Revista Xonguila Nº39

Publicação mensal • Agosto 2021 • Edição nº 39 • Ano 04 • 300 MZN • www.xonguila.co.mz

“O ANSELMO”

CASA DE VIDRO NA MACANETA

Bom exemplo de reaproveitamento A good example of material reuse

O restaurante obrigatório na Beira The go-to restaurant in Beira

MAMAS LODGE

Luxo e conforto na Ilha da Inhaca Luxury and comfort in Ilha da Inhaca

UMA PARCERIA INTELIGENTE O Absa e o Parque da Gorongosa Absa Bank and Gorongosa National Park

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CTZ/GF/0714

TRÊS ANOS CONSECUTIVOS BEST TRADE FINANCE

Pelo terceiro ano consecutivo o Millennium bim é Best Trade Finance em Moçambique.

O prémio atribuído pela conceituada revista internacional Global Finance, é o reconhecimento da capacidade do Banco em criar soluções inovadoras e personalizadas, para apoiar o crescimento e o sucesso das Empresas em Moçambique.

A todos os Clientes o nosso muito obrigado.

Fotografia: Cortesia de Mama's Lodge

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4 - Agosto/August 2021 • Revista Xonguila © ™ Ed. 39

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“Duas palavras, em particular, representam a nossa villa: autenticidade e singularidade” - Mama's Lodge Revista Xonguila © ™ Ed. 39 • Agosto/August 2021 - 5

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“Temos 6 quartos, todos diferentes à sua maneira, com decoração, iluminação ou notas de design particulares”

6 - Agosto/August 2021 • Revista Xonguila © ™ Ed. 39

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Mamas Lodge Brooklyn Bradley, Director de Marketing, na primeira pessoa Existem muitas formas de descrever o Mamas Lodge, havendo, no entanto, duas palavras em particular que realmente representam a nossa villa: autenticidade e singularidade.

O proprietário deste local tem vindo a idealizar este espaço há mais de 20 anos, e o seu amor pela natureza e ar livre contribuiu bastante para a concepção desta propriedade singular.

A nossa villa pode acomodar até 13 pessoas ao mesmo tempo (mais 2, colocando-se um sofá-cama num dos quartos).

Temos 6 quartos, todos diferentes à sua maneira, com decoração, iluminação ou notas de design particulares. O cliente pode optar entre um quarto com vista para o mar e estar completamente rodeado pela natureza, ficando na nossa suíte na treehouse. O Mamas Lodge foi contruído em grande parte com madeira encontrada na região e outros produtos locais.

O nosso chef, único e bem treinado, cria belas e saborosas obras-primas que variam entre os sabores tradicionais e propostas modernas da gastronomia internacional, sempre com um toque de exclusividade. Há também restaurantes encantadores na ilha, e, já que somos uma comunidade, queremos dar a conhecer os que existem na região, e promover os negócios locais, pelo que incentivamos os

hóspedes a visitarem-nos.

Embora a nossa gerência sugira aos visitantes que fiquem longe de tecnologia durante a sua estadia, de forma que relaxem totalmente aproveitando a natureza, instalámos recentemente WiFi para quem necessite de trabalhar ou queira visualizar conteúdos na Netflix.

Oferecemos diversas actividades para os nossos clientes, tais como mergulho, snorkel, jantares românticos, viagens de exploração à ilha, entre muitas outras.

Antes da pandemia, a Inhaca era uma grande atracção turística, um lugar muito procurado sobretudo por sul-africanos que queriam férias glamorosas não longe do seu país, e por pessoas de Maputo, pois a nossa estância turística fica somente a 40 km de distância da capital, de barco.

A situação que vivemos actualmente colocou uma grande pressão sobre nosso estabelecimento, sobre a ilha e a equipa, mas garantimos que a nossa villa está sempre impecável, assegurando que todos quartos passem por uma limpeza profunda, e obedece a todas as restantes medidas de segurança e higiene estabelecidas pelas autoridades competentes. Desejamos que nos próximos tempos possamos voltar a ter a ocupação de antes da covid-19, e, com a experiência que vamos adquirindo, pretendemos ir melhorando os nossos serviços e ser, nos próximos 5 anos, um dos melhores lugares para se visitar em Moçambique.

Revista Xonguila © ™ Ed. 39 • Agosto/August 2021 - 7

Fotografia: Cortesia de Mama's Lodge

O

nosso lodge fica situado na Ilha da Inhaca, podendo-se lá ir com um grupo de amigos ou a família, para um passeio romântico ou mesmo sozinho, caso se sinta a necessidade de escapar à agitação do dia-a-dia, de se desconectar e curtir a natureza.

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“We intend to improve our services and become one of the best places to visit in Mozambique, within the next 5 years” 8 - Agosto/August 2021 • Revista Xonguila © ™ Ed. 39

Fotografia: Cortesia de Mama's Lodge

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Revista Xonguila © ™ Ed. 39 • Agosto/August 2021 - 9

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Mamas Lodge Brooklyn Bradley, Marketing Director, in his own words We could describe Mamas Lodge in many ways, but there are two words, in particular, that really represent our villa: authenticity and uniqueness.

O

ur lodge is located in Ilha da Inhaca, which you can visit with a group of friends or family, for a romantic walk or even alone, if you feel the need to escape the hustle and bustle of everyday life, disconnect and enjoy nature.

The property owner has been designing this space for over 20 years, and his love for nature and the outdoors has contributed a lot

10 - Agosto/August 2021 • Revista Xonguila © ™ Ed. 39

to the design of this unique property. Our villa can accommodate up to 13 people at the same time (plus 2, by placing a sofa bed in one of the bedrooms). We have 6 rooms, all uniquely appointed with differentiating decoration, lighting and design accents. The client can choose between rooms with a sea view or to be completely surrounded by nature whilst staying in our treehouse suite.

Mamas Lodge is built largely from wood sourced nearby and other local products.

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Our unique and well-trained chef creates beautiful and tasty masterpieces that range between traditional flavours and modern offerings f rom international cuisine, always with a touch of exclusivity.

There are also charming restaurants on the island and, since we are a community, we want you to get to know those as well and promote local businesses, so we encourage guests to visit.

ing that all rooms are thoroughly cleaned, and comply with all other hygiene and safety measures mandated by the competent authorities. We hope that in the near future, we can return to pre Covid-19 occupation rates and, with the experience we have gained over time, we intend to improve our services and become one of the best places to visit in Mozambique, within the next 5 years.

Although our management suggests visitors to stay away f rom technology during their stay, so as to fully relax and enjoy nature, we have recently installed Wi-Fi for those who need to work or want to view content on Netflix. We offer various activities for our clients, such as diving, snorkelling, romantic dinners, and exploration trips to the island, among many others.

Fotografia: Cortesia de Mama's Lodge

Before the pandemic, Inhaca was a major tourist attraction, a place highly sought after especially by South Af ricans who wanted a glamorous holiday not far f rom their country, and by people f rom Maputo, as our tourist resort is only 40 km away by boat f rom the capital city. The situation we are currently experiencing has put a lot of pressure on our establishment, on the island and the team, but we make sure that our villa is always spotlessly clean, ensur-

Revista Xonguila © ™ Ed. 39 • Agosto/August 2021 - 11

Paladares à Solta Sumário

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CASA DE VIDRO

Uma casa de vidro na praia da Macaneta A glass house in Macaneta Beach

12 - Agosto/August 2021 • Revista Xonguila © ™ Ed. 39

Sumário

ABSA + GORONGOSA A parceria entre o Absa e o Parque Nacional da Gorongosa Absa Bank´s partnership with Gorongosa National Park

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4

RELAXE/ RELAX

Mamas Lodge, fantástico recanto na Ilha da Inhaca Mamas Lodge, a fantastic hideaway at Ilha da Inhaca

54 62 68

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DIÁSPORA

Simão Zacarias, um cientista nosso na Escócia Simão Zacarias, one of our scientists in Scotland

TURISMO

A importância do marketing e tendências no sector do turismo The relevance of marketing and trends in the tourism sector

HIP HOP MOZ

A evolução do Hip Hop Moz The evolution of Hip Hop Moz

PALADARES À SOLTA/ PALATES ON THE LOOSE “O Anselmo”, um must da capital de Sofala “O Anselmo”, a must-visit in the capital city of Sofala

CINEMA 35MM

Um Presente Especial, uma curta nacional exibida em Cannes Um Presente Especial (“A Special Gift”), a locally produced short film screened in Cannes

SABIAS QUE/ DID YOU KNOW

Lobolo, tradição centenária da nossa cultura Lobolo, our culture´s centuries-old tradition

COZINHA

Magret de pato, o que o Zambi nos propõe Zambi presents their Duck Magret

84 106 110

FICHA TÉCNICA/BIOS Propriedade/Property: Veludo & Mentol, Sociedade Unipessoal Lda • Conselho de Administração/Administrative Council: Omar Diogo, Nuno Soares, Mariano Silva • Director: Nuno Soares • Gestão de Conteúdos Editoriais/Editorial Content Management: Nuno Soares, Mariano Silva • Copy-desk (português): Fátima Ribeiro • Colunistas/Writers: Eliana Silva, Frederico Jamisse, Ivan Laranjeira, Neyde Cuna, Jaime Álvaro, Mariano Silva, Nuno Soares • Tradução (Português-Inglês)/Translation (Portuguese-English)/: M. Gabriela Carrilho Aragão • Fotograf ia/Photography: Mariano Silva, Mário Cumbana • Design de Capa/Cover Design: Nuno Azevedo • Graf ismo/Visuals: Omar Diogo • Infograf ia e Paginação/ Infographics and Pagination: Omar Diogo • Produtores Audiovisuais/Audiovisual Producers:Nuno Lopes, Ana Piedade, Mariano Silva • Gestão de Redes Sociais/ Social Media Management: Nuno Soares • Conteúdos de Marketing e Comunicação/ Marketing and Communication Contents: Omar Diogo, Nuno Azevedo • Gestão de Homepage e Edição Online/Homepage Management and Online Editing: Omar Diogo, Jorge Oliveira • Departamento Comercial/Commercial Department: Nuno Soares, Isabel Roque +258 820 008 314 - comercial@xonguila.co.mz • Impressão/Printing: Minerva Print • Distribuição/ Distribution: Flotsam Moçambique, Lda • ISSN: ISSN-0261-661 • Registo/Register: 02/Gabinfo-dec/2018 • Registo de Propriedade Industrial/Industrial Property Registration: 35065/2017 - 35066/2017 (15/01/2018) Os artigos com assinatura reflectem a opinião dos autores e não necessariamente da revista. Toda a transcrição ou reprodução, parcial ou total, requer a autorização expressa da empresa titular da revista.

The articles reflect the authors opinion, and not necessarily the magazine opinion. All transcript or reproduction, partial or total, requires the authorization of the company that owns the magazine

Revista Xonguila © ™ Ed. 39 • Agosto/August 2021 - 13

Editorial

Do Director / From the Director Caro Leitor,

Dear Reader,

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Nesta tiragem, conversámos com Rui Barros, Administrador Delegado do Absa Bank Moçambique, que revelou interessantes aspectos da parceria do banco com o Parque Nacional da Gorongosa, um projecto ambicioso, sustentável e integrado, que respeita o meio-ambiente e trabalha em prol das comunidades. Com esses mesmos propósitos em mente, já imaginou uma casa feita de garrafas de vidro reutilizadas? Ora, o ambientalista Carlos Serra meteu mais uma vez mãos na massa e provou ser possível transformar lixo num novo produto com valor agregado. Conheça também aqui o emblemático Anselmo, um restaurante que é um must da capital da província de Sofala, onde se paga um valor fixo sem saber exactamente o que será servido, mas com a certeza de que se irá degustar um saboroso menu de delícias do mar. Recomendamos que vá com fome, muita fome. E sabia que na edição do festival de Cannes de 2021 esteve presente uma curta-metragem de animação Made in Mozambique? Pois é, os Pestinhas, de Nildo Essá, estão de volta, com a aventura “Um presente especial”, e consta que arrasaram naquele festival, que é uma referência mundial. Acompanhe ainda a história de Simão Zacarias, um cientista moçambicano residente na Escócia.

In this edition, we spoke with Rui Barros, CEO of Absa Bank Moçambique, who revealed interesting aspects of the Bank's partnership with Gorongosa National Park, an ambitious, sustainable, and integrated project that respects the environment and seeks to benefit local communities. Keeping these same principles in mind, have you ever imagined a house made from reused glass bottles? Well, once again, environmentalist Carlos Serra got his hands dirty and proved that it´s possible to transform waste into a new product with added value. You will also get to know the emblematic “O Anselmo”, a must-visit restaurant in the capital city of Sofala province, where you pay a fixed amount without knowing exactly what you will be served, and yet are certain to enjoy a delectable assortment of seafood delicacies. We recommend that you arrive hungry, very hungry. Did you know that the 2021 edition of the Cannes Film Festival featured the screening of an animated short film Made in Mozambique?

That´s right: the Pestinhas, by Nildo Essá, are back, with the adventure “Um presente especial” (“A special gift”), and they reportedly rocked that world-renowned festival. You will also read about the story of Simão Zacarias, a Mozambican scientist living in Scotland.

Estas são apenas algumas das peças editoriais da nossa 39ª publicação. Convidamo-lo a virar a página e a deixar-se levar por todos os conteúdos aqui presentes. Aproveite cada momento, aprecie cada detalhe e leve à letra o significado de ser feliz. Votos de uma aprazível leitura.

These are just some of the editorial articles from our 39th edition. We invite you to turn the page and let yourself be carried away by all the content we present here. Enjoy every moment, appreciate every detail and find the meaning of happiness. Wishing you a pleasant reading.

emos vivido tempos muito intensos, de mudança, de adaptação, de receio, de reinvenção. Estamos mais uma vez confinados, constantemente desafiados a viver nesta nova realidade. Dizem que Agosto é o mês dos fortes ventos, pois, seria bom que os ventos levassem daqui para fora, de uma vez por todas, esta pandemia. Vai ficando a esperança de que tal aconteça.

Entretanto, tem agora, em suas mãos, a mais recente Xonguila, que procurará trazer-lhe bons ares, proporcionando momentos de algum conhecimento e leituras agradáveis.

e are living through a very intense time of change, adaptation, fear and reinvention. We are once again confined, and constantly challenged to live in this new reality. They say that August is the month of strong winds – well, it would be good if these winds could carry this pandemic away, once and for all. There is still hope that this, too, shall pass.

In the meantime, you now have in your hands, the latest issue of Xonguila magazine, bringing with it some fresh air, knowledgeable insights, and moments of pleasurable reading.

Nuno Soares Director

Com o apoio de:

14 - Agosto/August 2021 • Revista Xonguila © ™ Ed. 39

Oferecemos a solução certa, para tornar os seus sonhos em realidade.

Os seus desejos não são um processo, são sonhos à espera de serem realizados. No Absa, oferecemos-lhe a solução certa de Crédito, com toda a simplicidade e flexibilidade.

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Absa Bank Moçambique, SA (registado sob o número 101220982) é regulado pelo Banco de Moçambique.

16 - Agosto/August 2021 • Revista Xonguila © ™ Ed. 39

Fotografia: Mariano Silva

Revista Xonguila © ™ Ed. 39 • Agosto/August 2021 - 17

Casa de “fantasia” ganha forma na praia da Macaneta Escrito por:

Jaime Álvaro O custo da casa de vidro será de aproximadamente 750 mil meticais. É feita unicamente de garrafas, de todo o tipo, utilidade, tamanho e cor, recolhidas na praia da Macaneta e na vila de Marracuene, na província de Maputo. Será a primeira casa deste género construída em Moçambique. Por isso mesmo, torna-se candidata natural ao prémio “Casa (Ecológica) do Ano”.

O

nome por detrás deste projecto invulgar surpreenderá poucas pessoas. Carlos Serra Júnior é um reputado ambientalista e jurista moçambicano com reconhecida influência na proteção ambiental do país. Serra é o actual Director-Geral da Cooperativa de Educação Ambiental REPENSAR. Há vários anos que Carlos Serra lidera diversos projectos e programas que visam transformar o lixo, em novos produtos, com valor agregado. Esse conceito, que tem vindo a assumir uma importância crescente no desenho de políticas comunitárias e nacionais, e que começa, paulatinamente, a redefinir os programas na área ambiental, designa-se economia circular.

Na prática, a economia circular implica a redução do desperdício ou dos resíduos ao mínimo. Na economia circular o lixo ganha um novo conceito: cada material é aproveitado em fluxos cíclicos, o que possibilita a trajectória do produto a produto, preservando e transmitindo seu valor.

A economia circular contrasta com o modelo tradicional, o modelo económico linear baseado no princípio “produz-utiliza-deita fora”.

De volta à casa de garrafas Em 2015, Carlos Serra iniciou uma campanha de limpeza das praias nacionais com o slogan “Lixo no chão, não!”. A iniciativa revelou-se de extrema importância para despertar a consciência ambiental das pessoas e promover uma mudança sistémica no que respeita a gestão sustentável dos resíduos.

A cooperativa recolhe muito lixo nas praias, sobretudo o plástico e o vidro. No entanto, a estes resíduos recolhidos não é dado, muitas vezes, o melhor destino final, ou seja, eles não são reciclados na sua totalidade. Surge 18 - Agosto/August 2021 • Revista Xonguila © ™ Ed. 39

daí a ideia de aplicar a economia circular à indústria da construção, nascendo o projecto da casa de garrafas, na praia da Macaneta, a 40 quilómetros da cidade de Maputo.

“Já há algum tempo que procurávamos uma forma de reaproveitar as grandes quantidades de resíduos (sobretudo de plástico e de vidro) que recolhíamos das nossas praias, no âmbito do projecto ‘Lixo Marinho’. A esse lixo muitas vezes não era dado um destino adequado. Queríamos dar-lhe um novo destino, e então decidimos usar as garrafas para construir a casa” – explicou Carlos Serra. “O nosso programa ‘Lixo Marinho' começou em Janeiro. Já tínhamos limpo muitas praias e já tínhamos muito lixo acumulado. Era preciso identificar um local para implantar o projecto, e o Macaneta Beach Resort acolheu-nos.”

O Sector da Construção tem uma importância fundamental na mitigação das alterações climáticas. A construção é o principal consumidor de recursos naturais e energéticos. Por esta razão, a cooperativa REPENSAR está focada na necessidade de renovar casas, promovendo a eficiência energética, e na redução do consumo de recursos naturais, que são empregues intensivamente na indústria de construção e na utilização de materiais e tecnologias sustentáveis, como é o caso das garrafas usadas para construir a casa que já está a roubar a atenção dos turistas.

A casa de vidro é feita de garrafas desde a sua base. O betão da fundação leva uma grande quantidade, partidas em cacos. A casa não utiliza areia. Na preparação da argamassa, faz-se uma mistura de cimento com vidro em pó, cujo processamento (trituração) é feito através de equipamento fornecido pela empresa Cervejas de Moçambique (CDM), parceira do projecto. Há alguns blocos, também feitos de cimento e vidro em pó.

Fotografia: Mariano Silva

Revista Xonguila © ™ Ed. 39 • Agosto/August 2021 - 19

Muitas das garrafas são compradas às comunidades locais, que ajudam a manter limpas as praias e outros espaços públicos.

O programa Lixo Marinho contribui para o rendimento de muitas famílias

20 - Agosto/August 2021 • Revista Xonguila © ™ Ed. 39

“A casa vai usar pouco material convencional. Terá poucos compartimentos, uma sala, uma varanda, uma cozinha, que terá vista para o rio, dois quartos e uma casa de banho. A estrutura segue todas as regras de uma construção resiliente, e o custo total será de cerca 750 mil meticais, incluindo a mão-de-obra”, revelou Carlos Serra.

As obras da casa iniciaram no dia 8 de Julho, dia em que se assinala o Dia Mundial dos Oceanos., e até ao momento já foram usadas mais de 100 mil garrafas, de um total de pouco mais de 150 mil garrafas necessárias.

“A casa tornou-se uma escola. Era preciso treinar desde o mestre das obras, pois o próprio mestre tinha de aprender a técnica de construção com este material.

Era preciso ter os auxiliares e ter a nossa equipa também bastante inteirada da construção em em vidro, e a casa e tornou-se um laboratório”.

Uma nova fonte de renda sustentável da comunidade A casa de garrafas, que resulta do programa “lixo marinho”, iniciado em Janeiro com apoio da embaixada da Noruega e da CDM, constitui uma nova fonte de renda para a comunidade de cerca de meio milhão de pessoas, que recolhe e vende as garrafas à cooperativa REPENSAR, instalada na praia da Macaneta.

Cerca de 80% do total de garrafas que compõem a casa tinham sido descartadas no chão, sobretudo na praia, segundo Carlos Serra. “Muitas garrafas comprámos das comunidades locais que ajudam a manter as praias e outros espaços públicos limpos. Compramos as garrafas ao quilo, mas há garrafas que pagamos mais à unidade, pelo seu valor simbólico.

Portanto, com este programa Lixo Marinho, contribuímos para o rendimento de muitas famílias”.

Fotografia: Mariano Silva

Segundo Serra, as intervenções da cooperativa REPENSAR começam a ter impactos visíveis na mudança de comportamento e atitudes relacionadas com a proteção do meio ambiente.

“Nenhuma mudança ocorre da noite para o dia. Neste momento estamos felizes porque estamos a conseguir resultados no desaparecimento de certo tipo de resíduos (vidro) nas praias, porque eles passaram a ter valor”.

A reutilização dos resíduos sólidos é uma

realidade cada vez mais praticada pela população e empresas, a fim de evitar o seu acúmulo no meio ambiente e dar-lhe um destino ambientalmente correcto.

Assim, a cooperativa REPENSAR compra à comunidade, além de garrafas de vidro, outros tipos de resíduos, tais como materiais de plástico, borracha e latas, para posterior reutilização.

Um atractivo extra para os turistas A casa de garrafas, na praia da Macaneta, ainda não está concluída, mas já se tornou no principal atractivo turístico, roubando o protagonismo aos outros edifícios daquela zona turística.

A infra-estrutura é um verdadeiro mosaico de garrafas de todos os tipos, tamanho e cor. São, na sua maioria, garrafas de bebidas espirituosas, das mais recentes às mais antigas. A luminosidade, o reflexo, a vista da casa para o rio, quando o sol nasce ou quando cede lugar à noite, é outro espectáculo à parte para os visitantes da casa, a qual deverá ser igualmente um Museu de Garrafas.

“A casa vai ser visitável e vai estar inserida num conjunto que incluirá também o Eco-Centro. As pessoas que me visitarem futuramente vão ter uma viagem ao mundo do lixo. Vão visitar não só a parte do vidro, como a parte do plástico e outras aplicações que a gente tenciona ter aqui, como a compostagem. Toda a produção eléctrica será feita aqui, localmente, e não dependeremos mais da rede; a captação da água também será feita localmente”, assim prometeu Serra uma casa auto-suf iciente, que terá uma sala, uma varanda, uma cozinha com vista para o rio, dois quartos e uma casa de banho.

Cada parede terá em si uma marca específ ica de bebida, mas haverá paredes especiais, como a zona f rontal, incluindo a varanda, que terá garrafas unicamente da CDM, parceira do projecto.

“A casa de garrafas representa um atractivo extra para quem visita o nosso resort. Acredito que ela vai atrair muitos turistas para a Macaneta, e isso, sem dúvida, vai ser bom para o nosso negócio, que tenta recuperar dos impactos da pandemia da covid-19”, disse Américo Dalpate, um dos operadores turísticos na Macaneta e parceiro que cedeu espaço para a construção da casa com que sonhou um homem que ama o meio ambiente.

Revista Xonguila © ™ Ed. 39 • Agosto/August 2021 - 21

Fotografia: Mariano Silva

22 - Agosto/August 2021 • Revista Xonguila © ™ Ed. 39

“Estamos felizes porque estamos a conseguir resultados no desaparecimento de certo tipo de resíduos (vidro) nas praias, porque eles passaram a ter valor” – Carlos Serra, Director da REPENSAR Revista Xonguila © ™ Ed. 39 • Agosto/August 2021 - 23

A fantasy home takes shape on Macaneta beach Written by:

Jaime Álvaro The cost of the glass house will be approximately 750,000 meticais. It is made solely of glass bottles of all types, uses, sizes and colours, collected at Macaneta beach and in the village of Marracuene, in Maputo province. It will be the f irst house of its kind built in Mozambique. For this reason, it naturally became a candidate for the Green Home of the Year award. and national policies, and which is graduhe promoter behind this unusual ally beginning to redef ine programs in the project will surprise few people. environmental sphere, is called circular Carlos Serra Júnior is a renowned economy.

Mozambican environmentalist and jurist with considerable influence in In practice, the concept of circular econoenvironmental protection in this country. my implies reducing waste to a minimum.

Serra is the current Director General of In a circular economy, refuse gains a new the Cooperativa de Educação Ambiental concept: each material is used in cycliREPENSAR (“REPENSAR Environmental cal flows, a trajectory in which a product Education Cooperative”). becomes another product, preserving and transmitting its value.

For several years now, Carlos Serra has been leading several projects and proThe circular economy contrasts with the grams aimed at transforming waste into traditional model, i.e. the linear economic new products with added value. This conmodel based on the “take-make-dispose” cept, which has been become increasingly principle. important in the design of community

T

24 - Agosto/August 2021 • Revista Xonguila © ™ Ed. 39

The cooperative REPENSAR collects a lot of garbage f rom the beaches, especially plastic and glass. However, the waste collected doesn’t always meet its optimal end, that is to say, it´s not recycled in its entirety. Hence the idea of applying the circular economy principle to the construction industry, which gave rise to the project of a house built with glass bottles, on Macaneta

beach, 40 kilometres away from the city of Maputo.

“For some time now, we have been looking for a way to reuse the large amounts of waste (especially plastic and glass) that we collected from our beaches, within the scope of the Lixo Marinho (“Marine Waste”) project. This waste was often not given a proper destination. We wanted to give it a new destination, and so we decided to use the bottles to build the house” – explained Carlos Serra. “Our Lixo Marinho program started in January. We had already cleaned up many beaches and already had a lot of waste piled up. It was necessary to identify a place to implement the project, and the Macaneta Beach Resort welcomed us.”

Fotografia: Mariano Silva

Back to the house made of glass bottles In 2015, Carlos Serra started a campaign to clean up local beaches with the slogan “No to garbage on the ground!”. The initiative proved to be extremely important to raise people's environmental awareness and promote systemic change with regards to sustainable waste management.

Revista Xonguila © ™ Ed. 39 • Agosto/August 2021 - 25

The construction sector is of fundamental importance in mitigating climate change. Construction is the main consumer of natural and energy resources. For this reason, the REPENSAR cooperative is focused on the need to renovate houses, promoting energy efficiency, and reducing the consumption of natural resources – which are intensively used in the construction industry – and rather promoting the use of sustainable materials and technologies, as is the case with the bottles used to build the house that is already attracting tourists' attention.

The glass house is made of bottles from the base up. A large amount of broken glass was added to the concrete mix used to build the foundations.

The house does not use sand. In preparing the mortar, cement is mixed with powdered glass, which is processed (crushed) using equipment supplied by the company Cervejas de Moçambique (CDM), a partner in the project. Blocks made of cement and powdered glass are also used in the project.

“The house will use very few conventional materials. It will have a modest size, with a living room and balcony, a kitchen with a view of the river, two bedrooms and a bathroom. The structure follows all the rules and regulations for resilient construction, and the total cost will be around 750,000 meticais, including labour costs”, revealed Carlos Serra.

The construction of the house began on the 8th of July, the day we celebrate World Oceans Day, and so far more than 100,000 bottles have been used, out of a total of just over 150,000 bottles needed for the project.

“The house has become a school. It was necessary to train [the workers], starting with the foreman, as the master himself had to learn how to build with this material. It was necessary to have the assistants and also our team be very knowledgeable about building with glass, and as such, the house became a laboratory”.

A new source of sustainable income for the community The glass house is the result of the Lixo Marinho program which began in January with the support of the Norwegian Embassy and CDM. It constitutes a new source of income for the community of around half a million people, who collect and sell bottles to the REPENSAR cooperative, which has a base on Macaneta beach.

About 80% of the total number of bottles that make up the house had been discarded on the ground, especially on the beach, according to Carlos Serra. “We buy many bottles from the local communities who help keep beaches and other public spaces clean. We buy the bottles by the kilo but pay a special unit price for rarer bottles.

Therefore, with the Lixo Marinho program, we are contributing to the income of many families”.

26 - Agosto/August 2021 • Revista Xonguila © ™ Ed. 39

According to Serra, the interventions of the REPENSAR cooperative are beginning to have visible impacts on changing behaviour and attitudes related to environmental protection.

“No change happens overnight. Thus far, we are quite pleased with the results achieved, and are making inroads into disappearing certain types of waste (glass) from the beaches, because they have become valuable”.

The reuse of solid waste is a reality increasingly practiced by the population and companies, in order to avoid its accumulation on the environment and give it an environmentally appropriate destination.

Aside from glass bottles, the REPENSAR cooperative also buys other types of waste from the community, such as plastic materials, rubber and cans, for later reuse.

An additional attraction for tourists The glass house on Macaneta beach is not yet finished, but it has already become the main tourist attraction, stealing the attention from other buildings in that touristic area.

The structure is a veritable mosaic of bottles of all types, sizes and colours. They are mostly bottles of alcoholic spirits, from the newest to the oldest.

The luminosity, the reflection, the view of the river from the house, when the sun rises or at nightfall, is another spectacle for visitors of the house, which may as well become a Museum of Bottles, too.

“The house will be open to visitors and will be part of a complex that will also include an Eco-Centre. People who visit me in the future will be making a trip to the world of refuse. They will visit not only the glass part, but also the plastic part and other applications that we intend to have here, such as composting. All electrical production will be done here, locally, and we will no longer rely on the mains grid; we will also collect water locally”, thus promised Serra when speaking of the self-sufficient house, which will have a living room, a balcony, a kitchen overlooking the river, two bedrooms and a bathroom.

Each wall will have a specific brand of drink, but there will be special walls, such as the front area, including the balcony, which will exclusively have bottles from CDM, a partner in the project.

“The house made of bottles represents an additional attraction for those visiting our resort. I believe it will attract many tourists to Macaneta, and this will undoubtedly be good for our business, which is trying to recover from the impact of the Covid-19 pandemic”, said Américo Dalpate, one of the tour operators in Macaneta and partner in the project, who provided the patch of land on which to build a house dreamt by a man who loves the environment.

Fotografia: Mariano Silva

Revista Xonguila © ™ Ed. 39 • Agosto/August 2021 - 27

The glass house on Macaneta beach is not yet finished, but it has already become the main tourist attractions, stealing the attention from other buildings in that touristic area 28 - Agosto/August 2021 • Revista Xonguila © ™ Ed. 39

Fotografia: Mariano Silva

Revista Xonguila © ™ Ed. 39 • Agosto/August 2021 - 29

Relaxe

O Parque Nacional da Gorongosa e a parceria com o Absa “O trabalho que está a ser realizado no Parque Nacional da Gorongosa não é só aquilo que vemos quando o visitamos ou nas reportagens. É também um trabalho de exemplo!

Exemplo de que Moçambique sabe fazer coisas ao nível do melhor do mundo.”

Fotografia: Mariola Grobelska

- Rui Barros, Administrador, Delegado do Absa Bank Moçambique

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Revista Xonguila © ™ Ed. 39 • Agosto/August 2021 - 31

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O Parque Nacional da Gorongosa e a parceria com o Absa Entrevista com Rui Barros, Administrador Delegado do Absa Bank Moçambique Gostaríamos que nos falasse do envolvimento do Absa em projectos sociais, muito particularmente com o Parque da Gorongosa.

Somos um banco que chega a todas as províncias do país, um dos mais antigos e certamente dos mais emblemáticos: ou seja, o Banco é um cidadão de Moçambique. Temos uma identidade de que nos orgulhamos e temos uma responsabilidade que sempre honramos. Essa responsabilidade, para além de implicar fazermos bem o nosso trabalho e satisfazermos os nossos clientes, também é olhar à nossa volta e intervir. Essa intervenção pode ser directa ou indirecta, como quando apoiamos entidades que estão no terreno – como é o caso do Parque Nacional da Gorongosa – e que ajudam a cumprir o nosso propósito, fazendo melhor do que nós seríamos capazes de fazer. Mas também pode assumir uma forma não educativa e de formação, ou uma forma mais de acção e contribuição tangível, com iniciativas no momento. No caso específico da nossa parceria com o Parque Nacional da Gorongosa, temos a visão do cumprimento de vários objectivos de desenvolvimento sustentável, designadamente: a erradicação da pobreza e da fome; igualdade de género; promoção do trabalho digno e crescimento económico; redução das desigualdades; produção e consumo sustentáveis; acção climática e protecção da vida terrestre.

Fotografia: Clara Metivier Beuke

Porque é que é importante para o Absa

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criar estas parcerias?

Em primeiro lugar, há quem consiga fazer melhor do que nós aquilo que nós gostaríamos que fosse a nossa contribuição para a sociedade. Esse é o caso do Parque Nacional da Gorongosa e, como tal, uma parceria faz todo o sentido. Naturalmente, uma parceria procura, por via de regra, encontrar na força conjunta de duas ou mais partes, uma força combinada superior à soma das partes.

Claramente, aqui também é o caso. E é também por isso que continuamos a achar muito importantes estas parcerias numa actividade muito distinta, como a que temos há vários anos com o Projecto Xiquitsi, no apoio às artes e aos jovens.

Há quanto tempo existe a parceria com o Parque da Gorongosa e quais consideram terem sido os principais objectivos alcançados durante esse período?

Este é um compromisso que assumimos há mais de 3 anos, quando nos tornámos membros do Clube Empresarial do Parque, e hoje, orgulhosamente, reafirmamos o nosso total comprometimento em continuar a trabalhar no sentido de consolidar esta relação de parceria. Neste período tivemos oportunidade de partilhar ideias e apoiar projectos que foram sendo desenvolvidos. Temos também promovido princípios que nos unem ao Parque – inclusivamente através das redes sociais do banco – e que têm tido uma reacção bastante positiva por parte da nossa comunidade de seguidores.

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De que forma é que a promoção do Parque promove o crescimento de Moçambique?

O trabalho que está a ser realizado no Parque não é só aquilo que vemos quando o visitamos ou nas reportagens. É também um trabalho de exemplo! Exemplo de que Moçambique sabe fazer coisas ao nível do melhor do mundo. E se, com o fantástico trabalho que é reconhecido internacionalmente, o Parque chega além-f ronteiras e leva o nome de Moçambique bem alto – o que vai sem dúvida prover o seu crescimento – também é cá dentro que esse exemplo se deve fazer sentir, e até onde o impacto deveria ser maior. Porque outros projectos podem inspirar-se e fazer nas suas áreas outros grandes exemplos de nível internacional feitos em Moçambique. Essa força motriz interna é mesmo a mais importante para o crescimento do país.

“No caso específico da nossa parceria com o Parque Nacional da Gorongosa, temos a visão do cumprimento de vários objectivos de desenvolvimento sustentável”

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O Parque tem trazido ao público vários produtos, entre eles o café. A vossa instituição tem alguma plataforma que ajude a promovê-los de algum modo?

O caso concreto do café é-nos muito próximo do coração. Na altura em que nos decidimos juntar ao Clube Empresarial do PNG, este projecto estava a dar os primeiros passos. Aquela parte da serra tinha estado inacessível devido ao conflito que ali se tinha registado, e foi precisamente nessa altura que se deu o famoso acordo entre as partes, o que permitiu o acesso, de novo, às plantações de café. Terei mesmo sido uma das primeiras pessoas a visitá-las, com os técnicos do Parque. Desde sempre, acarinhamos muito esse projecto, pois é também um símbolo de resiliência e de empoderamento da mulher, já que foram mesmo as mulheres da zona quem continuou a cuidar da plantação, durante os anos em que durou o conflito, e só assim foi possível o projecto vingar. Esta proximidade reflecte-se também na forma como o

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banco tem vindo a partilhar com clientes e parceiros não apenas o café, mas também o mel da Gorongosa, entre outros, como produtos nacionais de qualidade, distribuindo os mesmos em diversas iniciativas junto dos nossos clientes e parceiros.

Foi importante relacionar os serviços do Absa com os produtos naturais da Gorongosa?

Tal como referi, o nosso apoio visa, acima de tudo, contribuir para a sustentabilidade deste projecto a longo prazo e para a sua promoção, mostrando publicamente que é uma causa em que acreditamos e merece ser apoiada. Os produtos naturais da Gorongosa são um símbolo do que a terra nos pode dar e também de como a dedicação e o engenho permitem criar soluções sustentáveis, do ponto de vista de uma vida mais saudável, mas também f inanceiramente. Esta relação com a nossa f ilosof ia, os nossos valores e propósito é muito importante.

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Fotografia: Mariano Silva

Este é um compromisso que assumimos há mais de 3 anos, quando nos tornámos membros do Clube Empresarial do Parque

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Que relevância dão ao desenvolvimento dos produtos nacionais?

O consumo de produtos locais é primordial para o desenvolvimento de qualquer economia. Moçambique tem um potencial mercado interno de dimensão signif icativa e, como tal, os produtos nacionais podem alcançar escala ao serem distribuídos no mercado local. Para além da geração de rendimento (e impacto positivo no Produto Interno Bruto do país), a produção em causa emprega mão de obra nacional, e isso vai permitir que essas famílias aumentem o consumo no futuro, criando a procura necessária para as empresas nacionais crescerem ainda mais. É, de facto, um círculo vicioso em que, ao longo do tempo, a procura e a oferta se vão alimentando uma à outra, suportando o crescimento mútuo.

Fotografia: Jean Wimmerlin

Qual é a perspectiva de crescimento da parceria com o Parque?

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O Parque Nacional da Gorongosa é um projecto ambicioso, sustentável e integrado, que respeita o meio ambiente e trabalha em prol das comunidades, valores que nós, no Absa Bank Moçambique, também defendemos e que encorajamos toda a sociedade a seguir, particularmente os nossos colaboradores, parceiros e clientes. Gostaríamos, portanto, que a nossa parceria conseguisse aproximar outras instituições e indivíduos deste projecto.

Em tudo o que fazemos, sabemos que somos observados e, portanto, promover esta iniciativa pode ajudá-la também a ter mais apoios.

Acompanhamos o plano de crescimento do Parque Nacional da Gorongosa e estaremos sempre interessados em ajudar em novos desaf ios. Aliás, por isso mesmo, assinámos desde logo um acordo para vários anos, pois vemos esta parceria como de longo prazo e a crescer em conjunto.

Relaxe

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Fotografia: Joaquin Rivero

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Acontece

“Gostaríamos, portanto, que a nossa parceria conseguisse aproximar outras instituições e indivíduos deste projecto.

Em tudo o que fazemos, sabemos que somos observados e, portanto, promover esta iniciativa pode ajudá-la também a ter mais apoios.”

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Fotografia: Mariano Silva

À Conversa com

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Absa Bank´s partnership with Gorongosa National Park Interview with Rui Barros, CEO of Absa Bank Moçambique Please tell us a bit about Absa Bank´s involvement in social projects, in particular your partnership with Gorongosa National Park.

Our Bank reaches every province in the country, is one of the oldest and certainly one of the most emblematic: In other words, the Bank is a citizen of Mozambique. We are proud of our identity and always honour the responsibility we have. This responsibility, in addition to ensuring that we do our job well and satisfy our customers, is also about looking around us and intervening. This intervention can be either direct or indirect, as when we support organizations that are working on the ground – such as the Gorongosa National Park – and that help us in fulf illing our purpose, doing it better, in fact, than we could. But it can also take other forms that are non-educational nor training-based, and consist instead of more tangible actions and contributions, with more concrete results. In the specif ic case of our partnership with Gorongosa National Park, we envision fulf illing several sustainable development goals, namely: the eradication of poverty and hunger; gender equality; promoting decent work and economic growth; reduction of inequalities; sustainable production and consumption; climate action and protection of life on land.

Why is it important for Absa Bank to create these partnerships?

First of all, there are those who are more capable than us in doing what we would like our contribution to society to be. This is the case with the Gorongosa National Park, and as such a partnership makes perfect sense. Naturally, as a rule, a partnership seeks to f ind – in the joint strength of two or more parts – a combined strength greater than the sum of its discrete parts. That is clearly the case here. And it´s also why we continue to value these partnerships in yet another, very distinct endeavour: the Xiquitsi Project, of which we´ve been a part of for several years now, in support of the arts and young people.

How long has the partnership with Gorongosa National Park been in place, and what do you consider to be the main objectives achieved during that period?

We undertook this commitment over 3 years ago, when we became members of the Clube Empresarial do Parque (the “Park´s Business Club”). Today, we proudly reaff irm our total commitment to continue working towards consolidating this partnership. During this period, we had the opportunity to share ideas and

support projects that were being developed.

We have also promoted principles that unite us to the Park – including sharing them through the Bank's social networks – and this has had a very positive response f rom our community of followers.

How does promoting the Park helps promote Mozambique´s growth?

The work being carried out at the Park isn´t just what we see when we visit it or in news reports.

It's also about leading by example! A practical demonstration that Mozambique knows how to perform on par with the best in the world. And, if the Park is able to reach across borders with fantastic work that is world renowned – and therefore carrying Mozambique´s name very high, undoubtedly contributing to its growth – it is also here [in our country] that this positive example should be acknowledged, and where it´s impact should be greater, in fact. Because [with this recognition] other projects can be inspired [by this leading example] and create, in their respective f ields, other great examples of world-class project delivery in Mozambique. This internal driving force is really important for the country's growth.

The Park has brought several products to the public, including coffee. Does your institution have a platform that helps promote these products in any way?

The specif ic case of coffee is very close to our heart. By the time we decided to join the Clube Empresarial do Parque (the “Park´s Business Club”), this project was still in its infancy. That part of the mountain had been inaccessible due to the [armed] conflict that had taken place there [in preceding years], and it was precisely at the time [we visited] that the famous peace agreement between the parties was signed, which allowed access, once again, to the coffee plantations. I believe I might have been one of the f irst people to visit them, with the Park's technicians. We have always cherished this project, as it´s also a symbol of resilience and women's empowerment, since it was the women of that area who continued to care for the plantations during the conflict years, and that is the only reason why this project succeeded.

This close relationship is also reflected in the way the Bank has been sharing with customers and partners alike, not only the coffee but also Gorongosa´s honey, among others, as quality national products, distributing them through various initiatives to our customers and partners.

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À Conversa com

Was it important to link Absa's services to Gorongosa's natural products?

As I mentioned before, our support seeks to contribute, above all, to the long-term sustainability of this project and to promoting it, publicly pledging our belief in this cause as a worthy one and deserving of every support.

Gorongosa's natural products are a symbol of what the earth can give us, as well as how dedication and ingenuity allow us to create sustainable solutions, not only for a healthier life, but also financially. This relationship with our philosophy, our values and our purpose is very important.

Fotografia: Wynand Uys NF

How relevant is the development of national products for Absa Bank?

The consumption of local products is essential for the development of any economy. Mozambique has a potential domestic market of significant size and, as such, national products can reach scale by distribution in the local market. In addition to generating income (and positive impact on the country's Gross Domestic Product), the production in question employs national labour force, and this will allow these families to increase consumption in the future, creating the necessary demand for national companies to grow further. It is, in fact, a vicious cycle in which, over time, demand and supply feed on each other, supporting mutual growth.

What is the growth perspective of the partnership with the Park?

Gorongosa National Park is an ambitious, sustainable and integrated project that respects the environment and works for the benefit of local communities – values that we, at Absa Bank Moçambique, also defend and encourage all of society to follow, in particular our employees, partners and customers.

Therefore, we would like our partnership to be able to bring other institutions and individuals closer to this project. We know that we are watched in everything we do, and therefore promoting this initiative can also help it gain more support.

We have followed Gorongosa National Park's growth plan [from up close] and will always be interested in helping with new challenges. In fact, for this very reason, we signed an agreement for several years upfront, as we see this as a long-term partnership in which we grow together.

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À Conversa com

“Gorongosa National Park is an ambitious, sustainable and integrated project that respects the environment and works for the benefit of local communities”

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À Conversa com

“O ANSELMO”

O restaurante não tem um menu definido.

Quando se chega ao local, paga-se um valor fixo e não se sabe exactamente o que será servido, apenas que se irá degustar um saboroso conjunto de delícias do mar

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Fotografia: Celestino Campira Júnior

Paladares à Solta

O restaurante Cabana Frankut, ou melhor, “O Anselmo” O Cabana Frankut fica localizado na Rua Carlos Pereira, no bairro do Macúti (zona do Estoril), na cidade da Beira. Na verdade, toda a gente o conhece como “O Anselmo”, que é considerado um ícone da região e um must da capital da província de Sofala. Pouca gente conhece, no entanto, a história por trás deste local.

A

nselmo Inocêncio, seu proprietário, começou por ser professor do ensino primário nos anos 80, na então famosa “geração 8 de Março“. A certa altura, deixar a educação, tendo abraçado a carreira de escriturário numa empresa de manutenção de navios na cidade da Beira que na altura se chamava RENABE. Não satisfeito com a nova profissão, rescindiu o seu vínculo contratual, envolvendo-se, no final daquela década, na área de empreendedorismo, dedicando-se ao comércio de géneros alimentícios e bebidas, que eram trazidos do Zimbabwe e fornecidos a alguns particulares e organizações não governamentais sediadas na cidade da Beira que se encontravam a prestar assistência a Moçambique. Desta feita, descobrindo o potencial do seu negócio, teve a ideia de abrir um pequeno estabelecimento de confecção de refeições e venda de bebi-

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das, já no início de 1992. Começou por dedicar-se exclusivamente à confecção de carnes de primeira, tais como t-bones, entrecostos, bifes, costeletas de carneiro, alcatra e outros. Volvidos longos anos no ramo, ao aperceber-se do potencial turístico da cidade, virado para o turismo de praia, decide, em 2005, mudar a sua ementa, virando-se, muito por conta da proximidade do mar, para a confecção de mariscos, sobretudo para os turistas que, vindos dos diferentes países do Interland, procuravam deliciar-se com os frutos do mar da vastíssima costa de Sofala.

Anselmo nunca passou por qualquer formação profissional em gastronomia, ou seja, tornou-se cozinheiro por mero fascínio e curiosidade. Define-se como uma pessoa proactiva, com um imensurável espírito de aprendizagem contínua no seu quotidiano.

Fotografia: Celestino Campira Júnior

Paladares à Solta

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Tais atributos vislumbram-se na perfeição e dedicação com que executa o seu trabalho. O segredo da sua fórmula de sucesso passa, em primeiro lugar, por identificar o seu segmento de mercado, apostar na qualidade do produto, e executar o seu trabalho com muita dedicação e alma. Considera a comida um elemento crucial no sector da restauração, mas recorda que a ela estão aliadas outras componentes, como o ambiente do local, o atendimento e o profissionalismo de toda a equipa e dos donos do negócio. A sua cozinha, define-se pela simplicidade na confecção dos alimentos, apostando sempre na qualidade e frescura, sendo que 90 % dos produtos são pescados na costa de Sofala.

O restaurante não tem um menu definido.

Quando se chega ao local, paga-se um valor fixo e não se sabe exactamente o que será servido, apenas que se irá degustar um saboroso conjunto de delícias do mar, onde figuram lagosta, amêijoas, caranguejo, camarão, tudo de bom. Vá com fome, que O Anselmo cuida de si. Aconselhamos que faça reserva, pois este local só funciona por marcação.

Para além do restaurante, o Cabana Frankut oferece também serviços de organização de feiras, casamentos e aniversários, entre outros. Perante a crise pandémica existente, foram várias as medidas tomadas, que passam pela redução do staff, flexibilidade no atendimento e entrega, divulgação dos produtos em plataformas do WhatsApp, entrega ao domicílio e, lamentavelmente, a inevitável redução salarial.

Apesar do sucesso já conquistado, o Cabana Frankut, ou melhor, “O Anselmo”, ainda não se dá por satisfeito, e, apesar de lamentar a falta de apoio financeiro, tem como pretensão para um futuro próximo a abertura de uma sucursal na cidade de Maputo, e, quiçá, em outras regiões do país, algo que a Xonguila aguarda ansiosamente.

“O Anselmo” é considerado um ícone da região e um must da capital da província de Sofala

Fotografia: Celestino Campira Júnior

Palates on the loose

The Cabana Frankut Restaurant, alias “O Anselmo” The Cabana Frankut is located on Rua Carlos Pereira, in the Macúti district (Estoril area), in the city of Beira. In fact, everyone knows it as “O Anselmo”, considered a regional icon and a must-visit in the capital city of Sofala province. However, few people know the story behind this place.

Anselmo Inocêncio, the restaurant´s owner, started out as a primary school teacher in the 1980s, as part of the then famous “Geração 8 de Março” (“March 8th generation”). At one point, he leaves the education sector all together, embracing a career as a clerk in a ships maintenance company which at the time was called RENABE, in the city of Beira. Dissatisfied with his new profession, he terminated that contractual relationship at the end of that decade, and embraced entrepreneurship, with a focus on trading food and beverages. At the time, those were brought in from Zimbabwe and supplied to some individuals and non-profit organizations that were providing aid to Mozambique at the time, and based in the city of Beira. Over time, and seeing the potential of

that line of business, he had the idea of opening a small establishment selling cooked meals and beverages, in early 1992. He started out by exclusively offering primecut meat preparations, with cuts such as T-bones, spareribs, steaks, lamb chops, rump steaks and others.

After over a decade in the business, and realizing the city's beach-oriented tourism potential, he decided to change the menu to seafood in 2005, largely to benefit from the proximity of the sea and cater to tourists who, visiting from different hinterland countries, were looking to delight themselves with the seafood offered by Sofala´s vast coast.

Anselmo never took any professional training or courses in gastronomy; he became a cook out of mere fascination and curiosity. He defines himself as a proactive person, with an immeasurable spirit of continuous learning in his daily life. Such attributes can be seen in the level of perfection and dedication evident in his work. The secret of his success formula is, first and foremost, the ability to identify his market segment, to invest on the quality of the product, and to carry out his work with great dedication and soul. He considers the food offerings to be a crucial element in the restaurant sector, but reminds us that they must go hand-in-hand with other components, such as the atmosphere of the place, the service and the professionalism of the entire team and business owners. This restaurant´s cuisine is defined by simple preparation methods that enhance the quality and freshness of the produce, of which 90% of the seafood are fished off the coast of Sofala.

The restaurant does not have a set menu. When you arrive at the place, you pay a fixed amount and you don't know exactly what you will be served, only that you will enjoy a delectable set of delicacies from the sea, including lobster, clams, crab and shrimp, all of which delicious. Arrive hungry and let “O Anselmo” take care of you. We advise you to make a reservation, as this establishment only works by appointment.

In addition to the restaurant, Cabana Frankut also offers services for organizing fairs, weddings and birthdays, among others. Faced with the current pandemic crisis, several measures were taken, including staff reduction, flexibility in service and delivery, product announcements on WhatsApp platforms, home delivery and, unfortunately, the inevitable reduction in wages.

Despite all the success achieved to date, Cabana Frankut, alias “O Anselmo”, is still not satisfied. Despite regretting the lack of financial support, it intends to open a branch in Maputo city in the near future, and perhaps in other regions of the country, something that Xonguila is eagerly awaiting for.

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Fotografia: Celestino Campira Júnior

Palates on the loose

Fotografia: Celestino Campira Júnior

Anselmo never took any professional training or courses in gastronomy; he became a cook out of mere fascination and curiosity

Diáspora

O que me encantava não era o título em si, mas as oportunidades e capacidades de investigação e de contribuir significativamente na sociedade que um “Doutorado” possui - Simão Zacarias, cientista.

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Fotografia: Cortesia de Simão Zacarias

Diáspora

Diáspora

Fotografia: Cortesia de Simão Zacarias

“Sou duma família humilde, de um dos bairros da Manga, na Beira, e cresci numa família que vivia com menos de 1 ou 2 dólares por dia.

Já vendi petróleo, alface, açúcar e cigarros na rua paraconseguir manter-me na escola” 56 - Agosto/August 2021 • Revista Xonguila © ™ Ed. 39

Diáspora

Os caminhos marítimos de Simão Simão Zacarias, Escócia Escrito por:

Eliana Silva Se ficcionássemos a história de Simão Zacarias, poderíamos dizer que, feito explorador, rumou do porto da Cidade da Beira até às águas geladas da Escócia. Não foi assim, mas quase, já que Simão Zacarias tem conquistado tudo aquilo a que se tem proposto. Vamos conhecer esta história aquática?

S

imão Zacarias é um eterno estudante.

Aos 31 anos de idade, este beirense já correu meio mundo a explorar o universo aquático.

Começou por se licenciar em Biologia Marinha, na Escola Superior de Ciências Marinhas e Costeiras (ESCMC) da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), na Zambézia. E foi só o começo. Explorou a área da aquacultura, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no Brasil, e recentemente tornou-se of icialmente Doutor, ao terminar o Doutoramento em Aquacultura na Universidade de Stirling (UoS), na Escócia.

seu destino. A vida ensinou-o, desde cedo, a trabalhar para alcançar aquilo que ambiciona e nunca esperar por ninguém.

Essa dedicação e empenho não têm sido em vão, já que Simão foi distinguido, no ano passado, com o Prémio Global de Inovação em Aquacultura.

Actualmente, vive na Escócia, mas grande parte do seu trabalho de investigação é feito na América Central (Honduras e Nicarágua) e no Sudeste da Ásia (Tailândia).

Começou a construir os alicerces assim que voltou da Terra de Santa Cruz, em 2015: “Vi um anúncio de projecto de pesquisa de Doutorado na UoS, que precisava de candidatos como eu. Não pensei duas vezes para submeter os documentos necessários – à priori eu sabia que tinha qualif icações para trabalhar nesse projecto de pesquisa. Na primeira semana de Dezembro comunicaram-me que eu tinha sido o candidato seleccionado para a vaga do projecto”, diz-nos, com convicção, o jovem cientista.

Embora hoje o trabalho e a vida de Simão Zacarias sejam um exemplo, nem sempre os capítulos da sua história foram fáceis. Quando questionado sobre o conselho que daria a jovens moçambicanos que gostariam de seguir o caminho da investigação, o cientista é peremptório: “Gostaria de dizer aos jovens e adolescentes que nasceram em famílias humildes que nunca devem desistir dos seus sonhos, mesmo que tudo pareça impossível”. Não sou f ilho de nenhum governante ou gente de classe média ou alta. Sou duma família humilde, de um dos bairros da Manga, na Beira, e cresci numa família que vivia com menos de 1 ou 2 dólares por dia. Já vendi petróleo, alface, açúcar e cigarros na rua para conseguir manter-me na escola. É preciso terem muita paciência e trabalharem duro e de forma inteligente para alcançarem os vossos objectivos. Não se deixem levar pelas emoções da adolescência ou juventude se isso influenciar negativamente os vossos objectivos”, informa e aconselha o investigador.

Zacarias tem sido o senhor do

Na realidade, Simão sempre

“Um dos maiores sonhos que tive foi o de algum dia ser “Doutor” em área que decidisse seguir. O que me encantava não era o título em si, mas as oportunidades e capacidades de investigação e de contribuir signif icativamente na sociedade que um “Doutorado” possui”, af irma Simão.

teve gosto pela ciência. Primeiro, por Medicina, e, depois, por Biologia Marinha. Foi em Florianópolis que aprofundou os seus conhecimentos de aquacultura, onde aperfeiçoou as suas habilidades de investigação e aprendeu a produção do camarão, temática em que procura melhorar práticas.

“Isso envolve fazer investigação aplicada juntamente com os produtores, e trabalhos colaborativos com diferentes parceiros. Também envolve viajar de um continente para outro (da Europa para a Ásia e a América) e fazer análises em laboratórios da Universidade”, explica o investigador.

Engane-se quem achar que a vida de um cientista é aborrecida. De acordo com Simão Zacarias, ser cientista signif ica trazer novos conhecimentos científ icos e inovações que contribuem para o desenvolvimento do sector. Isso inclui aprender constantemente novas formas de buscar o conhecimento e manter-se actualizado quanto ao desenvolvimento e desaf ios do sector.

Embora viva a um oceano de distância, Simão mantém o olhar crítico sobre o que se passa no seu país: “Creio que, primeiro, se deve criar ou melhorar a cultura científ ica no povo e entender que a ciência é uma das principais bases para o desenvolvimento de um país”, partilha. É com o olhar nesse desenvolvimento que o beirense que aqui apresentamos mantém a vontade de criar um centro de investigação de referência no domínio da aquacultura, em Moçambique.

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Diáspora

The Seafaring Ways of Simão Zacarias Simão Zacarias, Scotland Written by:

Eliana Silva If we were to f ictionalize the story of Simão Zacarias, we could say that, just like an explorer, he headed out f rom the port city of Beira to the f rozen waters of Scotland. In reality, it wasn't quite like that, but close enough, since Simão Zacarias has conquered everything he has set out to do. Shall we get to know this aquatic story?

S

imão Zacarias is an eternal student. At 31 years of age, this native of Beira has already travelled halfway around the world exploring the aquatic universe.

He started out by obtaining a degree in Marine Biology at the School of Higher Studies in Marine and Coastal Sciences (ESCMC) of the Eduardo Mondlane University (UEM), in Zambézia – and that was just the beginning. He explored the f ield of aquaculture at the Federal University of Santa Catarina (UFSC), in Brazil, and recently became a Doctor after f inishing his PhD in Aquaculture at the University of Stirling (UoS), in Scotland.

“One of the biggest dreams I had was to someday become a Doctor in whatever professional f ield I decided to pursue. What

fascinated me was not the title itself, but what it represents – the fact that a Doctor has the research capabilities and opportunities for making a significant contribution to society”, says Simão.

He started building the foundations for this dream as soon as he returned f rom Terra de Santa Cruz, in 2015: “I saw a vacancy post for a PhD research project at UoS, which needed candidates like me. I didn't think twice about submitting the necessary documents – I knew, a priori, that I was qualif ied to work on this research project. During the f irst week of December, they told me that I had been the chosen candidate to f ill the project's vacancy”, the young scientist tells us with conviction.

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Zacarias has been the master of his destiny. Life taught him, f rom an early age, to work in order to achieve what he wants, and never wait for anyone.

This dedication and commitment have not been in vain, as Simão was distinguished last year with the Global Award for Innovation in Aquaculture. He currently lives in Scotland, but much of his research work is done in Central America (Honduras and Nicaragua) and Southeast Asia (Thailand).

If today the life and work of Simão Zacarias are an exam-

Diáspora

where he honed his research skills and learnt about shrimp production, a f ield in which he seeks to improve practices.

“I believe that, first and foremost, we must create or broaden scientific culture among the people, so that science is understood as one of the main foundations for the development of a country”

In reality, Simão always had a liking for science. First for Medicine, and then for Marine Biology. It was in Florianópolis (Brazil) that he deepened his knowledge of aquaculture,

“This involves doing applied research together with the producers and working collaboratively with different partners. It also involves traveling f rom one continent to another (f rom Eu-

rope to Asia and America) and carrying out tests in the University's laboratories”, explains the researcher.

Anyone who thinks that the life of a scientist is boring would be wrong. According to Simão Zacarias, being a scientist means bringing in new scientif ic knowledge and innovations that contribute to the development of the sector. This includes constantly learning new ways to gain knowledge and keeping up to date with developments and challenges in the sector.

Although living an ocean away, Simão keeps a critical eye on what is happening in his home country: “I believe that, f irst and foremost, we must create or broaden scientif ic culture among the people, so that science is understood as one of the main foundations for the development of a country”, he shares. It is with that objective in mind that this Beira native nurtures the wish to create, in the future, a research centre that will be a reference in the f ield of aquaculture in Mozambique.

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Fotografia: Cortesia de Simão Zacarias

ple, the particular chapters of his story were not always easy.

When asked if he had any advice for young Mozambicans who wish to follow the path of a researcher, the scientist is peremptory: “I would like to tell young people and teenagers who were born into humble families that they should never give up on their dreams, even if everything seems impossible. I am not the son of people in the Government or even middle or upper class people. I come f rom a humble family, f rom one of the Manga neighbourhoods in Beira, and I grew up in a family that lived on less than $1 or $2 a day. I've sold oil, lettuce, sugar and cigarettes on the streets to keep myself in school. It takes a lot of patience, hard work, and strategic thinking to reach your goals. Don't get carried away by the emotions of adolescence or youth, if that is going to negatively impacts your goals”, counsels the researcher.

Fotografia: Joshua Kraus

Marketing e tendências no turismo como ferramentas para o sucesso Escrito por:

Neyde Cuna

O turismo é uma potência, e pode ser uma grande força económica, principalmente para os países em desenvolvimento. Antigamente, era uma actividade somente para as classes mais privilegiadas; nos tempos actuais, qualquer pessoa, de qualquer classe, pode ter esse privilégio.

A oferta é muita, e o consumidor, com imensas opções de escolha, acabou por se tornar muito exigente, o que faz com que seja fundamental adicionar valor ao produto ou serviço para cativar a atenção do turista, o chamado marketing.

Tanto os destinos como as empresas não sobrevivem sem marketing, sem um plano bem elaborado, que exige uma análise profunda, seja da empresa seja do mercado e do consumidor. Um plano escrito, muito detalhado, desenvolvido com qualidade e factos concretos, longe de tudo

o que é abstracto. Um plano que tenha em consideração o estudo da demanda, a exigência do consumidor em relação à qualidade, o preço, o custo de produção, publicidade, receitas, lucro esperado. Um plano com objectivos a curto, médio e longo prazo, com estratégias para conquistar e reter clientes, expandir para novos mercados e combater as variações sazonais, característica típica dos negócios turísticos. É com esse plano que se espera alcançar o sucesso comercial, que implica obterem-se resultados máximos com custos mínimos.

TURISMO

Obviamente, um plano de marketing que funciona para um negócio não é garantia de que vá funcionar para outro, mesmo sendo da mesma indústria. É importante adaptá-lo e revê-lo com f requência. Ter um plano, bom, já é, por si só, meio caminho andado em direcção ao sucesso.

Dele depende a longevidade de qualquer negócio. Uma referência quando se fala de exemplos de plano de marketing turístico bem sucedido em Áf rica é a Áf rica do Sul, sendo a popularidade dos seus destinos e a receita arrecadada um dos factores de medição do sucesso.

No caso de Moçambique, caminhamos para lá, e o importante é estar em movimento. No entanto, antes de qualquer coisa, de qualquer plano, é fundamental conhecerem-se as tendências, saber-se em que sentido evolui e para onde se direcciona o turismo, o que nos espera pela f rente.

Só a partir daí é possível agir. É importante para os destinos, para os empreendedores, ou para os que pretendem empreender, que tenham consciência das inúmeras oportunidades de expansão e empreendedorismo que apresenta. A covid-19 trouxe novas tendências para este sector, e podem esperar-se algumas mudanças nos próximos tempos:

A vacina contra a Covid-19 traz uma nova esperança, mas não vai resolver tudo a curto prazo. É importante que se tenha visão para distinguir as melhores oportunidades, sabedoria para tomar decisões certas e muita resiliência para os momentos desaf iadores. Eu acredito muito e aposto sempre no empreendedorismo neste sector.

64 - Agosto/August 2021 • Revista Xonguila © ™ Ed. 39

Fotografia: John Schnobrich

• Maior número de viagens de lazer em relação às viagens de negócios, que se prevê voltarem ao normal só a partir de 2024, pois as empresas continuam muito receosas em incentivar seus funcionários a viajar, optando por eventos virtuais.

• Mais destaque para as viagens de luxo, dado que os viajantes deste segmento estão dispostos a pagar mais por serviços privados e experiências exclusivas, em locais isolados.

•Reforço dos procedimentos de segurança sanitária, assim como de tecnologias que tornam a viagem mais segura, como o check-in e check-out online.

• Expansão da digitalização. As tecnologias mais avançadas serão o principal aliado das empresas e destinos turísticos, onde o uso de soluções tecnológicas de ponta, tais como big data, inteligência artif icial, internet, robótica, realidade virtual e aumentada, rumo à transformação digital do turismo, serão factores chaves para incentivar a actividade turística, conectar as pessoas e promover a diferenciação e competitividade no mercado.

• Preferência por destinos mais próximos de casa e viagens curtas, que darão a percepção de segurança.

• Aumento de viagens com interesse na natureza, mais sustentáveis e conscientes.

TURISMO

Tanto os destinos como as empresas não sobrevivem sem marketing, sem um plano bem elaborado, que exige uma análise profunda, seja da empresa seja do mercado e do consumidor

Revista Xonguila © ™ Ed. 39 • Agosto/August 2021 - 65

TURISMO

Fotografia: Bert Brrr

É importante que se tenha visão para distinguir as melhores oportunidades, sabedoria para tomar decisões certas e muita resiliência para os momentos desafiadores.

66 - Agosto/August 2021 • Revista Xonguila © ™ Ed. 39

TURISMO

Marketing

and trends in tourism sector as tools for success Written by:

Neyde Cuna Tourism is a powerful sector, and it can be a major economic force, especially for developing countries. In a distant past, it was an activity reserved solely for the more privileged classes; nowadays, however, anyone of any class can have this privilege.

T

here are plenty of offerings available and the consumer, having lots to choose from, has become very demanding. This makes it essential to add value to the product or service so as to attract the tourist's attention – what we term marketing. Destinations and companies alike cannot survive without marketing, without a well-prepared marketing plan based on an in-depth analysis of the company, the market and the consumer. A plan which must be in writing and very detailed, developed with quality and concrete data, far from anything abstract. A plan that takes into account the study of the demand and supply, consumer requirements in relation to quality, price, production cost, advertising, revenue and expected profit. A plan with short, medium and long term objectives, with strategies to gain and retain customers, expand into new markets and prevent seasonal variations, such as with business tourism. Armed with such a plan, companies can expect to achieve commercial success, which implies obtaining maximum results with minimum costs.

Evidently, a marketing plan that works for one business is not guaranteed to work for another, even if both are in the same industry. It is also important to adapt and review it frequently. Having a plan – well, that is, on its own, halfway to success. The longevity of any business depends on it. South Africa is an African reference that exemplifies the successful implementation of a tourism marketing plan, as attested by the popularity of its destinations and the annual revenue collected, both considered key success indicators in the sector.

In the case of Mozambique, we are heading that way too, and the important thing is to be constantly evolving and improving. However, and before anything else or any plan, it is essential to know the trends, to know in which direction tourism is heading, and what is to be

expected up ahead. It is only from that vantage point that any action is possible. It is important for destinations and entrepreneurs alike , to be aware of the numerous opportunities for expansion and entrepreneurship that the future presents. Covid-19 has brought new trends to this sector, and some changes can be expected in the near future: • Greater number of leisure trips compared to business trips, which are expected to return to normal only from 2024 onwards, as companies remain very wary of encouraging their employees to travel, opting for virtual events.

• Higher focus on luxury travel, as travellers in this segment are willing to pay more for private services and exclusive experiences in isolated locations.

• Doubling down on health and safety procedures, as well as technologies that make travel safer, such as online check-in and check-out.

• Increased digitalization. The most advanced technologies will be the main ally of companies and tourist destinations, where the use of cutting-edge technological solutions, such as big data, artificial intelligence, internet, robotics, virtual and augmented reality, towards the digital transformation of tourism, will be key factors to encourage tourism, connect people and promote differentiation and competitiveness in the market.

• Preference for destinations closer to home and shorter trips, which will create the perception of safety.

• Greater number of trips based on an interest in nature, more sustainable and aware.

The Covid-19 vaccine brings new hope, but it won't solve everything in the short term. It is important to have a vision in order to identify the best opportunities, wisdom to make the right decisions and a lot of resilience for challenging times. I am a firm believer and strong supporter of entrepreneurship in this sector.

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Revista Xonguila © ™ Ed. 39 • Agosto/August 2021 - 67

Escrito por:

Jaime Álvaro Reza a história que a primeira música de Hip Hop a ser gravada no nosso solo pátrio terá sido do músico zambeziano Eduardo Carimo, cujo título, “Temos que ir à escola”, nos remete para um dos (nove) elementos do Hip Hop, o “Conhecimento”, que hoje em dia é pouco explorado para influenciar decisões e mudanças sociais profundas de forma generalizada. O que aconteceu para que o Hip Hop deixasse de ter essa poderosa expressão? Já lá vamos.

O

Hip Hop é definido como um movimento cultural surgido no Bronx, gueto nova-iorquino, na década de 1970. A sua sonoridade carrega influências de diversos estilos musicais, na sua maioria de origem negra, como o blues, o funk ou o reggae. Considera-se seu pai o Disc Jokey (DJ) Clive Campbell, mais conhecido por Kool Herc. Outro nome importante na cena do Hip Hop é Afrika Bambataa, também DJ, que em 1974 criou uma organização não-governamental chamada Zulu Nation, que teve um papel crucial no desenvolvimento daquela que é considerada “a arte de rua” como um veículo de intervenção social.

Fotografia: Mariano Silva

Em Moçambique, o provável timoneiro do género musical Hip Hop não era um rapper nem um MC, cujas diferenças estão mais adiante. Eduardo Carimo era um multi-instrumentista zambeziano, da música ligeira moçambicana, que simplesmente queria transmitir aos jovens uma mensagem positiva. Para tal, usou uma linguagem que os jovens pudessem perceber facilmente, o RAP (Ritmo, Arte e Poesia), género que influenciou o estilo de vida de muitos jovens nos finais da década de 80.

68 - Agosto/August 2021 • Revista Xonguila © ™ Ed. 39

Por essa via, “ele acabou sendo um pioneiro, no sentido de que foi o primeiro a gravar oficialmente num estúdio com uma qualidade boa, que é o estúdio da Rádio Moçambique, uma música que mais tarde se acabou designando RAP”, afirma o investigador moçambicano Emídio Cossa, autor do livro “Ritmo, Alma e Poesia: A História e as Estórias do Hip Hop em Moçambique”.

A obra, de 239 páginas, descreve o percurso do Hip Hop moçambicano, aliás, feito em Moçambique, como o autor esclarece, desde os seus primórdios até aos dias da data de publicação (2019).

“Se quisermos falar do Hip Hop moçambicano, tal significa que estaríamos a falar de um Hip Hop com características identitárias de Moçambique. O Hip Hop moçambicano ainda está a tentar se encontrar, ou seja, ainda tem características muito típicas do Hip Hop feito no seu local de origem, que é os Estados Unidos. Portanto, temos um Hip Hop feito em Moçambique, mas ainda não temos um Hip Hop moçambicano, no sentido de nos identificar”, sublinha o pesquisador, que entrevistou mais de cinquenta intervenientes da cultura Hip Hop no país, entre rappers, Mc’s, produtores, bailarinos, produtores de espectáculos, Djs, grafiteiros e jornalistas.

Existem muitos grupos que estão a construir música no sentido identitário, mas ainda são poucos para se falar de Hip Hop tipicamente moçambicano

Revista Xonguila © ™ Ed. 39 • Agosto/August 2021 - 69

Fotografia: Mariano Silva

HIP HOP

70 - Agosto/August 2021 • Revista Xonguila © ™ Ed. 39

HIP HOP

Entretanto, o fundador da Associação Siderurgia – Núcleo de Hip Hop reconhece existirem, no país, alguns artistas e grupos que procuram autenticidade nas suas obras artísticas, através da valorização da cultura local. “Existem muitos grupos que estão a construir música nesse sentido (identitário). Músicos que usam instrumentos típicos moçambicanos e músicos que usam as línguas nacionais para se expressarem, músicos que também misturam as coisas, tanto ritmo quanto a poesia que fazem, é característica nossa, como é o caso do Xitiku Ni Mbawula, Timbone ta Jah, Big L, Homoplata, Thayman Wakopenga na Ndzero, Infernal Família, assim por diante. Mas ainda são poucos para se falar de Hip Hop tipicamente moçambicano.”

Influências da globalização no Hip Hop moçambicano Ao contrário desta corrente, que procura uma identidade original, há também rappers da nova geração cuja tendência, mais do que parecer, é ser cada vez mais estrangeiro (entenda-se americano) no estilo de música que fazem, em conteúdo e até na forma de ser e estar. É chamado Hip Hop de exibicionismo, Hip de Hop ostentação, que tanto atrai quanto faz divergir muitas opiniões.

DJ Sydney, fundador da GM Records, editora de Hip Hop, apoia os fazedores desse tipo de música e argumenta. “Eu, pessoalmente, apoio muito a Nova Escola. Fui uma das pessoas que lançou o álbum de Bander, Trap Boys, o Shabba. Se calhar é o momento de nós olharmos para os rappers da nova escola e apoiá-los naquilo que fazem. É preciso respeitar e apoiar o que eles estão a fazer. Nós gostamos de apontar o dedo ao produto local, mas somos os primeiros a consumir muito “lixo” importado, alegadamente por não entender o teor das músicas”, retorquiu.

A Revista Xonguila conversou também com Rei Bravo, um novo fenómeno do Rap interventivo nacional, natural de Lichinga, província nortenha do país. Bravo, que começou a sua carreira na música em 2006, influenciado por Azagaia, Dama do Bling e Young Lobengula e SSP, defende a liberdade de criação: “Eu olho para o Rap feito pela minha geração como uma cultura aberta. Abandonamos muito as raízes, mas já não temos controlo disso. Hoje cada um tem a liberdade de fazer o estilo de Rap que lhe convier fazer. Eu escolhi o de intervenção social.

A internet democratizou o mundo. Graças a ela temos a liberdade de apresentar os nossos trabalhos na hora que quisermos, com a possibilidade de alcançar grandes e diferentes audiências pelo mundo. Seria muito dif ícil se ainda dependêssemos apenas das rádios e TVs”, assim critica o jovem rapper o monopólio de oportunidades que se verif ica nos media tradicionais.

O empresário musical DJ Sydney defende que é preciso pautar pela quantidade para depois

pensar na qualidade. E a Nova Geração de Rap, muitas vezes criticada pela falta de mensagem construtiva em suas músicas, tem sabido interpretar a tese. “Nós, como GM Records, sempre olhamos para a quantidade como um passo para se chegar a qualidade. Eu sempre defendi essa questão. Se tu tiveres muita quantidade, a qualidade será automática. Muita gente, no início, criticou muito a produção de CDs vulgo maquetes duplicados, mas é importante perceber que nós não criámos a GM Records para perder dinheiro, porque nós podemos produzir CDs na Áf rica do Sul, mas a questão é: quem nos garante que esses CDs vão ser vendidos?”

Desde a sua fundação, em 2017, a GM Records já editou 61 álbuns de Hip Hop nacional. “A ideia da GM Record surge para responder à necessidade de edição e reprodução de CDs e assim contribuir para o desenvolvimento do Hip Hop nacional. Infelizmente, ainda não editámos nenhum álbum de uma female rapper, devido às dif iculdades de negociação que enf rentamos com os managers de tais rappers, que muitas vezes não facilitam, não compreendem a nossa forma de trabalhar. A maior dif iculdade é fazer perceber, primeiro, aos fazedores do Rap, e à sociedade em geral, que fazer música é negócio”.

Um dos mais recentes álbuns a ser editado pela discográf ica foi de Danilo Malele, conhecido por Kloro, no panorama musical. O álbum de estreia deste rapper, ex-integrante do extinto grupo de Hip Hop Trio Fam, chama-se “Revolução Cultural” e tem 12 faixas. A direcção de produção esteve a cargo do renomado produtor Ellputo.

Por que razão o Hip Hop é cada vez mais usado para ostentar em vez de educar?

O que aconteceu, ao longo dos anos, para que o Hip Hop perdesse a sua principal característica, de questionar, criticar, reivindicar e educar?

Hélder Leonel, apresentador do Clássico Hip Hop Time há exactamente 25 anos, da Rádio Cidade, na RM, tem uma resposta. “A falta de visão crítica e o declínio de valores morais que caracterizam o mundo. Actualmente a música Rap também é levada nessa direcção. De facto, há estudos que revelam que o Rap que debate política, governação e tem abordagem de participação democrática diminuiu nos últimos dez anos. Para mim, isso é acompanhado pela dif iculdade que o jornalismo, a massa crítica e a sociedade civil têm de intervir nesse sentido”, continuou. “Há muitos bons, que estão a representar-nos muito bem. Azagaia, Kloro, Allan, Teknik, Duas Caras, Xitiku Ni Mbawula, K Real, Gee Fly, Iveth, Jazz P, Filady, Someblood, Ngoma e Poesia, Konfuzo, Y Not, Killa Loya, Stupa Serious, Nino Fella, 4 Ases. Mas as influências estrangeiras fazem-nos também produzir músicas medíocres, e o povo não tem capacidade de interpelação, não consome com olhar crítico, simplesmente aceita o que os media lhe fornecem ou impõem. É o sistema, como está organizado”, aditou. O radialista, também Revista Xonguila © ™ Ed. 39 • Agosto/August 2021 - 71

HIP HOP

MC, um dos maiores precursores da cultura Hip Hop em Moçambique, é duro nas suas críticas. “Há muita música (não só RAP) que atingiu uma qualidade universal. Os beats, a performance e conteúdos, em termos de letra, estão num outro nível, mas também temos pessoas que não deviam fazer música. O Hip Hop music é uma ferramenta de educação, cidadania, entretenimento, etc.

Mas se nós nos basearmos nos princípios da cultura Hip Hop, de acordo com os seus fundadores, uma coisa é ser rapper, outra é ser MC. O rapper é apenas alguém que faz rap e não está comprometido com a cultura, apenas gosta de repar/cantar, pode gravar e até “prostituir” a música. O MC tem responsabilidades para com o público, com as massas, ele se compromete com uma abordagem crítica, educativa, intervém de forma socialmente responsável na formação e influência sobre a sociedade”, esclarece o radialista.

“Há um crescente ‘adormecimento’ da consciência social para com aquilo que importa realmente. Os hábitos culturais tendem cada vez mais a ir para aspectos de aparência e promoção de futilidade. Na procura desenf reada de números, a arte está a ser extremamente banalizada”, acrescenta o rapper Kloro.

Desaf ios que se colocam ao Hip Hop moçambicano A prof issionalização e a industrialização são desaf ios que se colocam ao Hip Hop em Moçambique, tendo os principais intervenientes de fazer igualmente face às consequências da pandemia do novo coronavírus, que colocou muitas economias em recessão.

No entanto, os disseminadores desta arte estão optimistas quanto ao futuro. “Olhar para como esta cultura foi sempre marginalizada, mas mesmo assim cresceu para cultura de grande influência no universo actualmente mostra a sua capacidade de resiliência. Localmente, os fazedores de Hip Hop foram obrigados a desenvolver outras formas de sobrevivência e também a resgatar algumas formas antigas que sempre foram negligenciadas como venda de produtos relacionados com cultura. Por outras palavras, voltaremos mais fortes”, diz Kloro, ansioso por um retorno à normalidade.

“Talento e conhecimento são necessários porque o nosso mercado, estando inserido num contexto também agressivo, que é o capitalismo, é actualmente agressivo. É preciso que se dominem as manobras de gestão artística num contexto de sociedade de informação”. Assim propõe Hélder Leonel a reinvenção dos artistas fazedores do Hip Hop, de modo a reduzirem-se os impactos negativos da Covid-19 nas suas carreiras.

72 - Agosto/August 2021 • Revista Xonguila © ™ Ed. 39

HIP HOP

Revista Xonguila © ™ Ed. 39 • Agosto/August 2021 - 73

Written by:

Jaime Álvaro The story goes that the first Hip-Hop song recorded on our homeland was by Zambezian musician Eduardo Carimo, titled “Temos que ir à escola” (“We must go to school”). This title takes us back to one of the (nine) elements of Hip Hop, “Knowledge”, which is little explored nowadays as a tool to generally influence decision-making and profound social change. What made Hip-Hop no longer have this powerful expression? We´ll get there.

H

ip Hop is defined as a cultural movement that emerged in the Bronx, a New York ghetto, in the 1970s. The Hip Hop sound carries influences from various musical styles, mostly of black origin, such as the blues, funk or reggae. Disc Jockey (DJ) Clive Campbell, better known as Kool Herc, is generally regarded to be the father of the genre. Another big name in the Hip Hop scene is Afrika Bambataa, also a DJ, who created a non-governmental organization called Zulu Nation in 1974, which played a crucial role in developing what is considered “street art” as a vehicle for social intervention.

In Mozambique, the likely pioneer of the Hip Hop musical genre was neither a rapper nor an MC, whose differences are explained further along. Eduardo Carimo was a Zambezian multi-instrumentalist from the Mozambican pop music world, who simply wanted to convey a positive message to young people. To this end, he used a language that young people could easily understand, RAP (Rhythm, Art and Poetry), a genre that influenced the lifestyle of many young people in the late 1980s.

In that way, "he ended up being a pio-

74 - Agosto/August 2021 • Revista Xonguila © ™ Ed. 39

neer, in the sense that he was the first to formally record in a studio with good quality, the Rádio Moçambique studio, a song that would later be considered RAP", says the Mozambican researcher Emídio Cossa, author of the book “Ritmo, Alma e Poesia: A História e as Estórias do Hip Hop em Moçambique” (“Rhythm, Soul and Poetry: The History and Stories of Hip Hop in Mozambique”). The book, at 239 pages long, describes the trajectory of Mozambican Hip Hop, or rather, Hip Hop made in Mozambique, as the author clarifies, f rom its origins through to the book´s publication (2019).

“If we want to refer to it as Mozambican Hip Hop, this means that we would be talking about a Hip Hop with Mozambique's identity markers. Mozambican Hip Hop is still trying to find itself, that is, it still has very typical characteristics of Hip Hop made in its place of origin, the United States. Therefore, we have Hip Hop made in Mozambique, but we still don't have a Mozambican Hip Hop, in the sense of being distinctly ours”, stresses the researcher, who interviewed more than fifty practitioners of Hip Hop culture in the country, including rappers, MC's, producers, dancers, show producers, DJs, graffiti artists and journalists.

Fotografia: Mariano Silva

HIP HOP

“There are studies that reveal that Rap that debates politics, governance and has a democratic participation approach has decreased in the last ten years.

For me, this is accompanied by the challenges that journalism, the critical mass and civil society have when trying to intervene in this regard” - Hélder Leonel

76 - Agosto/August 2021 • Revista Xonguila © ™ Ed. 39

HIP HOP

However, the founder of Associação Siderurgia – Núcleo de Hip Hop recognizes that there are, in the country, some artists and groups that seek authenticity in their artistic works, through an appreciation of local culture. “There are many groups that are building music in this (identity-seeking) sense. Musicians who use typical Mozambican instruments and musicians who use national languages to express themselves; musicians who also mix things, both rhythm and poetry, is our characteristic, as is the case of Xitiku Ni Mbawula, Timbone ta Jah, Big L, Homoplata, Thayman Wakopenga na Ndzero, Infernal Família, and so on. But they are still few [and not enough] to talk of a typically Mozambican Hip Hop.” The impact of globalization on Mozambican Hip Hop Unlike this musical current which seeks an original identity, there are also new generation rappers whose tendency is not only to appear but also be increasingly foreign (by which I mean American) in the style of music they make, in the content and even in the way they are and socialize. It's called exhibitionism Hip Hop, ostentation Hip Hop, which both attracts and polarizes many opinions.

Fotografia: Mariano Silva

DJ Sydney, founder of Hip Hop label GM Records, supports this type of music, stating: “I personally support Nova Escola (“The New School”) a lot. I was one of the people who released Bander's Trap Boys, o Shabba album. Maybe it's time for us to look at the new school rappers and support them in what they do. You have to respect and support what they are doing. We like to point the finger at the local product, but we are the first to consume a lot of imported “trash”, allegedly because we don't understand the content of the songs”, he retorted.

Xonguila Magazine also spoke with Rei Bravo, a new phenomenon of national interventional Rap, born in Lichinga, a northern province of the country. Bravo, who started his music career in 2006, influenced by Azagaia, Dama do Bling and Young Lobengula and SSP, defends the freedom of creation: “I look at Rap made by my generation as an open culture.

We abandon the roots a lot, but we are no longer in control of it. Today everyone has the freedom to do the style of Rap that suits them. I chose the social intervention [style].

The internet democratized the world. Thanks to it, we have the freedom to present our works whenever we want, with the possibility of reaching large and different audiences around the world. It would be very difficult if we still depended only on radios and TVs”, states the young rapper, also criticizing the monopoly of opportunities that exists within traditional media.

Musical entrepreneur and manager DJ Sydney argues that one needs to look at quantity first to then think about quality.

And the Nova Geração de Rap (“New Rap Generation”), often criticized for the lack of constructive messages in their songs, has known how to interpret the thesis. “We, as GM Records, have always looked at quantity as a step towards quality. I have always defended this issue. If you have a lot – quantity wise, the quality will be automatic. A lot of people, at the beginning, criticized the production of CDs aka duplicate mockups, but it´s important to realize that we didn't create GM Records to lose money, because we can produce CDs in South Africa, but the question is: who guarantees us that those CDs are going to be sold?”

Since its founding in 2017, GM Records has produced and published 61 national Hip Hop albums. “The idea to create GM Records came as a response to the need to produce and reproduce CDs and thus contribute to the development of national Hip Hop. Unfortunately, we haven't produced any female rapper albums yet, due to the negotiation challenges we face with the managers of such rappers, who often don't make it easy; they don't understand our way of working. The biggest challenge we face is to make Rap creators and society at large realize that, above all, making music is a business”.

One of the most recent albums produced by the record label was by Danilo Malele, known as Kloro in the local music scene.

A former member of the now extinct Hip Hop Trio Fam group, the rapper´s debut album is titled “Revolução Cultural” (“Cultural Revolution”) and has 12 tracks. The head of production was the renowned producer Ellputo.

Why is Hip Hop increasingly used for exhibitionism rather than to educate?

What happened, over the years, that made Hip Hop lose its main characteristics of questioning, criticizing, reclaiming and educating? Hélder Leonel, radio presenter of the Clássico Hip Hop Time for exactly 25 years at RM Rádio Cidade, has an answer. “[It´s] The lack of critical vision and the decline of moral values that characterize the world [today]. Currently, Rap music is also taken in that direction. In fact, there are studies that reveal that Rap that debates politics, governance and has a democratic participation approach has decreased in the last ten years. For me, this is accompanied by the challenges that journalism, the critical mass and civil society have when trying to intervene in this regard”, he continued. “There are many good ones, who are representing us very well.

Revista Xonguila © ™ Ed. 39 • Agosto/August 2021 - 77

HIP HOP

Azagaia, Kloro, Allan, Teknik, Duas Caras, Xitiku Ni Mbawula, K Real, Gee Fly, Iveth, Jazz P, Filady, Someblood, Ngoma e Poesia, Konfuzo, Y Not, Killa Loya, Stupa Serious, Nino Fella, 4 Ases. But foreign influences also make us produce mediocre music, and the people do not have the capacity for questioning, they do not consume with a critical eye, they simply accept what the media provide or impose on them. It´s the system, how it´s organized”, he added.

The broadcaster, himself an MC and one of the greatest precursors of Hip Hop culture in Mozambique, is harsh in his criticism. “There is a lot of music (not just RAP) that has achieved universal quality. The beats, performance, and content, in terms of lyrics, are on another level, but we also have people who shouldn't be making music. Hip Hop music is a tool for education, citizenship, entertainment, etc. But if we base ourselves on the principles of Hip Hop culture, according to its founders, it's one thing to be a rapper, it's another to be an MC. A rapper is just someone who raps and is not committed to the culture, just likes to rap/sing, can record and even “prostitute” music. The MC has responsibilities towards the public, towards the masses; he is committed to a critical, educational approach, intervenes in a socially responsible way in the formation and influence on society”, explains the radio host.

“There is a growing 'numbness' regarding social awareness towards what really matters. Cultural habits tend more and more to go into aspects of appearance and promoting futility. In the unbridled search for numbers, art is being extremely trivialized”, adds rapper Kloro.

Challenges for Mozambican Hip Hop Professionalization and industrialization are challenges for Hip Hop in Mozambique, with the main players also having to face the consequences of the new coronavirus pandemic, which has put many economies into recession. However, the disseminators of this art are optimistic about the future. “Looking at how this culture has always been marginalized, but nevertheless grew into a culture of great influence in the universe today, shows its resilience. Locally, Hip Hop creators were forced to develop other means of survival and also to rescue some old ways that were always neglected, such as selling culture-related products. In other words, we will come back stronger”, says Kloro, anxious for a return to normality.

“Talent and knowledge are necessary because our market is currently aggressive, since it’s placed within an equally aggressive context, which is capitalism. It´s necessary to master the skills required for artistic management in the context of an information society”. This is how Hélder Leonel proposes the reinvention of Hip Hop artists, in order to reduce the negative impacts of Covid-19 on their careers.

“Looking at how this culture has always been marginalized, but nevertheless grew into a culture of great influence in the universe today, shows its resilience.”

- Kloro 78 - Agosto/August 2021 • Revista Xonguila © ™ Ed. 39

Revista Xonguila © ™ Ed. 39 • Agosto/August 2021 - 79

Fotografia: Mariano Silva

HIP HOP

Sorte?! Não há fotografias fáceis, nem tão pouco de sorte.

A estória desta fotografia conta-se em 4 momentos, o primeiro dos quais numa viagem à Ponta do Ouro para fotografar uma pessoa, que, no regresso, me permitiu ver este cenário. Tento parar, mas não consigo logo ali, e perco o momento. Quando finalmente consigo parar no local, admiro-o e marco-o com exactidão, prometendo a mim mesmo lá voltar, para fazer esta fotografia.

Regresso 2 vezes... Em nenhuma delas consigo o que ali já tinha visto. Só à terceira é que consigo: o sol no capim, aquelas poucas nuvens e as árvores ao fundo completaram-se e fizeram este momento.

Agradeço à natureza a beleza deste momento, à minha família agradeço a paciência, e a mim mesmo agradeço a resiliência de nunca deixar de procurar o momento que imaginei.

Sim, a sorte dá imenso trabalho!

Miguel Peral

What luck?! There are no easy photographs, nor are they by chance.

The story of this photograph can be told in 4 moments. The first was on a trip to Ponta do Ouro to photograph someone, which afforded me the opportunity to witness this scene on the way back.

Picture that moment: I try to stop, but can't quite do it right there and then, and so end up missing the moment. When I finally manage to stop, I admire the scene and accurately note down the location, promising myself to return there to take this photograph.

I then return twice... But I can´t seem to get, in neither of these trips, what I had seen there in that first moment. I only succeeded at the third attempt: the sun on the grass, those few clouds and the trees in the background completed each other and made this moment.

I'm grateful to nature for the beauty of this moment, I'm grateful to my family for their patience, and I'm grateful to myself for the resilience to never stop looking for the moment I had imagined.

Yes, luck takes a lot of work!

Miguel Peral

Perdido no esquecimento Deixado de parte e ignorado por quem passa na ponte sobre o Rio Incomati, o antigo batelão que outrora fazia a travessia entre Marracuene e a Macaneta jaz esquecido da vista e da memória recente dos que nele viam a lentidão e avarias frequentes como única alternativa para cruzar aquelas águas em “relativa segurança”.

O tempo é impiedoso, assim como a natureza. Aos poucos, vão reclamando, sem dó nem piedade, a alma desta pequena embarcação, desfazendo-a em pedaços que se perdem nas águas e no esquecimento. O progresso tem o seu preço, e ao batelão foi cobrada a taxa máxima. Pergunto-me que histórias foram contadas nas infinitas travessias que realizou, pergunto-me que será feito da sua tripulação, pergunto-me, enfim, se irá morrer ali, esquecido e abandonado por todos, quando já foi rei naquele braço de rio.

Mariano Silva

Lost and forgotten Side-lined and ignored by those passing through on the bridge over the Incomati River, the old ferry boat that once made the crossing between Marracuene and Macaneta lies out of sight and recent memory of those who, not so long ago, relied on it as the only “relatively safe” alternative to crossing those waters, despite its slowness and frequent breakdowns.

Time is merciless, as is nature. Little by little, they are claiming, without pity, the soul of this small vessel, breaking it into pieces which will be gradually lost to the waters and, ultimately, oblivion. Progress has its price, and the barge was charged the maximum fee. I wonder what stories were told onboard during the countless crossings. I wonder what will happen to its crew. I wonder, at last, if it will die there, forgotten and abandoned by all, once king over that branch of the river.

Mariano Silva

UM PRESENTE ESPECIAL Lili, Minhoca e Zé Gordo, também conhecidos como “os Pestinhas”, decidem fazer uma surpresa à amiga Rosita, enfeitando a escola que ela f requenta para o jantar de Natal anual do bairro.

Não contavam, contudo, que teriam que lidar com Fedinho, um menino ciumento e invejoso disposto a estragar a festa. Esta curta de animação esteve em exibição no Festival de Cannes do corrente ano, na secção Jovens Talentos Af ricanos, lançada em 2019.

Diz-nos Nildo Essá, o realizador, arquitecto autodidacta na sétima arte, com experiência comprovada em cinema de animação: “Ao longo dos anos, depois de consumir muito material de fora e sendo apaixonados por bonecos em geral, sentimos a necessidade de ver algo local, af ricano, e que permitisse às pessoas que se identif icassem com o que vêem na tela. Até então não havia personagens moçambicanos animados com que nós nos pudéssemos identif icar. O Festival de Cannes é um dos maiores e mais importantes festivais do mundo cinematográf ico, e também um dos mais cobiçados, e logicamente que nos sentimos honrados por ter tido a oportunidade de mostrar o que nós temos a oferecer. Foi um sentimento de muito orgulho. Af inal, o que conseguimos fazer, ainda que sem ajuda nenhuma local, pode ser equiparado a produções internacionais. Infelizmente tive que recusar o convite de participar presencialmente devido às exigências impostas pela pandemia. Só pude acompanhar o evento à distância, online. Apesar disso, posso dizer que foi muito bom. Só que há sempre a falta de contacto e interacção f ísica com outros prof issionais da área.

Esperamos apresentar mais aventuras dos Pestinhas nos próximos tempos, mas neste momento de “pausa” decidimos envidar esforços para continuar o nosso projecto mais ambicioso e longo, a primeira longa-metragem em animação nacional. Tem sido um trajecto árduo e bastante doloroso e, mais uma vez, sem ajuda local. Ainda assim, esperemos que tenha um f inal satisfatório.”

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A SPECIAL GIFT Lili, Minhoca and Zé Gordo, also known as “the Pestinhas”, decided to surprise their friend Rosita by decorating the school she attends for the forthcoming annual neighborhood Christmas dinner.

However, they didn´t count on having to deal with Fedinho, a jealous and envious boy willing to spoil the fun. This animated short film was screened at this year's Cannes Film Festival, in the Young African Talents category, launched in 2019.

The director, Nildo Essá, is a self-taught practitioner of the seventh art, with a proven track record in animation cinema. He shared his thoughts about the short film: “After years of consuming a lot of material from abroad and being passionate about puppets in general, we felt the need to see something local, African and that people could identify with on screen.

Until then, there were no animated Mozambican characters that we could identify with. The Cannes Film Festival is one of the biggest and most pres-

tigious festivals in the movie world, and also one of the most coveted – of course we feel honored to have had the opportunity to show what we have to offer [there]. It was a feeling of immense pride. After all, what we managed to achieve, even without any local help, can be compared to international productions. Unfortunately, I had to decline the invitation to participate in person due to the demands imposed by the pandemic. I could only follow the event remotely, online. Despite that, I can say it was very good. But this creates, inevitably, a lack of physical contact and interaction with other professionals in the field.

We hope to present more of Pestinhas´ adventures in the near future, but at this moment in time of [collective] “pause”, we decided to rather focus our efforts in continuing our most ambitious and longest-running project, the first Mozambican animated feature film. It has been an arduous and quite painful journey and, again, without any local help.

Still, we are hoping for a satisfying ending.”

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Momentos Fashion

MOSCOW MULE INGREDIENTES: 50 ml de Absolut Elyx 25 ml de sumo de lima 100 ml de Ginger Beer Gelo triturado 1 gomo de lima COPO: Mule mug MODO DE PREPARAÇÃO:

Encher o mug com gelo, adicionar vodka, sumo de lima e, por fim, preencher o copo com Ginger Beer*. Decorar com uma rodela de lima e/ou hortelã. * Se não tiver Ginger Beer, macere gengibre fresco e sumo de lima no mug, depois adicione gelo e vodka e, por fim, preencher com Ginger Ale

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Fotografia: Mariano Silva

Momentos Fashion

MODA CAPITAL

MOSCOW MULE PREPARATION:

INGREDIENTS:

Fill the mug with ice, add the vodka, lime juice and then fill the glass with Ginger Beer*. Garnish with a slice of lime and/or mint.

• 50 ml of Absolut Elyx • 25 ml of Lime Juice • 100 ml of Ginger Beer • Crushed ice • 1 Slice of Lime

* If you don't have Ginger Beer, steep fresh ginger and lime juice in the mug, then add the ice and vodka and, lastly, fill the glass with Ginger Ale

GLASS:

Fotografia: Mariano Silva

Mule mug

90 - Agosto/August 2021 • Revista Xonguila © ™ Ed. 39

MODA CAPITAL

Revista Xonguila © ™ Ed. 39 • Agosto/August 2021 - 91

Após uma votação online, que decorreu nas páginas de Instagram e Facebook da Spice Your Soul através de “likes” na foto de cada um dos Cocktails a concurso, e apresentação f inal a um painel de jurados, com comentários e votação, o anúncio dos vencedores foi feito no Sky Bar do Meliã Maputo Sky, no passado dia de 5 Agosto. O primeiro lugar foi atribuído a Morais de Carvalho (restaurante Embassy). Já o segundo coube a Gimo Mitualo (restaurante South Beach), e o terceiro a Benito Muchanga (restaurante Azzona).

Satisfeita com o sucesso do evento, disse-nos a Spice Your Soul: “Abraçámos este desaf io pela paixão e pelo gosto, e também para celebrar os prof issionais de uma indústria que sof reu muito com a covid-19, algo que consideramos muito importante. Promovemos, de forma isenta, a avaliação técnica e estética dos cocktails, e percebemos que existem factores que podem aumentar ou diminuir a pontuação, como, por exemplo, o nervosismo.

Todo o processo até à fase f inal da competição é muito interessante, sem desvalorizar os vencedores, que tiveram muitíssimo mérito. No futuro queremos estender o conceito de Cocktail Week a nível nacional, com os mesmos objectivos, às outras capitais provinciais e zonas de grande volume de turismo, da Ponta do Ouro

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até Pemba. Fomentar a qualidade, desaf iar os prof issionais e valorizar os produtos locais, promovendo-os interna e externamente.

Foi agradável perceber que, através das redes sociais, tivemos muitos inquéritos sobre os produtos utilizados nos cocktails, como o malambe, o chambalacate, o mapf ilo, entre outros.

Bartenders estrangeiros de renome, e até vencedores de grandes concursos internacionais, f icaram extremamente curiosos em perceber o que se pode fazer com estes produtos, que são uma boa forma para promover Moçambique no estrangeiro. Estamos felizes com o resultado f inal do projecto e temos o sentimento de dever cumprido. No dia seguinte à f inal começámos logo a organizar o MCW 2022, que, temos a certeza, será um sucesso ainda maior.”

Fotografia: Cortesia de Maputo Cocktail Week

A

primeira semana do mês de Agosto acolheu a Maputo Cocktail Week, um evento destinado a todos os bares, restaurantes e hotéis da capital do país, organizado pela Spice Your Soul e patrocinado pela MLD – Moçambique Liquor Distribuidora, com vários parceiros: o Hotel Meliã Maputo Sky, a On Action – Comunicação e Media, a Sumol – Compal Moçambique, bem como a Maestro – Hotelaria e Comércio. A primeira edição teve como objectivo apresentar novos talentos na área de bar, consolidar o conhecimento dos existentes e desenvolver novas competências dos participantes através da formação e interacção entre os concorrentes.

Pretendeu também melhorar o posicionamento dos estabelecimentos, aumentando a notoriedade e criando experiências diferenciadoras no mercado, e apresentar junto do público de Maputo as melhores e mais recentes inovações de mixologia internacional.

T

he Maputo Cocktail Week (MCW) took place on the first week of August, an event aimed at all bars, restaurants and hotels in the country's capital city, organized by Spice Your Soul and sponsored by MLD – Moçambique Liquor Distribuidora, with several partners: the Hotel Meliã Maputo Sky, On Action – Comunicação e Media, Sumol – Compal Moçambique, as well as Maestro – Hotelaria e Comércio. The first edition sought to present new talents in the bar sector, consolidate knowledge of existing ones and develop new skills for participants through training and interaction between competitors. It also intended to improve the market positioning of establishments, increasing their visibility and creating different experiences in the market, whilst presenting the best and most recent innovations in international mixology to the Maputo public.

After an online vote, which took place on Spice Your Soul's Instagram and Facebook pages by way of counting the number of “likes” per photo of each of the Cocktails in the contest, and a final presentation to a panel of judges, with comments and voting, the winners were announced at the Sky Bar of the Hotel Meliã Maputo Sky on the 5th of August. First place was awarded to Morais de Carvalho (Embassy restaurant). The second went to Gimo Mitualo (South Beach restaurant), and the third to Benito Muchanga (Azzona restaurant).

Pleased with the success of the event, Spice Your Soul told us: “We embraced this challenge out of passion and sheer pleasure, and also to celebrate professionals in an industry that has suffered a lot from Covid-19, something that we consider very important. We promote, in an unbiased way, the technical skill and aesthetic of cocktails, and we understand that there are factors that can increase or decrease the score, such as nervousness. The entire process up to the final stage of the competition was very interesting, without taking anything away from the winners, who had a lot of merit. In the future, we want to extend the Cocktail Week concept nationwide, with the same objectives, to other provincial capitals and areas with a high volume of tourism, from Ponta do Ouro to Pemba. [To] Foster quality, challenge professionals and value local products, promoting them both nationally and overseas.

We were pleased to see that, through social networks, we had many enquiries about the [local] products used in cocktails, such as malambe, chambalacate, mapfilo, among others. Renowned bartenders from overseas, and even winners of big-name international competitions, were extremely curious about what can be done with these [natural] products, which are a good way to promote Mozambique abroad. We are happy with the project´s outcomes and have that feeling of mission accomplished. The day after the final, we immediately started organizing the MCW 2022, which we are sure will be an even greater success.”

Revista Xonguila © ™ Ed. 39 • Agosto/August 2021 - 93

Escrito por Louiggi

Júnior

A marca Chibaia foi inspirada no nome original da família do seu criador

Written by Louiggi

Júnior

Cláudio Lobo é o mentor dos bastidores da marca Chibaia. Nasceu em Nova Iorque e vive hoje em Maputo, depois de ter estudado design em Washington. A marca Chibaia foi inspirada no nome original da sua família, como forma de recuperar a sua identidade moçambicana.

Serve-se da capulana, um tecido tradicional, que é reinventado em casacos estilizados, femininos e masculinos. com uma infinidade de opções disponíveis, de diferentes tamanhos e preços e uma boa relação custo-benefício. Os artigos são vendidos em ambiente seguro.

96 - Agosto/August 2021 • Revista Xonguila © ™ Ed. 39

Fotografia: Mariano Silva

A experiência de África em manufacturação é mista, e, apesar dos surtos de crescimento na década de 1960 e em meados da década de 1980, nos dias de hoje há menos manufaturação formal do que em qualquer outra região do mundo.

No entanto, existem oportunidades para África aumentar a sua indústria de manufaturação. Para que tal seja possível, é necessário que se superem vários desafios interdependentes, o que alguns novos empreendedores se esforçam por fazer.

A marca Chibaia serve-se da capulana, um tecido tradicional, que é reinventado em casacos estilizados

Revista Xonguila © ™ Ed. 39 • Agosto/August 2021 - 97

Written by Louiggi

Júnior

Africa's experience in manufacturing has been inconsistent over the years; despite booms during the 1960s and mid-1980s, today there is less formal manufacturing than in any other region in the world. However, there are opportunities for Africa to increase its manufacturing industry. To enable this, it is necessary to overcome several interdependent challenges, something which some new entrepreneurs are attempting to do.

Cláudio Lobo is the behind-the-scenes mentor of the Chibaia brand. He was born in New York and now lives in Maputo, after studying design in Washington. The Chibaia brand was inspired by his original family name, as a way to recover his Mozambican identity. He uses the capulana, a traditional patterned fabric, reinvented into stylized coats for men and women, with a multitude of options available, of different sizes and price points and a good value for money. Items are sold in a secure environment.

Fotografia: Mariano Silva

A ARTE DE CAMINHAR & PHOTOMATON Breves notas sobre a fotografia de Mariano Silva

As imagens que Mariano Silva nos apresenta pretendem pouco ou nada dizer sobre os rostos dos sujeitos fotografados, mas dizem muito sobre os caminhos atravessados pelo homem, animal laborans dos tempos modernos.

São homens e mulheres que, miniaturizados em fotografia, empreendem movimentos vários, em avanços e recuos, em cruzamentos e desdobramentos, soltando os seus corpos e, lançando sobre os caminhos, as suas vitórias e derrotas.

São homens e mulheres que, com leveza e desenvoltura, calcorreiam caminhos e atalhos, num andar de quem sai à rua, não apenas para atravessar, mas também para nela se perder.

Diante da objectiva do fotógrafo, que itinerários então se nos aduzem?

Serão breves ou longos, tais caminhos? Íngremes ou lineares? Serão novos trajectos ou antigos e gastos? A fotografia de Mariano alerta-nos que são caminhos de amor e perdição, de luz e escuridão, caminhos que se abrem para outros caminhos, mais labirínticos, talvez, mas que nos transportam ao passado e ao futuro. Carreiros que, amiúde, são o único trajecto possível ou, como diria o poeta, o último lugar onde hospedar os pés. Estes que vão e regressam pelo mesmo trilho, trazendo o cheiro quente do asfalto e o perfume do vento.

Até que ponto as ruas e esquinas aqui retratadas podem dizer-nos sobre as mulheres e os homens que as percorrem, passo a passo, tropeço a tropeço, queda a queda? Mariano lembra-nos, através das suas belíssimas representações, que a fotografia é também a descrição dos caminhos que percorremos e tropeçamos e onde nos levantamos para voltarmos a percorrê-los. O que almejam então alcançar esses corpos palmilhando caminho tão vastos e distintos? Caminhos que se entregam ao rumor dos homens que os desbravam, sem deles esperar nada, assumindo-os apenas como se da sua natureza fossem. Eis uma possível reflexão a que Mariano nos convoca. Ou talvez seja o contrário: essas esquinas e ruas percorrem os corpos que as calcam, quase voluptuosamente, abrindo-se firmes, sem qualquer renúncia, sob os pés dos transeuntes?

Seja o que for, Mariano se serve da arte de caminhar para fazer caminhar a sua arte, expondo-a em todo o seu esplendor e descrevendo, docilmente, essa relação íntima e complexa entre o homem e a sua caminhada. São fotografias pensadas, como se determinada imagem já habitasse, meses antes da objectiva a tornar retrato, o nosso imaginário colectivo.

Mbate Pedro

Sabias que

O lobolo, um costume que resiste ao tempo O lobolo é uma tradição centenária cultivada até hoje no sul de Moçambique. Segundo esta tradição, a família da noiva recebe dinheiro e/ou outros bens oferecidos pela família do noivo, definidos num processo de negociação. A entrega é feita numa cerimónia com comida e bebida, que pretende, para além de unir as duas famílias impondo direitos e obrigações, pedir aos antepassados que abençoem o novo lar e, sobretudo, que dêem fertilidade ao casal.

Tradicionalmente, o rito representava uma compensação à família da noiva, legalizando a união e a transferência da capacidade reprodutora da mulher para o grupo familiar do marido, de que ela passava a fazer parte, dava estabilidade à união matrimonial, tornando o marido e a respectiva família responsáveis pela manutenção e bem-estar da mulher lobolada, legitimava os filhos do casal, que se considerava pertencerem à família que havia pago o lobolo, e constituía um meio de aquisição para o grupo da mulher, que se achava enfraquecido.

Apesar deste costume ter sido tema de muitas controvérsias nas primeiras décadas do Moçambique independente, que tentou desvalorizar algumas das antigas tradições, o lobolo resistiu, e, nos dias de hoje, imensos jovens e menos jovens o apreciam e praticam, agora ligando alguns aspectos da tradição à modernidade. Para muitos, o lobolo representa o respeito que o noivo e a sua família têm pela família da noiva por esta ter criado e educado aquela mulher. No entanto, nas zonas rurais, em muitas comunidades, o lobolo continua a ter as mesmas características e funções que tinha no passado, acabando por ser considerado mais importante do que o casamento civil ou religioso.

Por curiosidade se diga que Nelson Mandela, quando presidente da África do Sul, ofereceu como lobolo 55 cabeças de gado à família de sua esposa Graça Machel (então viúva de Samora Moisés Machel, primeiro presidente de Moçambique), com quem se casou em 1996.

Existem em outras culturas africanas, e não só, ritos semelhantes ao lobolo, de Moçambique.

Um exemplo é o chamado alambamento, praticado pelos ambundos em Angola.

106 - Agosto/August 2021 • Revista Xonguila © ™ Ed. 39

Fotografia: Annie Spratt

Sabias que

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108 - Agosto/August 2021 • Revista Xonguila © ™ Ed. 39

Did you know

The lobolo, an enduring social custom The lobolo is a centuries-old tradition still practiced in present day southern Mozambique. In this tradition, the bride's family receives money and/or other goods offered by the groom's family, which are determined during a negotiation process.

The actual delivery of these goods is celebrated in a ceremony were food and beverages are served, which has the dual purpose of uniting the two families by imposing rights and obligations, and to ask the ancestors to bestow their blessings upon the new union and home and, above all, to give fertility to the couple.

Traditionally, this rite represented a formal compensation to the bride's family, in order to legalize the union and transfer of the woman's reproductive capacity to the husband's family, of which she was now a part of. It gave stability to the matrimonial union, assigning to the husband and his respective family, the responsibility for the upkeep and well-being of the lobolada woman (“she who underwent lobolo”). It also legitimized the couple's children, who were considered to belong to the family that had paid the lobolo and, in that way, constituted a means of wealth acquisition for the woman's group, which would otherwise be weakened by this transfer of descendants to the husband´s family.

Fotografia: Andrew Itaga

Although this custom was the subject of many controversies in the early stages and decades of independent Mozambique, which tried to devalue some of the old traditions, lobolo nevertheless endured. Today, many young and not so young people appreciate and practice it, now linking some aspects of the tradition to modernity. For many, practicing lobolo is now a symbolic way of demonstrating the respect that the groom and his family have for the bride's family, for having raised and educated the bride-to-be. However, for many rural communities, lobolo continues to have the same traditional characteristics and functions as it had in the past, and is even considered more important than a civil or religious marriage.

We point out, out of curiosity, that Nelson Mandela, then president of South Africa, offered 55 heads of cattle as lobolo to the family of his wife Graça Machel (then widow of Samora Moisés Machel, first president of Mozambique), whom he married in 1996.

There are other rites similar to the Mozambican lobolo in other African cultures and elsewhere in the world. One such example is the so-called alambamento, practiced by the Ambundu people of Angola.

Today, many young and not so young people appreciate and practice it, now linking some aspects of the tradition to modernity Revista Xonguila © ™ Ed. 39 • Agosto/August 2021 - 109

Fotografia: Mariano Silva

MAGRET DE PATO À ZAMBI MAGRET 250 g de peito de pato Sal, q.b.

Tempera-se o peito de pato (o magret) com sal, dando vários golpes na parte de cima, na pele. De seguida, num sauté bem quente, sela-se, primeiro, essa parte, até ficar dourada, e, depois, a parte de baixo da carne.

Leva-se ao forno, a 180 graus, por 4 minutos (O magret deve servir-se no ponto médio).

MOLHO DE MEL E ALECRIM 25 g mel 2 g alecrim 50 g sumo de laranja 50 g cebola picada 50 g caldo de carne Sal, q.b.

Maizena, se necessário Numa caçarola pequena, aloura-se a cebola, com o mel e o alecrim, e adiciona-se o sumo de laranja. Deixa-se ferver e junta-se o caldo carne, continuando a ferver. Rectificam-se os temperos e tritura-se. Caso esteja muito doce, acrescenta-se um pouco mais de caldo de carne. Em ficando muito líquido, engrossa-se com um pouco de Maizena.

PURÉ DE BATATA-DOCE 300 g batata-doce 30 g manteiga 150 g natas Sal, q.b. Óleo de amendoim, q.b.

Coze-se bem a batata-doce em água e tira-se a casca. Numa panela, esmaga-se a batata, acrescenta-se um pouco de água quente para ajudar a fazer o puré, acrescenta-se a manteiga e as natas e tempera-se com sal.

Se o puré ainda estiver muito espesso, junta-se um pouco mais de natas.

Para decoração, lamina-se um pouco de batata-doce, que se frita em óleo de amendoim. Serve-se conforme a imagem.

COUVE-GALEGA SALTEADA BY

300 g de couve-galega 50 g de azeite 15 g de alho Sal, q.b.

Lava-se bem a couve, escalda-se em água a ferver, e, de seguida, passa-se em água com gelo para travar a cozedura. Escorre-se bem a água, corta-se a couve em tiras de aproximadamente 0,5 cm de largura. Num sauté, põe-se o azeite e o alho, salteia-se a couve e tempera-se com sal.

EMPRATAMENTO Fatia-se e serve-se o magret por cima da couve salteada, regando com o molho de mel e alecrim. Decora-se com passas de uva, conforme a imagem, e acompanha-se com o puré de batata-doce.

ZAMBI´S DUCK MAGRET MAGRET • •

250 g of Duck breast Salt, to taste

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150 g of Cream Salt, to taste Groundnut oil, to suit

Season the duck breast (the magret) with salt, after scoring the skin in several places. Then, in a very hot sautéing pan, seal this skin side first until golden, and then flip the breast to seal the underside of the meat.

Place it in the oven, heated to 180°C degrees, for 4 minutes (the magret should be served medium-cooked).

Boil the sweet potatoes in water and remove the skin. In a pan, mash the potatoes, add a little hot water to help make the purée, add the butter and cream and season with salt. If the purée is still too thick, add a little more cream. To garnish, laminate a small portion of sweet potato and f ry it in groundnut oil. Serve as shown in the image.

HONEY AND ROSEMARY SAUCE

SAUTÉED COLLARD GREENS

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25 g of Honey 2 g of Rosemary 50 g of Orange juice 50 g of Onion, finely chopped 50 g of Meat stock Salt, to taste Maizena (corn-starch), if necessary

In a small saucepan, brown the onion together with the honey and rosemary, and add the orange juice. Let it boil and add the broth, continuing to boil. Rectify the seasonings and blend the mix in a food processor. If it's too sweet, add a little more of the broth. If it is a bit watery, thicken it by adding a little corn-starch.

Fotografia: Mariano Silva

SWEET POTATO PURÉE • 300 g of Sweet Potatoes • 30 g of Butter

112 - Agosto/August 2021 • Revista Xonguila © ™ Ed. 39

300 g of Collard Greens 50 g of Olive oil 15 g of Garlic Salt, to taste

Thoroughly wash the collard greens, blanch them in boiling water, and then dip them in ice water to stop the cooking. Drain the water well, cut the greens into approximately 0.5 cm wide strips. In a sautéing pan, heat the olive oil and garlic, sauté the greens and season with salt.

PLATING: Slice and serve the magret over the sautéed collard greens, drizzling it with the honey and rosemary sauce. Garnish with raisins, as shown in the picture, and serve with the sweet potato purée.

Revista Xonguila © ™ Ed. 39 • Agosto/August 2021 - 115