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Botânica Econômica e Múltiplos Usos do Licuri

Olicurizeiro é conhecido como a “árvore salvadora da vida” nas áreas de ocorrência natural (BONDAR, 1938) e uma das mais importantes espécies de palmeiras do semiárido brasileiro devido a sua importância socioambiental para as populações humanas dessa região.

Em geral, o licuri começa a frutificar seis anos após o plantio e um licurizal nativo produz, anualmente, em média 2.000 kg de frutos por hectare (DUQUE, 2004). Nos anos de pouca chuva a produção diminui, mas sempre ocorre de maneira estável. Se bem manejado, com a poda de folhas velhas e a capina das plantas daninhas ao seu redor (coroamento), um licurizal pode produzir 4.000 kg/ha/ano (SANTOS, SANTOS, 2002; DRUMOND, 2007). Além de ser uma palmeira ornamental, com forte potencial paisagístico, todas as partes do licuri são utilizáveis. A partir das folhas é obtido rico artesanato e uma diversidade de utensílios, como sacolas, chapéus, vassouras e espanadores. Com a raspagem das folhas é obtida uma cera que é similar a da carnaubeira e utilizada na fabricação de papel carbono, graxa para sapatos, móveis e pintura de automóveis (LORENZI, 2010). As amêndoas são consumidas in natura e também muito utilizadas para fabricação de diversos doces.

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Da amêndoa é extraído um óleo muito utilizado na culinária da população do semiárido (BONDAR, 1939), principalmente no Centro-Norte baiano, onde é industrializado e utilizado para produção de saponáceos (sabão em pó, detergentes, sabão em barra e sabonetes finos) de alta qualidade, uma vez que o licuri é considerado o melhor óleo brasileiro para a produção de sabão (SANTOS, SANTOS, 2002). Além disso, o óleo das amêndoas possui características excelentes para produção de biodiesel (SANTOS, 2011). Portanto, a espécie apresenta enorme potencial energético, alimentício, ornamental, fitoterápico, paisagístico e forrageiro. O Brasil já foi chamado de “Pindorama”, designação indígena tupi-guarani da era colonial, que significa “terra, lugar ou região das palmeiras” (BONDAR, 1964), devido às palmeiras serem tão representativas da sua flora e, pelo alcance de sua significação, o nome autóctone por excelência do nosso país. Por outro lado, a Caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro, situa-se em pleno semiárido, onde as demandas por seus recursos naturais situam-no como uma das regiões mais ameaçadas e suscetíveis a processos de degradação e perda de fertilidade do solo (GARDA, 1996).

Nesse cenário, a palmeira licuri representa a garantia de matéria prima para o desenvolvimento de hábitos e cultura local e regional de populações humanas. Essa influência mútua homem-licuri associada ao etnoconhecimento, incluindo saberes, cultura, relações, conhecimento e manejo dos recursos naturais impactam diretamente a manutenção de populações a manutenção dos licurizais. Além da importância socioeconômica para a sociedade local, a espécie tem um papel ecológico importante nas formações vegetais (PERES, 1994). Assim é importante criar condições que viabilizem a subsistência dessas populações (de licurizais e de humanos) com a necessária sustentabilidade socioambiental. A seguir é apresentada uma compilação dos múltiplos usos dessa palmeira, ressaltando-se sua importância econômica e em termos de subsistência para as populações locais que as utilizam para diferentes fins e de diferentes formas (Quadro I). Na sequência, também encontram-se listadas algumas formas de uso ritualístico/ místico por algumas etnias que têm tradicionalmente, apropriado-se do licuri como um símbolo de sua religiosidade em diferentes contextos e ritos (Quadro II). Quadro I – Múltiplos usos do licuri

Modalidade de uso Fonte(s) Artesanato Confecção de vassouras, esteira, trança chapéu, cortina, bolsa, tapete, cesta, porta copo, porta objetos, caixas, porta guardanapo, espanador Bondar, 1942; MedeirosCosta, 1982; Lopes, Moura, 2012; Carvalho et al., 2013a Confecção de bichinhos: galo, galinha, pato, pinto, etc. Lopes, Moura, 2012 Utilização do endocarpo (cf. Figura 14a) na confecção de artesanato regional Lorenzi et al., 2004; Carvalho et al., 2014 Ornamentação Uso dos frutos como objeto de ornamentação Lopes, Moura, 2012 Paisagismo A palmeira para fins ornamentais devido ao aspecto da distribuição das folhas em volta do estipe (formando uma coroa) Lorenzi et al., 2004 Alimentação (In natura) Colares feitos com as amêndoas do coco são consumidos in natura e vendidos em feiras livres. Lopes, Moura, 2012; Carvalho et al., 2013a Consumo in natura pelas populações humanas Bondar, 1938, 1942; Lorenzi et al., 2004; Carvalho et al., 2013a

Alimentação (In natura) O arraçoamento do gado em períodos de seca a partir de folhas trituradas, frutos e inflorescências, por conseguinte é considerada pelos criadores de gado uma espécie forrageira de reserva para os períodos de estiagem severa, comuns no semiárido nordestino Alimentação (cozido) O coco verde cozido é utilizado para consumo e vendido em feiras livres Usa a lagarta do coco (Pachymerus nucleorum) como alimento, fritada no próprio óleo misturada com farinha de mandioca Alimentação (preparo) Imbuzada com leite do coco, feijão no coco, peixe no coco, arroz no coco, cocada, doce de coco ralado, doce de coco triturado Leite do licuri com uso do amido de sementes de jaca como espessante (em teste na COOPES – Capim Grosso – BA) Fitoterápico (remédio) Uso das raízes do estipe como calmante (chá) Uso das raízes do estipe para calores no corpo (menopausa) Uso da água do coco verde (endosperma) como colírio Uso da água do coco para micoses e como cicatrizante Uso do chá da raiz para tratamento de dores de coluna Uso da lagarta do coco como cicatrizante

Beneficiamento Massa para auxiliar na prensa da mandioca (imprensar)

Bondar, 1938; Hart, 1995; Lopes, Moura, 2012; Carvalho et al., 2013 a; Carvalho, Ferreira, 2015; Ferreira et al., 2016

Lopes, Moura, 2012

Costa-Neto, 2004; Lopes, Moura, 2012

Noblick, 1986; Lopes, Moura, 2012

Carvalho et al., 2013a Carvalho, Ferreira, Alves, 2014b

Lopes, Moura, 2012 Lopes, Moura, 2012

Rufino et al., 2008; Lopes, Moura, 2012 Rufino et al., 2008

Rufino et al., 2008

Rufino et al., 2008; Lopes, Moura, 2012

Lopes, Moura, 2012

Beneficiamento Extração do óleo para fabricação de saponáceos Noblick, 1986; Santos, Santos, 2002 ; Ferreira et al., 2016 Faz óleo para cozinhar Lopes, Moura, 2012 Construção (insumo para instalações rurais) Construção de banheiros (privada com as palhas) Lopes, Moura, 2012 Uso como cerca para “silo” Lopes, Moura, 2012 A utilização das folhas como cobertura dos casebres Noblick, 1986; Lopes, Moura, 2012 Industrial Uso do óleo para cosméticos e industriais Drumond, 2007 Raspagem das folhas para a produção de cera empregada na fabricação de papel carbono, graxa para sapatos, móveis e pintura de automóveis Ramalho, 2008 Energético (fabricação de biocombustível) Características excelentes para produção de biodiesel Santos, 2011

Quadro II – Licuri enquanto elemento místico*

Etnia Ritual Representatividade Fonte Kariri-Xocó Ritual do Ouricuri Incorporação de divindade Mota, 2007 Tingui Botó Ritual do ouricuri; Ritual do Toré Atributo de identidade aborígene Ferreira, 2007; Quirino, 2006 Fulni-ô Ritual do ouricuri; Ritual do Toré Atributo de identidade aborígene Quirino, 2006 Pankararu Ritual dos Praiás e do Toré Materialização de ser espiritual (Encantado) Arruti, 2005 Koiupanká Ritual dos Praiás e do Toré Materialização de ser espiritual (Encantado) Vieira, 2010 Karuazu Ritual dos Praiás Obediência aos encantados e êxtase espiritual Vieira, 2010

Além de ser fundamental para a produção do artesanato de alguns desses grupos indígenas, o licuri é utilizado nas vestimentas tradicionais do ritual, além de dar nome ao mesmo (Ritual do Ouricuri), e também é utilizado no preparo de uma bebida a partir da fermentação de seus frutos (PINTO, 1956 apud MOURA, 2007). Assim, essa palmeira torna-se fundamental para a manutenção de traços culturais e para a manutenção do sentimento identitário dessas etnias (Figuras 5, 6).

Figura 5 – Licuri na Reserva indígena Kiriri, Mirandela – BA.

Figura 6 – Vestimentas indígenas de fibra de licuri e etnomapeamentos na Reserva indígena Kiriri, Mirandela – BA.

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