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António Bessa
É numa das artérias mais movimentadas da cidade do Porto, entre telas, tintas e pincéis, música consideravelmente alta e uma vista privilegiada sobre os portugueses e turistas, que vão desfilando pela Invicta, que o mestre Bessa, como ficou conhecido, vai dando vida às suas obras. Dos vários retratos que já pintou, destaca-se o de Marcelo Rebelo de Sousa, escolhido pelo próprio para figurar na Galeria de Retratos Oficiais dos Presidentes da República, e que, rapidamente, tirou o pintor portuense do anonimato… De sorriso no rosto, abriu-nos as portas da sua “caixa de tinta” e partilhou connosco um pouco da sua história - como tudo começou, a magia desta arte que o apaixona desde criança, a importância de pintar o Porto e as suas gentes e, claro, o episódio com o Presidente Marcelo.
Bata cinzenta salpicada pelas cores da tinta, um bolso a guardarlhe algum material, apenas o necessário para ir construindo as suas obras, e boina preta na cabeça. São marcas identitárias de António Bessa, 67 anos, tripeiro de gema, como se orgulha de dizer, pintor desde que tem memória, e que exerce o ofício tão bem que praticamente o poderia fazer de olhos fechados. “Primeiro produzo o desenho da figura na tela. Depois passo uma tinta acrílica por todo, para tirar o branco na totalidade, mas deixo algumas partes, propositadamente, às quais chamo os buracos da minha alma. A partir daí vou brincando com todas as cores que tenho na paleta, sempre em harmonia com a cor que defini inicialmente”, contou à VIVA!, na sua “caixa de tinta”, o espaço no número 314 da Rua do Almada, onde está há praticamente oito anos. Intitula-o assim por considerar que é o local onde se produz magia, em todos os sentidos. “É importante o artista estar com o povo. Ele pinta, organiza as suas exposições e apresenta-as ao público. É uma das graças que o artista tem e é uma ansiedade tremenda. Mas eu não. Tenho desde início esse povo, desde que faço a obra até ao fim, então acho que isto é um sítio realmente mágico”, destacou. Entretanto, fez uma pausa no retrato de Isaltino Morais, o presidente da Câmara Municipal de Oeiras, que pintava quando o visitamos, e voltou a pintar, desta vez verbalmente, a sua história, mas sempre de pincel na mão.
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Em que altura da sua vida é que reconheceu esta paixão?
Quando era criança. Nas várias brincadeiras com os meus amigos. Costumávamos percorrer algumas grutas abandonadas e, certo dia, encontrei um bocadinho de carvão e lembro-me que, na altura, fiquei impressionado com aquilo que ele produzia em superfícies. Fui-me apaixonando, cada vez mais. Na verdade, essa paixão já estava dentro de mim, mas ficou ainda mais reforçada, porque foi com o carvão que se foi desenvolvendo. A partir

daí, comecei a utilizar o carvão em todos os meus trabalhos. É uma marca que está sempre presente, ainda que “escondida”. Às vezes perguntam-me se eu não tinha tinta suficiente para cobrir determinado espaço da tela e a verdade é que é o traço do carvão que está lá desenhado, que não cubro. Deixo espaços em aberto e digo que é a minha alma que está ali posta, dentro daquele “buraco”. Se a fecho fico lá prisioneiro. E foi este processo, que veio da tal gruta, que me trouxe essa paixão de manter o carvão durante todo o meu trabalho.
O seu ateliê não esteve sempre situado no número 314 da Rua do Almada. Quando e porquê é que surgiu esta mudança?
Eu estive quase toda a minha vida de pintura na Rua do Almada, mas sempre escondido. Ora estava no primeiro andar, ora no segundo ou no rés-do-chão, não tinha um lugar propriamente visível. Então, nesses espaços, pintava um olho na caixa do correio para despertar a curiosidade das pessoas e levá-las a ver quem estava do outro lado a pintar. Portanto, quando encontrei este espaço, aberto, com uma montra para a rua, soube logo que era isto que queria, porque gosto que as pessoas me vejam produzir. Que se envolvam com o meu trabalho.
Gosta de ser “observado” enquanto pinta?
Não posso dizer que seja propriamente um gosto, mas sim uma alegria. Gosto que as pessoas parem para me ver pintar, gosto que se manifestem sobre o que veem. Há gente que passa aqui e me diz simplesmente “obrigado”, “obrigado por estar aqui e por me dar o privilégio de vê-lo pintar”. E isso para mim vale tudo. Às vezes oiço-os manifestarem-se e tiro até partido disso. Por exemplo, quando estava a pintar o Sérgio Conceição, ainda antes de sermos campeões, alguém passou, viu, e perguntou-me como é que eu o ia pintar. E eu respondi “Vou sentá-lo numas escadas, talvez, ainda não sei”. E a pessoa recordou-me que quando ele está a ver o jogo está sentado na geladeira, onde vai buscar a água para beber”. E eu pensei “perfeito, é mesmo assim que o vou pintar”. E assim foi! Isto só mostra que as pessoas entreajudam o artista e isso dá-me muito gozo.
Esta é uma artéria da cidade particularmente apreciada pelos turistas. Como é o convívio com eles?
Um encanto! A maior parte dos meus clientes são turistas. Foram eles que fizeram com que eu espalhasse a minha obra a todos os cantos do mundo.
O que lhe pedem para pintar?
Retratos, sobretudo, e paisagens do Porto. Querem sempre levar para os países deles pedaços do sítio onde estiveram, dos locais que visitaram… E tenho a sorte de muitos desses pedaços irem assinados por mim. Tenho muito Porto espalhado pelo mundo!
No dia 9 de junho, de 2017, o Presidente da República bateu-lhe à porta e ficou admirado com o retrato que fizera dele. Como descreve esse momento?
Absolutamente maravilhoso. Olhei para o céu e agradeci a Deus por ter despejado as flores no meu caminho aquando da visita do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa ao meu espaço. Vi mesmo que foi Deus a despejar flores no meu caminho, a dizer “agora tens este espaço e vais caminhar”.
E ele, o que lhe disse quando viu a obra?
Disse que esta obra o impressionava de tal forma que era a primeira vez que via um retrato que o olhava, que o impressionava verdadeiramente, e perguntou “quanto é que custa esta obra?” E eu respondi-lhe “Oh Presidente, isto tem apenas o custo de um abraço”. Ele ficou sem palavras, olhou para trás e perguntou a alguém se o retrato tinha as medidas. Recebeu resposta positiva e aí revelou que queria que este retrato figurasse na Galeria de Retratos Oficiais dos Presidentes da República.
O que sentiu nessa altura?
Um orgulho enorme, porque a verdade é que qualquer artista sonha com este processo, ter, um dia, uma obra exposta numa presidência, ainda por cima escolhida pelo próprio Presidente… É extraordinário! Uma pessoa sente-se quase como património nacional.
O que quis destacar na obra do Presidente?
Quando eu penso retratar o Presidente na minha obra, não o retrato apenas a ele, eu retrato Portugal. O primeiro encontro com o Chefe de Estado deuse em finais de 2016, quando o Presidente da República visitou o Porto. Nessa visita, passou pelo meu atelier, eu pedi-lhe um abraço e, quando me abraçou, senti esse abraço como se fosse de Portugal. Então aí disse “vou pintar este homem como se fosse o meu país”. E assim foi. Porque é isso que ele representa para mim, Portugal.
Além de Marcelo Rebelo de Sousa, já pintou inúmeras personalidades importantes, muitas delas ligadas ao Norte do país...
Sim, um deles, e para mim também muito importante foi o atual presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, cujo retrato está patente no Palácio da Bolsa. Já retratei também o presidente do FC Porto, Jorge Nuno Pinto da Costa, o presidente da Câmara da Maia, de Arouca, o reitor da Universidade de Coimbra, entre muitos outros. Tem sido muito gratificante requisitarem as minhas obras para presenciar nas galerias.

São os retratos o que mais gosta de pintar?
Os retratos dão-me um gozo especial, porque entro em diálogo com as personagens. Para mim, essas obras são divididas por duas almas: a alma do retratado e a minha, que se completam. No entanto, também tenho um enorme gosto quando faço as paisagens do Porto. Nas paisagens, muitas vezes, pinto personagens a andar pelo quadro, seja pelos telhados ou pelas chaminés, e também utilizo muito a imagem dos gatos. E sinto que as pessoas gostam disso, do facto de eu não deixar os quadros morrerem.
Que significado tem pintar o Porto e as suas gentes?
O Porto tem muitos telhados e, por isso, grandes superfícies que podem ser povoadas. Eu vivi durante muito tempo perto da Ribeira e lá as varandas são muito juntas, então eu gosto de os pôr a visitar os vizinhos pelos telhados. São coisas que nascem por acaso, na minha cabeça. Mas, a magia das coisas é mesmo essa, acontecer…
António Bessa retrata as obras no seu atelier, sito no n.º314 da Rua do Almada, local que funciona também como galeria e onde expõe grande parte dos seus trabalhos.
Viajar à volta do mundo com Filipe Morato Gomes
Autor de um dos mais prestigiados blogs de viagens em Portugal, “Alma de Viajante”, e dono de uma sede imensa de conhecimento e aventura, Filipe Morato Gomes já visitou mais de uma centena de países e fez duas grandes viagens à volta do mundo. A primeira sozinho, durante 14 meses, e a segunda em família, com duração de um ano, ambas “experiências fantásticas” e igualmente “enriquecedoras”. Através do seu blog, leva milhares de portugueses a viajar pelos cinco continentes e inspira outros tantos a arriscar e conhecer o mundo…
Texto: Maria Inês Valente Fotos: Cortesia de Filipe Morato Gomes
“Comecei a viajar em criança, com os meus pais. Os destinos eram sempre muito próximos e o orçamento reduzido, mas íamos. Lembro-me de fazer campismo selvagem na Serra do Soajo durante muitos anos, das viagens de VW Carocha para Vila Real de Santo António durante o verão, das férias na Zambujeira do Mar, já adolescente, e de uma incursão por Espanha e sul de França de carro e tenda de campismo”, contou, em entrevista à revista VIVA! Filipe Morato Gomes, revelando que talvez tenha sido esse percurso, aliado às histórias de viagem contadas pelo seu avô que lhe despertaram a “curiosidade para a diversidade do mundo”. Em 2001, criou o “Alma de Viajante”,


o mais antigo site de viagens em português, e, desde então, que se tornou numa verdadeira fonte de inspiração, relatando e mostrando, regularmente, as mais variadas histórias e fotografias, que refletem as inúmeras viagens já realizadas, num total de cerca de 103 países. O objetivo principal “é ajudar os leitores a viajarem mais e de forma mais enriquecedora, devagar e em contacto com as pessoas”, por isso assume que tanto escreve textos com dicas práticas como “onde ficar no Porto”, um básico roteiro em Portugal (para os leitores brasileiros) como posts inspiradores sobre “viajar sozinho”. “Mas a essência é sempre a mesma: Viajar. Partilhar. Inspirar”, assinalou. Assumindo que ainda tem “outros tantos países para conhecer”, o viajante acredita que, atualmente, a não ser o atual contexto de pandemia que o mundo enfrenta, “não há


grandes desafios em viajar”, além da gestão do orçamento. “Viajar é muito fácil em boa parte do mundo, e os viajantes nunca estarão verdadeiramente sozinhos (a não ser que o queiram)”, apontou. E deixa ainda um conselho aos leitores: o Sudeste Asiático, por exemplo, é uma região excelente para quem quer começar a fazer viagens independentes. “O mais difícil é tomar a decisão de ir. Basta desligar o botão «complicador» que todos temos dentro de nós. Quanto ao resto, dos aspetos logísticos aos vistos, transportes e alojamentos, tudo se resolve com naturalidade”, sublinhou o também presidente da Associação de Bloggers de Viagem Portugueses (ABVP). É também de forma tranquila, e muito natural, que Filipe Morato Gomes tem



vivido este ano pandémico, ainda que admita que não poder viajar “sendo uma imposição” e não uma opção própria, “custou bastante”. No entanto, salientou que esta tem sido também uma “oportunidade para redescobrir Portugal”, uma experiência que caracteriza como “muito interessante”. “Tenho-me focado no Norte e Centro de Portugal, revisitando alguns locais e descobrindo outros. Andei a visitar a Lousã em família, a explorar o património do Centro de Portugal (Tomar, Batalha, Alcobaça), a visitar o Douro Internacional e a regressar ao Soajo e a Castro Laboreiro (locais ligados à minha adolescência), no Parque Nacional da Peneda-Gerês”, descreveu, acrescentando que quanto mais viaja mais certeza tem de que “Portugal é um país incrível”. O calendário de viagens está, por agora, em branco. Mas, muito brevemente, deverá começar a ser preenchido. Paquistão e Patagónia poderão ser os próximos destinos… Acompanhe tudo em almadeviajante.com.

De todas as viagens, qual foi a favorita? Porquê?
A primeira volta ao mundo. Por todo o simbolismo, por ter sido a mais transformadora das viagens, por ter contribuído decisivamente por tudo o que sou hoje, e por, de facto, me ter proporcionado das melhores experiências enquanto viajante. Foi a viagem mais marcante que fiz até hoje.
Quais os destinos que mais o marcaram? Porquê?
São todos diferentes e cada um tem os seus pontos fortes. Na minha lista de preferências estão países como a Colômbia, a Mongólia, a Islândia ou a Nova Zelândia, destinos onde vivi experiências intensas e fascinantes. Mas, a verdade é que a minha primeira escolha só pode recair no Irão, que considero ter o povo mais hospitaleiro do planeta. Mais do que a incrível arquitetura persa – as mesquitas, os palácios, os jardins-, classificados pela Unesco, toda a história da antiga Pérsia, é o seu povo que torna o Irão tão especial.

Quais as peripécias que guarda das várias viagens que já fez?
As peripécias e os imprevistos fazem parte das viagens, mas houve uma situação que, pela sua magnitude, me marcou bastante. Estava no Laos, em dezembro de 2004, por altura do tsunami que devastou a Indonésia, a Tailândia e tantos outros países em torno do Oceano Índico. Dada a proximidade geográfica com os locais mais afetados pela catástrofe, fui enviado pelo jornal Público para cobrir fotograficamente


os acontecimentos. Foi das experiências mais duras, intensas e emocionalmente arrasadoras que vivi em toda a minha vida. Jamais esquecerei o que vi naqueles dias…
E qual o episódio mais caricato?
Já tive algum receio em algumas situações, incluindo no dia em que uma viajante de um grupo que eu liderava no Irão decidiu tirar fotografias a umas instalações nucleares. Ficamos retidos pela polícia e só fomos salvos fruto de uma rede de contactos que acabou por garantir às autoridades que não éramos espiões ou uma ameaça semelhante. Correu bem, felizmente!
Como organiza as suas viagens? Desde a escolha do destino, aos locais a visitar, ao orçamento, etc.
Não tenho nenhum segredo especial, a não ser estar atento às promoções das companhias aéreas para conseguir comprar voos baratos. E, quando se justifica, planeio com antecedência, mesmo sabendo que os planos de viagem são feitos para não serem cumpridos. Quanto a destinos, tento encontrar um equilíbrio entre destinos que podem ser interessantes para os leitores com destinos mais “fora da caixa” que eu quero conhecer.

Que conselhos deixa aos nossos leitores com “Alma de Viajante”?
Viajar devagar. A ideia de que “aproveitar ao máximo” significa saltitar de cidade em cidade a cada dois dias é, na minha opinião, um dos principais erros cometidos por quem começa a viajar. Muitas das melhores experiências de viagem acontecem na sequência de encontros com os habitantes locais, de uma tarde passada numa esplanada ou praça pública “sem fazer nada”, dos imprevistos, das mudanças de planos, de viver o destino em vez de simplesmente o ver. E para isso é preciso tempo!
Mostrou que ser pai não é impeditivo para fazer uma viagem à volta do mundo, fazendo-o, durante quase um ano, com uma criança de cinco anos. O que diria aos pais que o deixam de fazer por medo de arriscar?
Ir sem pensar demasiado. Os filhos precisam de pouco para estar felizes. Viajar com crianças é muito mais fácil do que parece. Aprender a lidar com a frustração de não poder ver tudo o que se pretenderia ver num dado lugar, por exemplo, é um dos melhores conselhos que posso dar aos pais-viajantes. Ultrapassada essa dificuldade natural, a viagem flui muito melhor.
Carolina Sobral
Portugal Fashion
O Porto voltou a brilhar em mais uma edição do Portugal Fashion, a 47.a , que se apresentou num formato completamente diferente, onde a moda não ficou confinada à passerelle. Aliando o físico e o digital, o evento foi, como sempre, marcado pela elegância, irreverência e criatividade dos criadores portugueses. Deslumbre-se com algumas das melhores propostas apresentadas para a primavera/verão 2021…
CONCRETO
Fotos: Paulo Gama

PÉ DE CHUMBO
RITA SÁ MIGUEL VIEIRA