Tenho tentado
Vitória Ondina RuasÉ estranho.
Belo Horizonte, dezembro de 2023
Com tantas obrigações, expectativas e despertadores, ainda existe a necessidade de manutenção: preciso comer, preciso beber, preciso evacuar, preciso dormir, preciso me movimentar, preciso parar, preciso de silêncio, preciso conversar com alguém – qualquer pessoa que seja –, preciso lembrar, preciso esquecer.
Eu faço o que posso, na maioria das vezes o mínimo dos meus desejos, tentando balancear todas as pendências da vida que se renovam a cada amanhecer. Porém, entre o frenesi e a manutenção, meu corpo nota certas instâncias.
Ah sim, os cinco sentidos, eles são mais poderosos do que damos crédito. Não é preciso muito esforço da consciência para que eles se manifestem e, unidos ao tempo, nos fazem acessar um lugar imaterial.
É assim que eu desenvolvi uma estratégia de afirmação da vida.
Diariamente, no espaço entre a inércia e a ação, tenho tentado me reencontrar…
… nos fios de cabelo no chão do banheiro;
no calor entre as coxas;
nas nuvens pesadas, frente ao tom ideal de azul;
no clarão nervoso da noite tempestuosa;
nos versos de outra pessoa;
no feitiço da luz quando o Sol acaricia a copa das árvores;
no uivo do vento inquieto;
na muda de goiabeira nascida daquela calha e na erva daninha entre as rachaduras do asfalto;
no nosso jeito esquisito
de amar
e na tentação de perder-me.
Apesar de tantos sentimentos acumulados, apesar das versões irreais de mim projetadas pelo outro, apesar da dúvida, apesar do desejo insaciável, apesar do medo, tenho tentado me reencontrar em tudo que eu vejo, ouço, cheiro, toco e saboreio.
Como pude esquecer o quão fantástico é este mundo e que eu também sou filha dele?
Fui impresso em dezembro de 2023 em papel AP 120g e em tipografia Lora.
