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A Botânica do Licuri
from Manual do Licuri
Olicurizeiro (Syagrus coronata (Martius) Beccari) pertence à família Arecaceae, anteriormente conhecida como Palmae ou palmácea. Essa palmeira faz parte de um dos grupos de plantas mais antigos da Terra, presente no planeta desde o Cretáceo inferior da Era Mesozóica, há cerca de 130 milhões de anos atrás (BONDAR, 1964; NOBLICK, 1991). O gênero Syagrus é endêmico na América do Sul e compõe 42 espécies e oito híbridos naturais (NOBLICK, 1996). Segundo Lorenzi et al. (2004), são 34 espécies, 30 delas ocorrendo no Brasil. Henderson et al. (1995) descreve 16 espécies para a região Nordeste, sete delas ocorrendo em áreas de Caatinga. Segundo o último levantamento, publicado por Noblick (2014), já foram descritas 54 espécies de Syagrus, sendo que 47 ocorrem no Brasil. A espécie Syagrus coronata, nosso licuri, é uma das palmeiras mais conhecidas e típicas do semiárido nordestino (Figura 3), possui raízes profundas e vida longa e pode atingir de 8 a 12 metros de altura. Sua área de distribuição vai desde o Norte de Minas Gerais, ocupando toda a porção central e oriental da Bahia, até o Sul de Pernambuco, abrangendo ainda os estados de Sergipe e Alagoas (NOBLICK, 1986, 2014; cf. Figura 22). As maiores concentrações de licurizais encontram-se no estado da Bahia (BONDAR, 1942; NOBLICK, 2014; M. H. S. FERREIRA, obs. pessoal), principalmente em áreas de Caatinga e florestas semidecíduas, mas também em zonas de transição para restinga e Cerrado. A espécie possui uma infinidade de nomes vulgares ou populares: licuri, licurizeiro, ouricuri, aricuri, alicuri, nicuri, dicori, uricuri, coqueiro dicori, coqueiro cabeçudo, adicuri, aracui, aracuri, coquinho, aricui, nicori, nicori- -iba, uricurti, uriricuri, ururucuri, entre outros (DRUMOND, 2007). Apresenta um estipe único e normalmente reto, sendo extremamente raro seu perfilhado, entre 3 e 10 metros de altura e variando entre 15 a 25 cm de diâmetro. O estipe não apresenta entrenós visíveis e a planta adulta em geral apresenta cinco fileiras de folhas de coloração verde clara, atingindo até três metros de comprimento, pinadas, com fibras grossas e achatadas na bainha (LORENZI, 2010). O epíteto coronata, refere-se à essa disposição característica das folhas formando uma coroa (NOBLICK, 1991, 2014). A porção superior do estipe apresenta-se recoberta pela base persistente das bainhas das folhas mais velhas (LORENZI et al., 2004). Sua diferenciação de outras espécies de Syagrus com porte e morfologia semelhantes é a disposição das folhas unicamente em cinco fileiras, normalmente de forma espirala-
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Figura 3 – Aspectos da fenologia e morfologia fl oral do licuri: a) buza; b) botões fl orais imaturos (fechados); c) fl ores femininas e d) masculinas em antese (abertura fl oral); e) frutos imaturos (verdes); f) frutos maduros; g) fl ores pistiladas (femininas); h) fl ores estaminadas (masculinas); Morfologia das fl ores: i) fl or pistilada; j) detalhe do pistilo com estigma trífi do (est) no ápice, ovário (ov) e anel de estaminódios vestigiais (aev) na base; k) fl or estaminada; l) estame com detalhe das anteras (ant) e dos fi letes (fi l); m) detalhe da antera isolada. Escalas = 1 mm. Desenhos: Marcio Harrison.
da ao longo do estipe, e a presença de projeções fi brosas que parecem espinhos nas margens do pecíolo foliar (MEDEIROS-COSTA, 1982; NOBLICK, 2014). A espécie é monóica, com fl ores masculinas e femininas em uma mesma planta, sendo pequenas, amarelas e reunidas em cachos que estão presentes predominantemente entre maio e agosto (NOBLICK, 1991). Verifi cou-se a ocorrência de protrandia, um tipo de hermafroditismo dicogâmico onde as fl ores masculinas
amadurecem cerca de 10-15 dias antes das femininas, também relatada por Rocha (2009) nos licurizais estudados no Raso da Catarina, Bahia. A espécie floresce e frutifica durante todo o ano, mas é no período entre março e julho que apresentam maior frutificação, caracterizando este período como o de safra (BONDAR, 1938; DRUMOND, 2007). Seu fruto é uma drupa ovóide (elipsóide), com polpa carnosa e fibrosa, apresentando de 2,5 a 3 cm de comprimento. No período em que seu fruto está verde, possui o endosperma líquido que se torna sólido no processo de amadurecimento. Quando maduro, sua coloração varia do amarelo-claro ao alaranjado a depender da fase de maturação (LORENZI, 2010). Os frutos maduros têm a polpa amarelada, pegajosa e adocicada, e as sementes, quando secas, são de cor escura e com um tegumento duro que reveste a amêndoa rica em óleo. Essa amêndoa apresenta 49,2% de teor de lipídeos e 11, 5% de proteínas (CREPALDI et al., 2001). Essa espécie possui estratégias autodefensivas, com grande resistência às adversidades do semiárido, ocorrendo em solos pedregosos ou até mesmo em áreas com afloramentos rochosos, onde também cresce e se desenvolve muito bem (NOBLICK, 1991). Além disso, suporta as secas prolongadas, florescendo e frutificando por um longo período durante o ano e, em consequência disto o licuri torna-se um importante provedor de recursos para a subsistência da população dessas regiões, sendo também utilizado para alimentação de animais de criação (LORENZI, 1992). Devido a essa importância para os animais, essa lavoura xerófila pode ser estudada e aplicada para suprir essa demanda de alimentos para os rebanhos (DRUMOND, 2007). Também é o principal alimento da arara-azul-de-Lear, Anodorhynchus leari Bonaparte, 1856 (RAMALHO, 2008), ave endêmica da região e muito ameaçada de extinção pelo tráfico e pela ausência de alimentação nativa específica (BRASIL, 2006; CAMANDAROBA, 2008; ROCHA, 2005. Destaque-se ainda o fato de que ao licuri, estão frequentemente associadas espécies de plantas “caroneiras” ou “epífitas” de briófitas, pteridófitas e angiospermas, principalmente as bromeliáceas, cactáceas, orquidáceas e euforbiáceas (DUQUE, 2004), que se fixam às bainhas foliares e partes do caule (estipe) do licuri, onde acumulam matéria orgânica e água (umidade). Na região do Vale do Jiquiriçá, Bahia, um levantamento preliminar identificou pelo menos 21 morfoespécies de epífitas, sendo três de briófitas e 18 de angiospermas, pertencentes às famílias Orchidaceae, Bromeliaceae, Anacardiaceae, Cactaceae, Commelinaceae, Passifloraceae e Euphorbiaceae (FERREIRA, CARVALHO, in prep.) Nesse sentido, espécies de plantas como o licuri, que atraem dispersores de sementes (zoocoria), podem assumir um papel-chave no processo de regeneração florestal uma vez que, ao fornecer habitat para outras espécies vegetais sob sua copa (nas bainhas foliares, Figura 4) atraem uma maior diversidade de animais dispersores de sementes, ressaltando-se o valor dessa palmeira para a regeneração de áreas degradadas.
