é a nossa colaboração e concertação com outros actores na região de África para encontrar uma resposta em Cabo Delgado, falo do apoio da União Europeia à Missão da SADC (SAMIM) e das Forças Ruandesas, que, no terreno, ajudam a travar o avanço dos insurgentes.

Que estratégias considera serem indispensáveis na comunicação entre a União Europeia e Moçambique?

A primeira estratégia é diálogo franco e aberto. É o diálogo que está por detrás do sólido relacionamento entre Moçambique e a União Europeia, pois coordenamos políticas e planos e fazemo-lo aos níveis político, social, económico e comercial, e em fóruns regionais e globais. Temos duas vezes ao ano o diálogo político União Europeia – Moçambique em que fazemos o balanço dos progressos da nossa cooperação e concertamos posições e prioridades, mas temos também os diálogos sectoriais para uma concertação mais específica de acções a implementar. Para um conhecimento do Moçambique real, vamos ao terreno e interagimos com actores, desde os líderes comunitários, a sociedade civil, o sector privado… São quem nos ajuda a tornar real a parceria 360 graus que a União Europeia cultiva com Moçambique.

Como classifica as relações entre a União Europeia e Moçambique nos últimos anos? Quais considera terem sido os maiores feitos conjuntos até à data?

Relações excelentes! A União

Europeia e Moçambique têm agendas alinhadas em relação às prioridades nacionais e globais, e estas agendas entrecruzam-se. Quero destacar o facto de Moçambique iniciar oficialmente o seu mandato no Conselho de Segurança das Nações Unidas, como membro não permanente, um processo que a União Europeia se orgulha de ter apoiado. É onde o Governo de Moçambique vai partilhar a sua visão sobre diversos assuntos da realidade internacional, incluindo sobre a agressão russa contra a Ucrânia e a preservação de uma ordem internacional assente em regras, em linha com a Carta das Nações Unidas. Juntos alcançámos muito, conseguimos melhorar a vida dos moçambicanos através do empoderamento económico local, criação de emprego jovem, construção e reabilitação de infra-estruturas como estradas e pontes, e promovemos a paz e a estabilidade como condições-chave para o desenvolvimento.

Quais são as acções, planos e programas a serem implementados num futuro próximo?

Mencionei antes o Plano Indicativo Multianual (2021-2027), que é o programa de cooperação acordado entre o Governo de Moçambique e a União Europeia. Este instrumento está centrado nas prioridades do país, com aspectos de género como transversais. São 428 milhões de euros para o período 2021 – 2024, e um total de 183 milhões de euros no âmbito do Programa de Acção Anual para 2022, que cobre medidas nas três áreas prioritárias do Plano Multianual. Neste momento, está já em curso o Programa de Acção Anual de 2023, englobando intervenções nos sectores de cidadania activa, governação democrática, luta contra a violência sexual e baseada no género, desenvolvimento de capacidades para o emprego, e economia azul sustentável. Quero também mencionar que, aquando da apresentação das minhas cartas credenciais ao Presiden - te da República, abordámos a necessidade de promover mais intercâmbios de negócios e investimentos entre a Europa e Moçambique. Como seguimento, vamos acolher este ano o Fórum de Negócios União Europeia – Moçambique e envolver o sector pri - vado europeu, através da EUROCAM, e o local. Para fechar, dizer que teremos, em Maio, a nossa anual celebração do dia da Europa, que é para nós uma grande festa da Europa pelo mundo e um importante momento de intercâmbio com Moçambique.

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