REVITALIZAÇÃO DO CENTRO HISTÓRICO DE LUZIÂNIA: CIDADE QUE ACOLHEU BRASÍLIA

REQUALIFICAÇÃO URBANA DO NÚCLEO HISTÓRICO DE

LUZIÂNIA-GO A CIDADE QUE ACOLHEU

BRASÍLIA

DIPLÔ 1 UnB | FAU | PRO Victor Vieira da Rocha | 15/0050160 Professora orientadora: Flaviana Barreto Lira Banca Examinadora: Ana Paula Campos Gurgel e Ricardo Trevisan

acolhimento substantivo masculino 1.

ato ou efeito de acolher; acolhida. ○ maneira de receber ou de ser recebido; recepção, consideração. ○ abrigo gratuito; hospitalidade. ○ local seguro; refúgio, abrigo.

APRESENTAÇÃO Este documento é o Plano de Trabalho da disciplina obrigatória de Introdução ao Trabalho Final de Graduação desenvolvido no âmbito da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (FAU-UnB). Tem como título: Requalificação Urbana do núcleo histórico de Luziânia-GO, cidade que acolheu Brasília; de autoria de Victor Vieira da Rocha e orientação de Flaviana Barreto Lira. O objetivo geral consiste em obter um embasamento teórico sobre o processo de transformação de Luziânia-GO e a partir disso propor uma requalificação urbana com desenho sensível ao processo histórico da cidade.

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SUMÁRIO Introdução ...................................................................................................................................................................................... 5 CAPÍTULO 1 – LUZIÂNIA, PRÉ E PÓS BRASÍLIA .....................................................................................................................7 1.1.

Do ciclo do ouro ao esquecimento .................................................................................................................................... 8

1.2.

Brasília, o sonho de progresso se torna realidade ............................................................................................................14

CAPÍTULO 2 – LUZIÂNIA, CIDADE DO ENTORNO ...................................................................................................................19 2.1.

Do ciclo do ouro ao esquecimento .................................................................................................................................... 20

2.2. Planos diretores e leis de tombamento ..............................................................................................................................22 2.3. Análise da área do núcleo histórico ...................................................................................................................................32 2.3.1 Características gerais da área .........................................................................................................................................32 2.3.2 Dimensão Bioclimática .....................................................................................................................................................35 2.3.3 Dimensão Econômico-Financeira ....................................................................................................................................37 2.3.4 Dimensão Funcional ........................................................................................................................................................38 2.3.5 Dimensão Sociológica ......................................................................................................................................................39 2.3.6 Dimensão Topoceptiva .....................................................................................................................................................43 CAPÍTULO 3 – TEORIA DA PRESERVAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO .................................................................45 3.1. Introdução à teoria da preservação ....................................................................................................................................46 3.2 Conceitos e modos de intervenção no patrimônio em relação à escala urbana ................................................................47 3.3

Estudos de caso..................................................................................................................................................................49

3.3.1 Primeiro lugar no concurso para a requalificação urbana do centro histórico de São José – SC ...................................49 3.3.2 Intervenções em Praças históricas promovidas pelo PAC Cidades Históricas ...............................................................53 3.3.3 Intervenções em Praças históricas promovidas pelo PAC Cidades Históricas ...............................................................55 CAPÍTULO 4 – DIRETRIZES DE PROJETO ...............................................................................................................................57 4.1. Diretrizes iniciais ................................................................................................................................................................58 4.2.

Croquis esquemáticos .......................................................................................................................................................60

Bibliografia ....................................................................................................................................................................................61

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INTRODUÇÃO

Digam o que quiserem, Brasília é um milagre. Quando lá fui pela primeira vez, aquilo tudo era deserto a perder de vista.

Lucio Costa, revista Manchete, 1974 Brasília não é apenas uma cidade nova, surgida milagrosamente na solidão do altiplano; não é apenas técnica e arte, pioneirismo e arranjo. É antes de tudo a revolução, porventura a mais profunda do nosso tempo: a mudança na rota de um país empenhado em transpor a barreira do subdesenvolvimento e ocupar, entre os povos do mundo, o lugar que lhe cabe pela sua extensão, pelas suas riquezas, pelo valor de seus filhos.

Juscelino Kubitschek, (JK)

Dois relatos importantes sobre a construção de Brasília, o primeiro, do arquiteto e urbanista criador, o segundo, do presidente que a possibilitou.

Esses personagens tratam como milagre o fato de erigir a capital federal no meio de um “deserto solitário”, num verdadeiro nada. E isso, de certa forma, cria algumas questões. Essa região era realmente um “nada”? Ou seria para eles, apenas uma metáfora para engrandecer o que estavam fazendo? Ou ainda, comparando às metrópoles do litoral que estavam acostumados, o planalto era realmente uma região inóspita? Bem, podemos dizer que é um pouco de cada, a região era realmente um deserto populacional comparado ao que já havia em São Paulo e no Rio de Janeiro, mas se levarmos ao pé da letra, o Planalto Central nunca foi um nada. Segundo censo do IBGE, em meados da década de 50, na região onde foi construída a Nova Capital do país, existiam sete municípios: Corumbá de Goiás, Cristalina, Formosa, Luziânia, Pirenópolis, Planaltina de Goiás e Unaí. A população desses municípios era de aproximadamente 130 mil pessoas. Mesmo se compararmos aos 154 mil habitantes que haviam no DF já na sua inauguração, ou ainda, comparar aos mais de 3 milhões de habitantes de hoje, 2019, esses 130 mil habitantes e sete cidades ainda não seriam um nada. Mesmo pequeno e distante o Planalto Central já existia.

Paulo Bertran em seu livro “História da terra e do homem no Planalto Central” (2000) quis demonstrar que a história de Brasília, que está inserida no cerrado do Planalto Central, não se iniciou no dia 21 de abril de 1960. É uma história de milhões de anos, de mitos, conquistas, tragédias e descobertas. E por conta dessas descobertas, principalmente as do ouro, diversos povoados surgiram no interior do país, inclusive o Arraial de Santa Luzia, atual cidade de LuziâniaGO e que será o nosso objeto de estudo e de projeto.

A cidade de Luziânia foi um dos últimos núcleos urbanos a formar-se em função da mineração do ouro em Goiás. Segundo Joseph de Mello Alvarez

(1976), historiador local que deixou diversos manuscritos, foi em agosto de 1746, que o paulista Antônio Bueno de Azevedo partiu de Santo Antônio de Paracatu com uma grande bandeira, em busca de novas minas. As chamadas “bandeiras” foram movimentos exploratórios (em ambos os sentidos) que partiram sobretudo do atual estado de São Paulo em direção ao interior do Brasil, em busca de ouro e escravos.

Tomando a direção do sudoeste, Bueno de Azevedo chegou, no dia 13 de dezembro, às margens de um riacho, que passou então a ser chamado Rio Vermelho, onde foi encontrada grande quantidade de ouro. Seguindo o costume bandeirante de batizar os locais com o nome do santo do dia, foi dado o nome de Santa Luzia a povoação ali fundada.

Ainda segundo Alvares (1978), no ano de 1764, quase duas décadas após o descobrimento das minas, a extração aurífera continuou intensa, visto que a produção apresentada perante o fiscal foi de 13 arrobas e 23 libras de ouro - o que não incluía o ouro guardado e o contrabandeado. Mas já por volta do fim do século XVIII, a mineração começou a declinar em Santa Luzia, tal como já tinha ocorrido em toda província de Goiás. Com este declínio da mineração, a base da economia passou a ser a agricultura e a pecuária, definindo a vocação rural de muitas localidades do interior goiano até meados do século XX. Essa vocação esteve durante muito tempo associada à visão de “decadência” que marcou toda a região, e que também atingiu Santa Luzia.

Segundo Nars Chaul (1997) essa decadência foi ocasionada por diversos fatores, como a precariedade das estradas, a falta de incentivos da Coroa em infraestrutura de comunicação e o isolamento em que vivia o povo do interior.

Todo esse conjunto de negativas criou uma imagem de Goiás que ficou gravada, por intermédio da cultura dos viajantes, como verdade incontestável e repetida por alguns historiadores. Essa visão de decadência foi construída historicamente desde quando as terras do interior do Brasil não eram conhecidas. O interior era visto como o incógnito, lugar ermo e esquecido.

Associado ao mundo rural, o interior é o espaço delimitado para as sociedades tradicionais, marcadas pelo atraso – a famosa visão do caipira - em oposição à vida urbana que representa a modernidade. Lugar esquecido, não por acaso.

Modernizar o interior passou a fazer parte do projeto nacional republicano.

Podemos citar como exemplos, o projeto da transferência da capital mineira em 1897, da tradicional Ouro Preto para a planejada e moderna Belo Horizonte, e ainda a “Marcha para o Oeste” de Vargas, já nos anos 30 do século XX. Esse projeto de modernização proposto por Getúlio Vargas tinha como intenção integrar as regiões interiores ao restante do país e a inauguração de Goiânia, em 1937, foi a primeira tentativa de modernizar a região, em meio a cidades coloniais remanescentes do período do ouro e fazendas de gado.

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A ideia de modernização e integração do interior do país foi retomada com Juscelino Kubitschek, que concretizou essa intenção a partir de 1955, quando assumiu o governo. O grande marco desse projeto foi a inauguração de Brasília, em 1960. A Capital Federal foi construída no Planalto Central, no interior do território municipal de Luziânia, cidade marcada pela cultura sertaneja, “decadente” e esquecida que, em meio a uma mistura de desejo e espanto, viu Brasília ser erguida.

Ao construir Brasília dentro do seu território e tão próxima, a tradicional Santa Luzia foi sendo apagada e em seu lugar surgindo uma Luziânia moderna - a mudança de nome coincidentemente ocorreu um pouco antes, em 1943. Para isso, parte do seu patrimônio arquitetônico foi sendo alterado. Muitas casas coloniais foram demolidas, para dar lugar a casas de estilo mais moderno, pois era preciso acompanhar o ritmo modernista de Brasília.

Em reportagem publicada em 2016, o Jornal Correio Braziliense afirmou que o Ministério Público de Goiás (MPGO) realizou duas pesquisas que contabilizavam o patrimônio imóvel de Luziânia, o primeiro realizado em 1978 apontou 106 construções com importância para a biografia do município. A segunda, realizada nos anos 1990, registrou 64 imóveis nessa condição. Em 2003, a Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico Teixeira (Agepel) realizou outra contagem, por meio da qual se chegou a 28 edificações. Este serviu de instrução para o tombamento estadual provisório, por meio de um decreto, ainda em 2003 - Decreto nª 5835 de 30 de outubro de 2003. Após sete anos do tombamento provisório, foi aprovado o tombamento efetivo pelo Governo de Goiás por meio do Decreto Nº 7.096, de 20 de abril de 2010. Curiosamente, o tombamento municipal ocorreu depois, em 31 de maio de 2012, por meio do decreto nª 499.

Apesar desses três decretos, o patrimônio material de Luziânia continuou sem proteção e fiscalização efetivas. O IPHAN, autarquia que é responsável por isso em nível federal, deu início ao processo de tombamento da Igreja do Rosário e do conjunto arquitetônico da cidade em âmbito federal no ano de 1975 - Processo 0931-75-T. Este foi suspendido diversas vezes sob a alegação do corpo técnico de que não havia a necessidade de tombamento na esfera federal e, até o atual momento (outubro de 2019), não foi concluído. A proposta do parecer mais recente do IPHAN é pelo tombamento da Igreja do Rosário e de 29 casarões.

A medida que a cidade foi sendo alterada com a demolição dos casarões e com a criação de novos bairros, destinados às faixas de renda que não tinham acesso ao inflacionado mercado imobiliário do Distrito Federal, foi sendo imposto à Luziânia a condição de ser mais moderna, semelhante à Brasília.

Concomitantemente apareceram alguns problemas recorrentes nas periferias das grandes cidades brasileiras, como falta de infraestrutura urbana e suas

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consequências, trânsitos caóticos, altas taxas de violência e etc.

Diferente do que ocorreu em cidades como Ouro Preto-MG, Cidade de Goiás-GO, Pirenópolis-GO, e até mesmo Planaltina-DF, Luziânia ainda não conseguiu se encontrar como lugar de tradição ou de memória, mas por quê? A modernidade falou e ainda fala mais alto que a tradição? É necessário entender pelo menos parcialmente o processo de formação e transformação no tempo de Luziânia e dessas outras cidades para responder essas questões. Somente a partir disso, será possível propormos o nosso projeto de intervenção, projeto este que seja sensível ao processo histórico de formação da cidade. Logo, o objetivo desse plano de trabalho é a criação de uma proposta de intervenção no núcleo histórico original de Luziânia fundamentado nos subsídios históricos e teóricometodológicos pesquisados. E através dessa intervenção, a população possa identificar a cidade, ou pelo menos parte dela, como um lugar de memória e de tradição. Podendo, assim, tornar-se um lugar que coopere para preservação do seu patrimônio cultural.

Essa identificação pode servir para quebrar alguns paradigmas: Luziânia não é apenas uma cidade do entorno do DF, não é só uma cidade dormitório. Ela tem identidade própria, demarcada por suas raízes históricas, ou pelas tradições do interior que ainda podem ser vistas na cidade, como as festas do Divino Espírito Santo, a procissão do fogaréu, as cavalgadas e a forte ligação com o meio rural.

No primeiro capítulo deste trabalho, denominado “Luziânia, pré e pós Brasília” trataremos do contexto histórico-urbano da cidade, do seu processo de transformação, comparado parcialmente aos processos de outras cidades e embasado em teorias e conceitos.

No segundo capítulo “Luziânia, cidade do entorno” será apresentada a cidade como está atualmente, a forte ligação com Brasília, dados censitários, normas, leis urbanas e de proteção do patrimônio vigentes e, ainda, o levantamento das condições atuais do núcleo originário da cidade por meio da aplicação da ferramenta desenvolvida por Holanda e Kohlsdorf (2005) que analisa as dimensões morfológicas do lugar. Escolhemos este método por tratar a arquitetura como qualquer espaço socialmente utilizado.

O terceiro capítulo apresenta a teoria da preservação do patrimônio, principalmente em relação à escala urbana. Para essa escala apresentamos um estudo de caso, que será utilizado como referência para a nossa proposta de requalificação urbana de Luziânia.

Por fim, no último capítulo apresentaremos as diretrizes de projeto, com algumas referências e croquis esquemáticos de ideias iniciais.

CAPÍTULO 1 LUZIÂNIA, PRÉ E PÓS BRASÍLIA Este capítulo discorre sobre o contexto histórico da cidade, do seu processo de transformação, comparado parcialmente aos processos de transformação de outras cidades e embasado em teorias e conceitos.

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Salvador

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1.1. Do ciclo do ouro ao esquecimento

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São Paulo Figura 1 - Caminho da primeira bandeira ao Planalto Central Fonte da imagem: Bertram (2000)

A história do Planalto Central inicia muito antes do dia 21 de abril de 1960, é uma história repleta de conquistas, tragédias, descobertas e mitos. Antes da concretização como ciclo econômico e como parte do processo de transformação do território, a mineração no interior do Brasil teve um lado mítico.

Segundo Bertran (2000) o provável início da história de ocupação da região do Planalto Central ocorre com o mito do lago Dourado – Sabarabuçú para os indígenas. Os índios narravam a existência de um lago dourado nas nascentes comuns das bacias do São Francisco, do Prata e Tocantins. Claro, algumas bandeiras foram realizadas para a verificação desse mito. A precursora foi a de Domingos Luís Grou, realizada entre os anos de 1589 a 1593, essa seria a primeira bandeira a adentrar solo goiano como mostra a figura 1, segundo Bertran (2000).

Mas foi apenas ao longo do século XVIII que grandes descobertas e a exploração de metais, principalmente do ouro, foram concretizadas no interior do país. Foram encontrados, em um primeiro instante, lavras de ouro nos atuais estados de Minas Gerais em 1690 e Mato Grosso em 1718. Ainda segundo Bertram (2000), a primeira expedição ‘moderna’ com visos colonialistas no Planalto central ocorreu no início do século XVIII com o descobridor das minas dos Guayazes e fundador de sua colonização, Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera II. Já a descoberta das minas de Santa Luzia, onde hoje está Luziânia-GO, ocorre tardiamente, na década de 40 do mesmo século.

O historiador local José de Mello Álvares sem dúvidas é a principal fonte histórica sobre a cidade de Luziânia. Nascido na cidade, ele foi político, farmacêutico, médico, advogado, fazendeiro e escreveu diversos livros, entre eles a “História de Santa Luzia: descrição histórica, política e geográfica de Santa Luzia” de 1978, livro esse que foi utilizado como base para muitas pesquisas históricas

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Rio de Janeiro

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e que buscam confirmar as afirmações apresentadas pelo historiador local.

Segundo Álvares (1978) a fundação do Arraial de Santa Luzia se deu no dia 13 de dezembro de 1746 e seu fundador foi o bandeirante Antônio Bueno de Azevedo, que partiu de Paracatu em agosto de 1746, a procura de novas minas. Na margem de um riacho foi encontrando grande quantidade de ouro e no mesmo instante o bandeirante decidiu fundar o arraial com nome de Santa Luzia, por ser 13 de dezembro o dia consagrado a essa Santa. Logo, Bueno de Azevedo solicitou guardamoria à Capitania de São Paulo, o que lhe concedia de administração e repartição de lavras. A notícia se espalhou e, em poucos meses, a paisagem da região se transformou: Igrejas e casas foram levantadas, fazendas formadas e outros povoados surgiram nas proximidades.

Essa é a versão consagrada e conhecida por toda população, mas pesquisas recentes contestam algumas dessas informações, como a realizada por Jason Hugo de Paula (2017) em sua tese intitulada “Entre picadas, estradas e trieiros: os caminhos que levam à Freguesia de Santa Luzia. Negociantes, escravidão, família e mestiçagens na Capitania dos Goyazes. 1746 – 1800.” Paula (2017) diz que existe algumas evidências de que o descobrimento das minas de Santa Luzia tenha ocorrido antes de 1746. A primeira é um “mappa” de 1758 do ouvidor Antonio da Cunha Sotomaior que diz que a descoberta ocorreu em 1744. A segunda evidência é o registro de um relatório elaborado pela Câmara da Vila de Santa Luzia no ano de 1848 produzido pelos edis a partir dos documentos eclesiásticos e oficiais encontrados. Consta nesse relatório a cópia da abertura de um livro de registros de batizados datado em 4 de agosto de 1746. A partir dessas evidências, o professor Jason constata que “se em agosto de 1746 já havia Livros para os assentos dos batizados na Capela de Santa Luzia é bem crível que o marco de 13 de dezembro de 1746 não serve para indicar a data do descoberto de Santa Luzia” (PAULA, 2017). Essa

contestação é apenas uma mostra do quanto a história da cidade ainda pode ser explorada pela historiografia.

Uma coisa é certa: a Igreja Católica se mostrou presente em Santa Luzia desde o início, até por conta da presença dos livros de registros de batismo apresentados por Paula (2017). Álvares (1978) diz que o marco inicial de Santa Luzia se deu por uma modesta casa de oração localizada no topo de um morro às margens do garimpo e, ao seu redor, o arraial começou a se estruturar. O local dessa capela seria mais tarde onde a Igreja do Rosário seria edificada.

Como ocorrido em cidades da mesma época, a primeira grande edificação construída na cidade foi a Igreja Matriz, erguida entre 1765 e 1767. Logo, todo o Arraial de Santa Luzia no século XVIII, se concentrava entre as duas igrejas e contornadas pelos garimpos. Um documento presente na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, denominado: “O julgado de Santa Luzia na Notícia Geral da Capitania de Goiás em 1783” pode ser considerado como uma certidão de batismo de Santa Luzia, neste documento há uma descrição, provavelmente a primeira, de como era o Arraial ainda no Século XVIII: [...] Há no Arraial quatorze lojas de fazenda seca, entre maiores e menores. Há uma carregação de molhados. Há no dito Arraial setenta vendas ou tabernas. Há em todo o Julgado oitenta e uma casas de pessoas brancas. Há de pessoas pardas cinquenta e oito. Há de pessoas pretas e forras, vinte. Acha-se o dito Arraial povoado com duzentos e vinte moradores cabeças de pais de famílias os quais todos se ocupam em seu serviço de porta a dentro duzentos e vinte e cinco escravos. Todos os mais escravos que há em toda a Freguesia se ocupam ... e no mais ministérios conforme os tratos de seus senhores. [...] (O julgado de Santa Luzia na Notícia Geral da Capitania de Goiás, 1783)

e tem suas ruas razoavelmente retilíneas, mas mal e parcialmente calçadas. As casas de madeira e de barro, alinhadas lado a lado, são térreas. Só a casa do vigário tem mais um pavimento e possui janelas de mica. Fica numa praça grande, mas desigual, cujo centro é tomado pela Igreja Paroquial de Santa Luzia, que é espaçosa, com duas torres baixas, e construídas com o mesmo material das demais casas. Tem seis altares, mas todas as tábuas pintadas com cal. Uma segunda Igreja no alto a da Nossa Senhora do Rosário, foi danificada por um raio e ameaça desabar. Fora da aldeia fica a insignificante capela da Nossa Senhora da Abadia. Poucos antes da minha chegada tinham começado um edifício maior, que também foi atingido por um raio, ficando em ruínas. [...] Segundo um recenseamento feito em 1812, a população desta localidade e suas cercanias somavam 3886 almas. Desta época até hoje esses números antes diminuíram que aumentaram, dada a constante falta de negros. Os mulatos e pardos são maiorias [...] (Johann Emanuel Pohl in Viagem no interior do Brasil, pp. 112-114 – Belo Horizonte, Ed. Itatiaia / USP, 1976 apud Paulo Bertram)

Saint-Hilaire chegou a Santa Luzia cinco meses após Dr. Pohr. Em seu livro “Viagem às nascentes do São Francisco e pela província de Goyas” (1937) também fez o seu relato sobre o arraial:

No início do século XIX o Arraial de Santa Luzia recebeu a visita de diversos viajantes, como o cientista Dr. Pohr, o botânico Saint-Hilaire e o Marechal Raymundo José da Cunha Mattos. Cada um fez um relato sobre o Arraial.

Escreve o Dr. Pohr em sua passagem no ano de 1818 por Santa Luzia:

Extremamente estreita, a povoação de Santa Luzia alarga-se todavia na parte média de seu comprimento. Lá encontra-se uma praça quase quadrada, onde foi construída a igreja parochial, bastante grande, isolada como o são, em geral, os edifícios religiosos nessa província e em Minas, regularmente ornada no interior, mas sem tecto. Além da igreja parochial, existe ainda uma em cada extremidade da povoação.

A primeira, a de Nossa Senhora do Rozário, foi construída pelos negros no tempo em que se encontrava ouro em abundancia nos arredores da povoação; hoje em dia, que o número destes diminuiu bastante e todos os que ainda restam, livres ou escravos, vivem na indigência, a sua igreja cai em ruínas. A segunda foi começada pouco tempo antes da minha passagem, e prosseguiam na construção apesar da pobreza extrema, a que estavam reduzidos os habitantes de Santa Luzia; [...] A maioria das povoações de Minas e Goyas, que devem sua origem a minas de ouro, devem ter sido encantadoras no tempo do seu esplendor, e Santa Luzia, certamente, foi uma das mais agradáveis: suas ruas são bastante largas e regulares; as casas, em número de cerca de trezentas, são, na verdade, construídas de páu e barro, e menores e mais baixas que as das povoações que percorrera até então; mas são todas cobertas de telhas, rebocadas com esta terra branca que chamam tabatinga no interior do Brasil, e algumas têm nas janelas caixilhos de talco tão transparentes como o vidro. (SaintHilaire, 1937, op. Cit,. Pp. 24-34 apud Paulo Bertram)

A cidadezinha está situada pitorescamente na encosta de uma colina

Em setembro de 1823, o ainda brigadeiro Raymundo José de Cunha Mattos

Com o declínio da mineração do ouro no fim do século XVIII, o Arraial de Santa Luzia passou por suas primeiras grandes transformações. A quantidade de moradores do arraial diminuiu, muitos foram para as suas fazendas ou retornaram para as suas cidades de origem, e a economia de sustentação baseada na agricultura e na pecuária, que já era importante, se tornou predominante. Essa transformação modificou o centro urbano: casas foram abandonadas ou recebiam seus moradores apenas nos fins de semana, quando vinham da zona rural para realizar compras e vendas, e as ruas recebiam mais comércios para receber essas produções da zona rural, porém a conformação urbana, as ruas largas e as grandes igrejas e largos ficaram de herança do tempo áureo da mineração.

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2 Figura 2 – Dr. Pohr, o botânico Figura 3 - Saint-Hilaire e Figura 4 - Raymundo José da Cunha Mattos Fonte das imagens: Google

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passou por Santa Luzia e deixou seu relato num excerto encontrado por Paulo Bertram na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e que se intitula “Itinerário do Rio de Janeiro ao Pará e Maranhão pelas províncias de Minas Gerais e Goiás”: [...] 3 de setembro – quarta-feira – O Arraial de Santa Luzia, de legoa de extensão, alguma boas casas, grande praça, duas bellas ruas, Casa de Conselho a melhor de todos os arraiaes que até agora tenho visto; Igreja Matriz de Santa Luzia com oito altares mui decentes e dous companario; outra Igreja do Rosario edificada em hum terreno alto, e outra de Nossa Senhora da Abbadia que se está edificando.

Fiquei hospedado na casa do Rmo. Vigario Paroquial João Teixeira Alvares, pessoa de muita instrucção e virtudes, a rogos do Sargento Mór Commandante do Districto Gabriel Fernandes Roriz. O arraial hé cortado ao meio por hum córrego aurífero, em que há ponte de madeira. A situação hé bella e saudável. Tem 300 fogos. Hoje iluminouse o Arraial que está muito caiado. [...] (Cunha Mattos op. Cit,. P 166 apud Paulo Bertram, p. 213)

Esses três viajantes passaram pelo Arraial de Santa Luzia no início do século XIX, mas um quarto viajante denominado Oscar Leal passou por lá já no fim do mesmo século, com isso é possível confirmar que o arraial não sofreu tantas transformações durante esse período.

Oscar Leal era um dentista português que percorreu a província de Goiás no último vintênio do século XIX e deixou descrições sobre o estado no livro “Viagem as terras Goyanas”, publicado em 1892. No ano de 1889 ele chegou em Santa Luzia. Em seu livro, ele relata que na época, os “bem entendidos” já chamavam Santa Luzia pelo nome de Luziânia, o que pode ser entendido como

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um princípio da vontade da sociedade em modernizar a cidade, lembrando que o arraial da Santa Luzia foi elevado à categoria de vila em 1º de abril de 1833 e à de cidade em 5 de outubro de 1867. Oscar Leal detalha também a quantidade de ruas, os tipos de casas, os comércios e o centro da cidade que era o Largo da Matriz. Além de escrever, ele ilustrou o centro da cidade, provavelmente a primeira imagem de Santa Luzia que se tem registro. No seu desenho é possível perceber que havia uma pequena quantidade de casas, os morros ao fundo que hoje estão todos ocupados e antiga Igreja Matriz, com as duas torres e estilo colonial, nota-se a semelhança dessa com a Igreja de Nossa Senhora do Rosário.

Em 1891, dois anos após a visita de Oscar Leal a Santa Luzia, um importante capítulo nacional ocorreu: a publicação da primeira Constituição Federal do país. Essa determinou a demarcação do território onde seria construída a futura capital federal. Para tirá-la do papel, um grupo de cientistas brasileiros e europeus desbravou o Planalto Central para registrar tudo o que havia na região e traçar o quadrilátero em que seria construída a nova capital federal. Nessa missão, realizada entre os anos de 1892 e 1894, vindos do Rio de Janeiro, eles montaram acampamentos em quatro cidades: Pirenópolis, Corumbá, Formosa e em Santa Luzia.

Esse grupo era formado por pesquisadores, geólogos, geógrafos, botânicos, naturalistas, engenheiros e médicos, que eram chefiados pelo astrônomo e geógrafo belga Louis Ferdinand Cruls. Eles mapearam aspectos climáticos e topográficos, além de estudar a fauna, a flora, os cursos de rios e o modo de vida dos habitantes. Em Santa Luzia ficaram impressionados pelas riquezas naturais, em especial, a grande quantidade de água e realizaram a fotografia do acampamento na cidade. Nesta fotografia podemos notar que acamparam

5 próximo à rua do Rosário, na região mais próxima do rio Vermelho e em último plano podemos ver a Igreja Matriz ainda com estilo barroco e duas torres sineiras. Provavelmente essa é a melhor imagem da antiga Santa Luzia e da antiga Matriz.

Até 1960 Luziânia continuou sem sofrer grandes transformações, permaneceu isolada e a população mantinha o sentimento que estava esquecida. Gelmires Reis, outro nome muito importante para a história local, relata em entrevista para o Correio Braziliense (2016) que até a construção de Brasília a cidade tinha a construção, de no máximo, duas casas por ano. As maiores mudanças ocorridas na cidade nesse período foram: implantação do jornal O Planalto em 1910 e que ficou em circulação até 1945; a reforma da Igreja Matriz em 1925, que a descaracterizou completamente; e a troca do nome da cidade em 1943, por conta de um decreto federal que proibia ter duas cidades com o mesmo nome, assim Santa Luzia teve que mudar para Luziânia, pois já havia uma Santa Luzia mais antiga em Minas Gerais.

A partir dos relatos dos viajantes e fotografias feitas até 1960, podemos criar um mapa evolutivo da cidade até essa data (ver figura 6). O marco inicial foi uma modesta casa de oração erguida localizada no topo de um morro às margens do garimpo, onde hoje está a Igreja do Rosário. Depois ocorreu a construção da Matriz entre 1765 e 1767 no lado oeste do Rio Vermelho, ao redor dela foi formado o largo, com construções como a casa de Câmara e Cadeia, casa do Vigário/Pároco e casa do guarda-mor as contornando. No fundo da Matriz estava a Praça do Tamboril, onde havia uma árvore da espécie tamboril, conhecida pelo grande porte. A partir do largo surgiram as primeiras ruas, a inicial provavelmente foi a do Rosário, que ligava os dois lados do Rio Vermelho. O lado oeste composto pelo largo da Matriz e o lado leste, composto

pela Igreja do Rosário dos pretos e o garimpo (ver figura 6).

Saint-Hilaire em seu relato, disse que suas ruas eram bastante largas e regulares e Dr. Pohr disse que havia duas belas ruas, provavelmente ambos estavam se referindo ao que hoje são as ruas Santíssimo Sacramento e Coronel Antônio Carneiro, antes denominadas como ruas da Cotta e do Jambeiro, respectivamente. Além dessas duas, havia uma outra menor e mais próxima ao riacho, que é atual Rua José de Melo. Antes ela era conhecida como rua da Cadeia, pois tinha início justamente onde situava a antiga Casa de Câmara e Cadeia no largo da Matriz. Essas três ruas surgiram ao lado direto da Igreja Matriz e cresceram na direção sul do Arraial, apenas a Rua do Rosário – que sempre teve esse nome – que inicia a leste do largo e cresceu em sentido nordeste (ver figura 6).

6 Figura 3 - Ilustração de Santa Luzia feita por Oscar Leal, destaque para Igreja Matriz original Fonte da imagem: Viagem as terras Goyanas, Oscar Leal (1989) Figura 5 - Acampamento da Missão Cruls em Santa Luzia, no fundo a Matriz original (1892) Fonte da imagem: ArPDF - Arquibo Público do Distrito Federal

Ainda pelos relatos dos viajantes, podemos supor ainda que a outra igreja, a de Nossa Senhora da Abadia e que hoje não existe, ficava a sul do Arraial, na extremidade das atuais ruas Santíssimo Sacramento e Coronel Antônio Carneiro. Com o passar dos anos, essas duas grandes ruas cresceram na direção noroeste, ao lado esquerdo da Matriz. A primeira, até a chegar a nascente d’água denominada três bicas e que resiste até hoje. A segunda, até chegar a praça Evangelino Meireles, esse trecho da rua ficou conhecido como rua do Vai e vem. A seguir temos o mapa do núcleo original do Arraial de Santa Luzia e fotografias dos locais mais importantes desse período.

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Igreja do Rosário

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Rua do Rosário Vi

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Área de garimpo

Três Bicas

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Figura 7 – Mapa do núcleo original do Arraial de Santa Luzia, séc. XIX Fonte da imagem: Autoral Figura 8 – Igreja do Rosário, década de 60 Fonte da imagem: Casa da Cultura de Luziânia Figura 9 – Casa do Pároco ou de Saint-Hilaire, 1954 Fonte da imagem: IBGE Figura 10 – Rua Santíssimo Sacramento, década de 50 Fonte da imagem: Casa da Cultura de Luziânia Figura 11 – Casa de Câmara e Cadeia, demolida na década de 60 Fonte da imagem: Casa da Cultura de Luziânia

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Câmara e cadeia Igreja Matriz Rua da Cotta / Santíssimo Sacramento

Rua do Jambeiro / Coronel Antônio Carneiro

Casa do Pároco

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Rua da Cadeia / José de Melo

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Igreja Nossa Senhora da Abadia

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13 Figura 12 – Rua do Rosário, 1954 Fonte da imagem: IBGE Figura 13 - Largo da Matriz, Casa do pároco ou de Saint-Hilaire ao centro, 1954 Fonte da imagem: IBGE Figura 14 - Largo da Matriz em meados da década de 60 com a Matriz já descaracterizada Fonte da imagem: Casa da Cultura de Luziânia

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1.2. Brasília: o sonho de progresso se torna realidade

Figura 15 – Mapa do plano de urbanização de Luziânia em 1956 (adição do autor do mapa do núcleo original) Fonte da imagem: Acervo IPHAN

Em meados da década de 50 todos já sabiam da construção de Brasília nas proximidades de Luziânia, era a esperança de que a cidade entraria no mapa do desenvolvimento e da modernidade. A prefeitura logo preparou um Plano Diretor em 1956 - lei que determina os espaços públicos, particulares, zoneamentos - e nesse plano foi criado o mapa a seguir, com delimitação de novas ruas, quadras e espaços públicos. Esse Plano Diretor foi aprovado pela lei número 47 de 14/9/1956 assinada pelo prefeito Benedito Roriz de Paiva. O Plano de Urbanização presente neste plano diretor foi assinado pelo engenheiro e arquiteto Domingos Roriz. Segundo uma matéria publicada no jornal O Popular (2019), Domingos nasceu em Luziânia e é filho de América do Sul Roriz e Germano Roriz, que fez parte da equipe de Pedro Ludovico Teixeira na construção de Goiânia.

Domingos Roriz é formado pela Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais. Foi arquiteto da Prefeitura de Goiânia, da antiga Caixa Econômica de Goiás (Caixego) e fez vários projetos de casas e edifícios da capital. É curioso a forma como a cidade era apresentada no mapa, como uma cidade bicentenária e a mais próxima da nova capital, que haveria uma grande valorização e exaltando o clima local, com média de 18º e altitude de 950m. Interessante notar o que foi planejado para as novas áreas de expansão. Na proposta haveria um

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parque no centro da cidade, onde hoje está o shopping e quadras próximas, e diversas praças, estacionamentos e equipamentos públicos, como escolas, teatros e hospitais. Era o sonho da prosperidade e da modernidade tomando forma, a chance de Luziânia ser reconhecida.

Em 1974, João Roberto Lavieri e Maria Beatriz Ferreira realizaram uma pesquisa na Universidade de Brasília denominada “Luziânia, estudo do espaço urbano”, nela é analisada a evolução da cidade de Luziânia até o ano em que realizaram o trabalho. Este provavelmente é o primeiro estudo que demonstra a influência da construção de Brasília no território urbano de Luziânia. Eles separam a cidade em quatro regiões, sendo uma delas a parte tradicional, formada pela Rua do Rosário e seus arredores. Até então essa parte da cidade estava intacta e separada do restante da cidade, por conta dos locais de garimpo que tinham modificado bastante o terreno e deixado impróprio para a construção de casas, para eles esse fato também é uma condicionante para a direção do crescimento da cidade.

A evolução de Luziânia definiu no decorrer do tempo, de acordo com as funções e necessidades de cada época, reestruturações e modificações na sua estrutura urbana; fenômeno que se reflete na composição atual da cidade, fornecendo elementos para uma predefinição de áreas ou centros, contando com: Uma parte tradicional, ligada a mineração; Uma parte mais equipada e diversificada, que hoje funciona como centro da cidade, decorrente da transferência da principal atividade anterior da cidade - a mineração – para uma economia baseada na produção agropecuária (no município) e no comércio (na cidade); Uma parte caracterizada como decorrente do crescimento da cidade (principalmente com a implantação de Brasília) e da necessidade de uma reorganização de seus equipamentos urbanos; E uma quarta parte, constituída por núcleos habitacionais periféricos, decorrente do fenômeno de expulsão urbana.(LAVIEIR, 1974. P.1)

Neste estudo eles apresentaram diversos mapas, no primeiro é demonstrado essas quatros regiões. Nesse mapa é claro que a expansão proposta no plano diretor de 1956 foi praticamente todo construído até 1974, outro detalhe muito importante é que a região tradicional ficou realmente afastada do restante da cidade. Além do fato de o garimpo ter deixado o terreno próximo ao Rosário impróprio para a construção de casas, os autores afirmam que isso ocorreu também como reflexo do abandono das casas pela população para morar na zona rural, desde o período de declínio da mineração. Os moradores dessas casas na década de 70 eram em maioria de baixa renda e não possuíam a posse registrada dessas, pois não haviam registros de proprietários. Os autores complementam: Sua população caracteriza-se como marginal tradicional, de certo modo não atenta às transformações do tempo, por sua situação estática no processo de transformação do meio urbano em que vivem.

A principal importância da parte tradicional é como patrimônio histórico regional e como formação da cidade (núcleo inicial), sendo que suas funções mais importantes são de área estritamente habitacional e de acesso alternativo para Luziânia. (LAVIERI 1974. p.1)

Figura 16 – Mapa de evolução da cidade de Luziânia Fonte da imagem: João Roberto Lavieri e Maria Beatriz Ferreira

16 Além de fazer esse estudo de evolução e crescimento da cidade, João Roberto Lavieri e Maria Beatriz Ferreira apresentaram a situação de Luziânia em 1974 e ainda apresentaram tendências de desenvolvimento e perspectivas para o futuro. Luziânia vivia na década de 70 um grande fervor, as ruas planejadas eram ocupadas com grande velocidade, mudanças administrativas importantes estavam ocorrendo, como a construção de novos edifícios da prefeitura, câmara dos vereadores e fórum. “A implantação de Brasília e a consequente atração de contingentes populacionais para sua região fizeram com que Luziânia experimentasse pela primeira vez desde a mineração um processo de crescimento.” (LAVIERI, João e FERREIRA, Maria. 1974) Em números de estabelecimentos e empresas, Luziânia em 1974 contava com 93 estabelecimentos de comércio, 115 estabelecimentos de serviço, 13 indústrias e no município 4221 estabelecimentos agropecuários. Não se sabe ao certo o que eles defiram como estabelecimentos agropecuários, entretanto

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17 Figura 17 – Praça do Tamboril em 1983 Fonte da imagem: Site IBGE Figura 18 – Igreja Matriz em 1983 Fonte da imagem: Site IBGE Figura 19 – Igreja do Rosário em 1983 Fonte da imagem: Site IBGE Figura 20 – Nova Prefeitura em 1983 Fonte da imagem: Site IBGE

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esses números mostram que a cidade ainda tinha como principal atividade econômica a agricultura e agropecuária, inclusive para abastecer a nova capital. O meio urbano de Luziânia pelo menos até a década de 80 teve muita ligação com o meio rural. Para os autores, essa ligação com o meio rural não iria durar muito tempo e a cidade se industrializaria, por conta da proximidade com Brasília e a ligação com a rodovia BR-040, que passa por Belo Horizonte e Rio de Janeiro.

imóvel de Luziânia em duas pesquisas. A primeira, realizada em 1978, apontou 106 construções com importância para a biografia do município. A segunda, realizada nos anos 1990, registrou 64 imóveis nessa condição. Em 2003, a Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico Teixeira (Agepel) realizou outra contagem, por meio da qual se chegou ao número de apenas 28 edificações.

O patrimônio imóvel de Luziânia foi o grande prejudicado pelas transformações provocadas por influência da construção de Brasília.

A cidade continuará a crescer, pelo poder de atração que o meio urbano tem sobre o meio rural e também devido a possibilidade da cidade transformar-se em um centro regional com a implantação de novas indústrias [...] Isto significa que o fenômeno de urbanização de Luziânia sofrerá grande aceleração, enquanto a cidade passará a assumir novas funções. (LAVIERI, João e FERREIRA, Maria. 1974)

A construção de Brasília no Planalto Central foi a forma efetiva de modernizar o interior e essa modernização do sertão sempre fez parte do projeto nacional republicano. Podemos citar como exemplos, o projeto da transferência da capital mineira em 1897, da tradicional Ouro Preto para a planejada e moderna Belo Horizonte, e ainda a “Marcha para o Oeste” de Vargas, já nos anos 30 do século XX. Esse projeto de modernização proposto por Getúlio Vargas tinha como intenção de integrar as regiões interiores ao restante do país e a inauguração de Goiânia, em 1937, foi a primeira tentativa de modernizar a região, em meio a cidades coloniais remanescentes do período do ouro e fazendas de gado.

Outra possibilidade futura para os autores, seria de Luziânia, devido a sua proximidade com Brasília e o baixo custo de seus imóveis relativamente a Brasília, transformar-se em cidade dormitório da capital. Isso se intensificaria caso Brasília oferecesse melhores possibilidades de emprego e na medida em que Luziânia conseguisse oferecer boas condições de equipamentos e vida urbana. O fato é que Brasília teve forte influência sobre as transformações de Luziânia, tão aceleradas como Ferreira e Lavieiri esperavam, mas não da forma como apresentaram. O núcleo histórico e seu patrimônio arquitetônico não foram preservados e sendo alterados com o passar dos anos. Muitas casas de estilo colonial foram demolidas na década de 80, para dar lugar a casas de estilo mais moderno e acompanhar o ritmo da capital federal.

Em reportagem publicada em 2016, o Jornal Correio Braziliense (2016) afirmou que o Ministério Público de Goiás (MPGO) contabilizou o patrimônio

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Uma coisa há em comum entre esses dois casos e Luziânia, foram construídas próximas a elas cidades modernas, no caso das duas primeiras, as novas cidades foram construídas para substituir as antigas cidades coloniais como capitais de seus respectivos estados. No estado de Goiás, a cidade de Goiânia foi erguida num local de geografia contínua, com poucos morros e baixadas, caracterizada por ser uma região do Planalto Central do Brasil, bem distinto da Cidade de Goiás, que fica a cerca de 170Kms da nova capital. Em Minas Gerais, a cidade de Belo Horizonte foi construída a 98Kms de Ouro Preto, bastante próximas e com fortes ligações.

21 A atual cidade de Goiás, na época Arraial de Santana, depois Vila Boa, foi fundada em 1729 por Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera II. O município foi reconhecido em 2001 pela UNESCO como sendo Patrimônio Histórico e Cultural Mundial por sua arquitetura barroca peculiar, por suas tradições culturais seculares e pela natureza exuberante que o circunda. Tal como Luziânia, no século XIX até 1937, a cidade de Goiás viveu um período de discreta expansão urbana. Foi um período no qual praticamente todo o interior brasileiro buscou desenvolver-se num contexto regional ainda semelhante ao colonial, pela estrutura política e pelas tremendas dificuldades em administrar o território. Mas em 1937, com a transferência da capital para Goiânia, sua dinâmica urbana foi alterada, diversas instituições e famílias inteiras deixaram a cidade e consequentemente, vários imóveis sem uso. O estado de abandono desses espaços fez surgir, em pouco tempo, ruínas e edifícios inabitáveis.

Esse abandono foi temporário, em pouco tempo o município criou normas e o IPHAN deu início aos tombamentos na cidade. Em 1950, o Iphan tombou como monumentos históricos suas principais igrejas e o quartel. Em 1951, foi a vez da antiga Casa da Câmara, do palácio e da rua vizinha à Fundição, bem como do Chafariz de Cauda. Com a formação de novos bairros, a partir de 1970, com construções baixas, o Instituto tombou o centro histórico em 1978.

Segundo Karine Camila Oliveira (2014) num primeiro momento a assimilação dos primeiros tombamentos não foi positiva, pois acreditava que o tombamento comprometeria o possível progresso da cidade, contestando inclusive, os valores atribuídos. Diante dos embates ocorridos, o poder público buscou medidas para reduzir os gastos dos proprietários de imóveis tombados fixando em 10% os impostos prediais urbanos sobre os imóveis protegidos. O argumento apresentado afirmava que a lei era necessária para fazer justiça aos

entraves e limitações que o tombamento teria imposto aos proprietários, uma vez que não era permitido reformas que descaracterizasse, nem reconstruções nos “moldes oficiais ou estilo moderno, de modo a embelezar o aspecto da cidade” (GOIÁS, 1960, p.01, apud Oliveira). Outro fator importante para a preservação das edificações é o fato de que as famílias tradicionais mantiveram seus patrimônios, ou seja, os proprietários ainda detinham da posse registrada desses imóveis, o que facilitava o processo de tombamento e preservação.

22 Figuras 21 e 22 – Rua Nossa Senhora da Abadia em Goiás, da esquerda para direita, 1957 e 2018 Fonte da imagem: Site IBGE e Google respectivamente

Além dessas medidas do poder público, a espoliação foi um outro fator determinante para a manutenção da estrutura urbana e arquitetônica existente na cidade de Goiás. De acordo com Oliveira (2014) ao deixar de ser capital, a cidade deixou de sofrer as pressões desenvolvimentistas, no que se refere à especulação do solo, inserção de novas tipologias arquitetônicas, transformação das funções urbanas, etc. Porém, até 1960, a estrutura socioeconômica da cidade permaneceu ainda fiel ao sistema oligárquico e pecuarista. Esse sistema tradicional se mostrou benéfico na preservação do patrimônio cultural, evidentemente restrita aos interesses e às visões das classes dominantes.

Em Ouro Preto, ocorreu algo semelhante a Goiás. Fundado em 1711, a antiga Vila Rica chegou a ser a cidade mais populosa da América Latina, contando com cerca de 40 mil pessoas em 1730 e, décadas após, em 80 mil. A Cidade Histórica foi o primeiro sítio brasileiro considerado Patrimônio Mundial pela UNESCO, título que recebeu em 1980. Foi considerada patrimônio estadual em 1933 e monumento nacional em 1938.

Em 1897 com a fundação de Belo Horizonte, Ouro Preto adentra em um período de melancolia. No entanto, Caion Meneguello Natal (2013) afirma que o esquecimento que a cidade vivenciou atuou como catalisador de sua

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23 Figuras 23 e 24 – Praça Tiradentes, da esquerda para a direita, 1957 e 2018 Fonte da imagem: Site IBGE e Google, respectivamente

reinvenção. A luta contra o esquecimento motivou, além da busca de alternativas para o progresso, a criação de uma nova visão sobre a antiga capital mineira; seu passado torna-se o motivo de sua preservação arquitetônica. Ainda de acordo com Natal (2013), Ouro Preto deixando de ser capital de Minas Gerais, mas sendo vista como uma cidade “antiga”, e representando, pela sua arquitetura, a imagem de um mundo pretérito, passa a ser pronunciada como a cidade guardiã de uma memória histórica que resiste aos processos sociais destrutivos do mundo moderno, ou seja, como um “lugar da memória”.

Natal (2013) conclui então, que em Ouro Preto os mesmos fatores que contribuíram para o esquecimento, foram responsáveis pela ruptura do presente com o passado e na medida que isso ocorreu, foi estabelecido uma perspectiva de diferença entre esses tempos, que serviu de fonte para a “criação” de valores históricos. Essa valoração foi tanta que Ouro Preto foi a primeira cidade considerada monumento nacional em 1938.

Hoje, tanto a cidade de Goiás, quanto Ouro Preto, são partes de redes de cidades que gravitam em torno das novas capitais. As duas cidades exercem atualmente uma certa polaridade cultural, em parte por suas tradições, destacando-se hoje também pelo desenvolvimento de novos centros de ensino superior, para atender a população de suas regiões. De acordo com Oliveira (2014) isso é mais que uma tendência, é uma opção diferencial em relação às demais cidades das suas regiões, principalmente às suas capitais, e também uma forma encontrada de dar mais usos aos imóveis. Logo, entendemos que essas cidades para lutar contra o esquecimento, não buscaram acompanhar o ritmo e a transformação das capitais, valorizaram mais a história do que o progresso.

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24 Então, o que difere Ouro Preto e cidade de Goiás de Luziânia? Como vimos, todas as três surgiram pela mineração do ouro, desenvolveram economicamente por conta dessa atividade, passaram por um século de estagnação econômica e tiveram grandes cidades modernas e planejadas construídas nas suas proximidades. Apesar dessas semelhanças, percebemos que houve muitas diferenças nos processos de transformação dessas cidades. Luziânia nunca foi uma cidade com a importância política e econômica de uma capital, como Cidade de Goiás e Ouro Preto; por conta disso a cidade ficou muito mais isolada do restante do país, sem grandes trocas comerciais e pouca comunicação, além do fato que esse período foi muito mais longo.

Logo a “decadência” e o isolamento vivido pela população de Luziânia foi muito mais intenso do que nas capitais de Minas Gerais e Goiás. Concomitantemente, o desejo de progresso e modernidade era muito maior, a visão que se tinha da cidade, tanto dos seus moradores quanto dos órgãos públicos, era o de atraso e que esse atraso não deveria ser preservado, mas, sim, vencido. Por isso, ao construir Brasília tão próxima, Luziânia acabou vendo esse fato como a grande oportunidade de progredir e, infelizmente, preservar o seu passado “decadente” era o desejo de poucos.

CAPÍTULO 2 LUZIÂNIA: CIDADE DO ENTORNO Neste capítulo será apresentado a cidade como está atualmente, a forte ligação com Brasília, dados censitários, normas, leis urbanas e de proteção do patrimônio vigentes e as dimensões morfológicas do lugar.

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25 Figuras 25 – Desdobramentos do território municipal de Luziânia Fonte da imagem: Eduardo Queiroz (2007) Tabela 1 – Evolução da população das cidades que estão no território municipal original de Luziânia.

Fonte: IBGE - Censos Populacionais de 1950 -2010. População estimada 2019.

2.1. Do ciclo do ouro ao esquecimento Antes de apresentar as condições atuais da cidade de Luziânia, é interessante imaginar como ela estaria se não tivesse passado por algumas transformações geográficas, como por exemplo os desdobramentos do seu território. Assim temos uma noção mais ampla da transformação do território municipal de Luziânia. Esse processo de desdobramento teve início no início do século XX com a criação do município de Cristalina em 1916, mas se intensificou após a construção de Brasília e com a reocupação intensiva de região adjacente ao DF, principalmente nas duas últimas décadas do século XX. A partir de Luziânia, surgiram os municípios de Padre Bernardo, Santo Antônio do Descoberto, Mimoso de Goiás, Cidade Ocidental, Novo Gama, Valparaíso de Goiás e Águas Lindas de Goiás.

Eduardo Pessoa de Queiroz (2007) fez um longo estudo sobre a formação histórica da RIDE – Região integrada do Distrito Federal e Entorno, no qual apresenta o impacto da construção de Brasília na região do Planalto central.

No mapa a seguir são mostrados o processo e as etapas de desmembramento do território municipal de Luziânia. É possível observar também, que a maior parte do território atual do Distrito Federal fazia parte do município de Luziânia, por isso não é inapropriado dizer que a cidade acolheu Brasília.

A partir desse mesmo mapa, criamos uma tabela com o censo demográfico das cidades que compreendiam o território original do município de Luziânia.

Na tabela 1, observamos que o quantitativo populacional desse território, após a construção de Brasília, foi de 177 mil pessoas em 1960, para mais de 3 milhões e 961 mil pessoas estimadas em 2019. Um crescimento populacional de 2235%.

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Uma taxa de crescimento como essa deixa claro o quanto Luziânia se transformou nas últimas décadas e, principalmente, por influência de Brasília.

Menos de 20% da sua população atual, que é estimada em 208 mil habitantes, é natural do lugar. A imensa maioria da população constitui-se de migrantes, sem vínculo afetivo com a história da cidade e suas tradições. Conforme texto de Andrey Shlee, Ana Elisabete Medeiros e Oscar Ferreira (2009) este vínculo e a identidade da população com o lugar são essenciais para a preservação do seu patrimônio cultural, pois sem o interesse da população, a valorização dos bens patrimoniais - no nosso caso os imóveis - será reduzida e fatores, como a modernização e a especulação imobiliária, terão mais importância.

Nos mapas a seguir, temos uma ideia da relação atual da cidade com Brasília e com entorno sul do Distrito Federal, e também a relação do núcleo histórico original com o restante da cidade. Apesar da falta de identificação da maior parte a população com a cidade, Luziânia ainda mantém uma certa identidade, expressa principalmente por suas raízes históricas e pelas tradições do interior, que ainda podem ser vistas e vivenciadas por uma pequena parte da população.

Como exemplos dessas tradições, temos: a festa do Divino Espírito Santo, a procissão do fogaréu, a produção de comidas típicas como a marmelada, as cavalgadas e a forte ligação da população com o meio rural.

Infelizmente, não se pode dizer o mesmo da manutenção da identidade arquitetônica de Luziânia. Como já foi apresentado, entre as décadas de 70 e 90, a quantidade de construções, com importância para a biografia do município, caiu pela metade. Segundo reportagem do Correio Braziliense (2016), em 2003, a Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico Teixeira – AGEPEL, realizou uma contagem de imóveis com características coloniais, por meio da qual se chegou a 28 edificações. Nessa contagem não foi incluída

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a igreja do Rosário, que só foi restaurada pelo IPHAN em 2011 por conta da liberação de uma emenda parlamentar no ano anterior. Nem mesmo a Igreja que se mantém íntegra é tombada pelo IPHAN. O mesmo não pode ser dito dos casarões, estes estão em péssimo estado de conservação ou bastante descaracterizados. De acordo com Victor Vieira da Rocha (2018) grande parte dos imóveis apresentam diversas manifestações patológicas relacionadas a presença de umidade e provocadas por infiltrações.

A madeira e o barro, principais materiais construtivos dos casarões, são bastante fragilizados quando estão em contato constante com a água. E por conta do custo mais elevado de restauro desses imóveis, construídos com materiais e técnicas menos comuns atualmente, estes são abandonados ou reformados inadequadamente. Um claro exemplo desse descaso com os imóveis históricos da cidade é a situação que se encontra a casa que pertencia ao artista local DJ de Oliveira, que faleceu em 2005.

De acordo com Rocha (2018), o casarão está localizado na Rua do Rosário, de número 362 e é propriedade privada dos seus herdeiros. Dirso José de Oliveira ou DJ de Oliveira, foi um dos principais artistas de Luziânia. Segundo José Alfio (2003), o artista local nasceu em 1932 na cidade de Bragança Paulista – SP e faleceu em Goiânia – GO no ano de 2005. Ele foi pintor, gravador, cenógrafo, figurinista e professor. Morou em várias cidades até que em 1973 mudou-se para a cidade de Luziânia, onde produziu diversas obras para a cidade, a mais conhecida é o painel das Três Bicas, onde ele narra toda a história e mostra as principais manifestações culturais de Luziânia.

A fachada de sua casa possuía seis vãos, três janelas do lado esquerdo e três portas do lado direito, provavelmente a casa serviu de comércio e residência

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desde o início. Parte da fachada, como é possível observar na figura 33, acabou ruindo. O piso é revestido de tábua corrida, exceto na cozinha e varanda. A estrutura é autônoma de madeira, com baldrame aparente sobre embasamento de pedra de canga rebocada. As vedações são de pau a pique com algumas intervenções de adobe, que é possível confirmar pela parte que desabou. O telhado é de quatro águas com caibros de paus roliços, ripas de madeira serrada e cobertura de telha capa e canal originais. É o que está em pior estado de conservação, grande parte dela ruiu, vide figura 34.

Além dos casarões arruinados, há muitos com fachadas descaracterizadas por letreiros e placas. O sobrado da figura 32 sofre com estes problemas. Como comentamos anteriormente, este é conhecido como casa do Pároco ou de SaintHilare, e é provavelmente o de maior importância histórica da cidade. O imóvel serviu por muitos anos como a casa do Vigário da Paróquia de Santa Luzia e foi nele que que os principais viajantes do século XIX se acomodaram, por conta disso, até hoje é conhecido como casarão Saint-Hilaire, em homenagem ao botânico europeu de tal nome que visitou o Arraial de Santa Luzia.

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Figuras 26 – Relação entre região urbanizada de Luziânia e Distrito Federal e entorno Fonte da imagem: Google Earth (2019) Figuras 27 – Relação entre o núcleo histórico original (em vermelho) e região urbanizada de Luziânia Fonte da imagem: Google Earth (2019) Figuras 28 – Núcleo histórico original (em destaque) Fonte da imagem: Google Earth (2019)

Pela figura 35 percebemos um outro problema: a grande poluição visual provocada pela insfraestrutura de rede elétrica do tipo aérea. Existe uma grande quantidade de postes, cabos e fios de energia e telefone por todo o centro da cidade. Também é possível observar o tipo de paisagismo que existe na proximidade dos casarões e praças, uso de arbustos e árvores que funcionam como muros visuais e barreiras de acessibilidade. Nas figuras a seguir, vemos a praça da Matriz atualmente, com um grande excesso de barreiras, rodeada por grande edifícios e comércios com letreiros e placas que provocam uma grande poluição visual. Como vimos em fotografias antigas do Largo da Matriz de Santa Luzia, hoje não existe mais a permeabilidade visual e de percurso na

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29 Figura 29 – Fachada casarão do DJ de Oliveira Fonte da imagem: autoral (2018) Figura 30 – Interior do casarão do DJ de Oliveira Fonte da imagem: autoral (2018) Figura 31 – Fachada casa dos artesãos Fonte da imagem: autoral (2018) Figura 32 – Sobrado do Pároco, em frente a Matriz Fonte da imagem: autoral (2018)

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praça que havia, nem a noção de monumentalidade e marco visual que a Igreja Matriz exercia sobre a cidade.

Na rua do Rosário, onde está a maior parte dos 28 imóveis contabilizados com características coloniais, há diversos problemas. Além dos casarões em situação de abandono ou descaracterizados, há imóveis contemporâneos que fogem completamente da tipologia arquitetônica predominante. O que se percebe é que as formas das quadras e lotes se mantiveram, mesmo com as novas construções. Como não houve desmembramentos dos lotes da região do núcleo histórico original, existe ainda, em boa parte da rua do Rosário, a percepção de arquitetura em primeiro plano e de vegetação em segundo plano que existia, por conta dos grandes lotes que permitem a existência de jardins e quintais no fundo e nas laterais. Um outro fator que permite essa percepção, é a manutenção do gabarito de pavimento térreo, há poucos nessa rua com dois pavimentos.

Infelizmente, é próximo a Igreja do Rosário onde houve mais mudanças na percepção do espaço. À esquerda da igreja foi construído um sobrado, com comércio no térreo; na frente houve a tentativa de construção de um posto de gasolina, que teve a obra embargada por conta da legislação urbana. Esse posto traria grandes problemas ao patrimônio cultural, além de mudar a percepção do largo e da Igreja do Rosário, impediria a realização de tradições culturais, como a construção de fogueiras, levantamento do mastro e uso de fogos de artifício. À direita da Igreja, houve a tentativa de construir um outro sobrado, este também foi embargado e como o posto de gasolina, está inacabado.

Provavelmente os proprietários desses imóveis esperam que a justiça permita o término destes, ignorando a legislação urbana.

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32 2.2. Plano diretor e leis de tombamento Há vários instrumentos que, de uma forma ou de outra, remetem ao planejamento de uma cidade, mas nenhum instrumento tem maior relevância do que o plano diretor. O Brasil tem como base para a legislação urbana o Estatuto da Cidade - lei 10.257/2001. O Estatuto da Cidade, junto à Constituição de 1988, são os principais marcos legais para o desenvolvimento das cidades, e neles se encontram definidos seus princípios e diretrizes fundamentais. O Estatuto da Cidade estabelece as normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bemestar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

No artigo 2º, o Estatuto da Cidade dispõe que “a política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana”, ou seja, a propriedade urbana, embora privada, deve ter uma função social. Por isso é legítimo que o poder público crie regras para determinar usos para propriedade urbana e corrigir problemas que surgiram no decorrer da história. Nos artigos 39º e 40º do Estatuto da Cidade, o plano diretor é definido como “o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana”, ele quem deve promover o diálogo entre os aspectos físicos/territoriais e os objetivos sociais, econômicos e ambientais que temos para a cidade. O plano deve ter como objetivo distribuir os riscos e benefícios da urbanização, induzindo um desenvolvimento mais inclusivo e sustentável.

Quanto ao produto, o plano diretor é uma lei municipal, elaborada pelo poder executivo – Prefeitura, e aprovada pelo poder legislativo - Câmara de Vereadores, que estabelece regras, parâmetros, incentivos e instrumentos para o desenvolvimento da cidade. Este deve ser revisto a cada dez anos

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33 assim como a lei municipal referente a ele. Sua criação é obrigatória para municípios com mais de 20 mil habitantes, o que significa que para quase ⅓ dos municípios brasileiros o plano diretor é uma obrigação, inclusive para Luziânia.

Em Luziânia, o Plano Diretor vigente foi estabelecido pela lei 2991/06, revisada em 2012. Dentre as funções sociais de uma propriedade urbana está a da preservação da memória e da cultura local. Por isso, iremos analisar principalmente as propostas estabelecidas no plano diretor de Luziânia para o cumprimento da função social de preservação do patrimônio e de outras que interessam à região do núcleo histórico. Ainda verificaremos quais propostas foram ou estão sendo cumpridas pela população e órgãos públicos.

No artigo 11, é explicado o que integra o Plano Diretor de Luziânia e é confirmado o cumprimento da função social da cidade de preservação do patrimônio, além de delimitar uma zona especial para isso. Nos artigos 13 e 14, são apresentados algumas diretrizes e estratégias para o desenvolvimento sociocultural da cidade, onde é incluído o interesse na preservação do patrimônio. Duas dessas diretrizes são a implantação do Corredor Cultural da Rua do Rosário e do Arquivo Histórico Municipal, local para abrigar os acervos documentais de interesse histórico, de origem pública e privada No artigo 24, é reforçado a prioridade de preservação e valorização do patrimônio cultural e no artigo 27 é definido as áreas urbanas do município, sendo uma delas a Zona de Interesse de Preservação Histórica e Cultural – ZEIPHC. Nessa zona urbana o patrimônio cultural da cidade deve ser devidamente conservado, não sendo nela admitida nenhuma interferência ou alteração de suas características naturais e arquitetônicas, abrangendo o centro histórico

35 de Luziânia.

Nos artigos 37, 38, 51 e 58 são apresentados diretrizes para a melhoria da infraestrutura urbana, em especial na zona de interesse de preservação do patrimônio histórico e cultural, como: priorização da circulação de pedestres, implantação de equipamentos de recreação, lazer e serviços públicos nas praças, parques e outros espaços públicos, implantação de programas de construção de ciclovias e entre outros.

De todas as ações prioritárias apresentadas nos artigos que destacamos do Plano Diretor de Luziânia, apenas uma foi realizada, que foi a implantação do Parque Ecológico Municipal, próximo ao centro histórico original. Este parque foi implantado no terreno onde era a área de garimpo que havia no século XVIII, muito próximo à rua do Rosário e por isso, pode ser um elemento importante para o projeto de requalificação do núcleo histórico. As outras ações apresentadas, como a criação da zona de preservação histórica e cultural, a criação do corredor cultural na rua do Rosário e a de um arquivo histórico, não foram ao menos discutidas nos últimos sete anos.

36 Figura 33 – Praça da Matriz Fonte da imagem: Google Earth (2019) Figuras 34 e 36 – Igreja do Rosário e edificações contemporâneas próximas Fonte das imagens: Google Earth e Autoral (2019) respectivamente Figuras 35 – Rua do Rosário Fonte da imagem: Autoral (2019)

Como já foi dito no item 2.1 deste plano, em 2003 a Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico Teixeira (Agepel) realizou uma contagem de quantos edifícios com características da arquitetura colonial haviam em Luziânia, da qual se chegou a 28 edificações. Este trabalho serviu para o tombamento estadual provisório, por meio de um decreto, ainda em 2003 - Decreto nª 5835 de 30 de outubro de 2003. Após sete anos do tombamento provisório, foi aprovado o tombamento efetivo pelo Governo de Goiás por meio do Decreto Nº 7.096, de 20 de abril de 2010. Curiosamente, o tombamento municipal ocorreu depois, em 31 de maio de 2012, por meio do decreto nª 499. No tombamento estadual, foi definido no Art. 1º os imóveis tombados, que são: Rua do Rosário nº 109,

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135, 258, 292, 303, 320, 329, 336, 362, 424, 444, 451, 480, 492, 517; Praça da Matriz nº 12 e 344; Rua José de Melo nº 53, 57, 97, 199, 384; Rua Santíssimo Sacramento nº 02, 88, 106, 162, 186; Travessa Epaminondas Roriz, nº 36 e Praça Evangelino Meireles nº 34. No artigo 5º é determinado o que serão preservadas: [...] I - As edificações tombadas em sua integridade, compreendendo os elementos de composição arquitetônica, tais como fachadas, telhados, paredes, pisos, sistema construtivo e implantação no terreno; II - Os quintais e jardins, a área verde e a paisagem; III - A taxa de ocupação, ou seja, a relação entre os espaços construídos e os espaços livres; IV - A integridade visual dos espaços de uso público, referenciados nas fachadas ou limites das propriedades com os logradouros. Todas as formas de publicidade visual ou uso de pinturas, painéis, placas ou acessórios aplicados às fachadas devem ser previamente autorizadas pela DPHA/Agepel. [...] (TOMBAMENTO ESTADUAL, DECRETO 7096/10, AGEPEL)

Figura 37 – Bens tombados e excluídos do tombamento estadual Fonte da imagem: Agepel (2010)

Nos artigos 6º, 7º são definidos os critérios e intervenções admissíveis nos imóveis tombados e unidades vinculadas a essas, como manutenções, serviços de conservação, restauros, desmembramentos e remembramentos de lotes e etc. Nos artigos 8º, 9º são definidos os critérios e intervenções admissíveis na área de entorno dos imóveis tombados, como obedecer a volumetria e gabarito máximo de 2 pavimentos. Nos artigos seguintes, do 10º ao 15º são apresentadas as disposições legais em relação aos proprietários e ao órgão DPHA/Agepel. No decreto estadual também são apresentados os mapas a seguir, nos quais são localizados os bens tombados, os bens imóveis excluídos do tombamento, a área de entorno e o estado de conservação dos edifícios.

O tombamento municipal, definido pelo decreto de número 499, de 31 de maio de 2012, seguiu o estadual e definiu os mesmos imóveis para a salvaguarda. É curioso que neste decreto não são determinados os critérios e as intervenções admissíveis aos bens tombados e, consequentemente, nenhum tipo de penalização para quem descumprir os critérios.

Apesar desses decretos, o patrimônio imóvel de Luziânia continuou sem proteção e fiscalização efetivas. O IPHAN, autarquia que é responsável por isso em nível federal, deu início ao processo de tombamento da Igreja do Rosário e do conjunto arquitetônico da cidade em âmbito federal no ano de 1975 Processo 0931-75-T – o parecer favorável ao tombamento, foi escrito por Lucio Costa, que na época era diretor do departamento de patrimônio imóvel do IPHAN. Este foi suspendido diversas vezes sob a alegação do corpo técnico de que não havia a necessidade de tombamento na esfera federal e até o atual momento (outubro de 2019), não foi concluído. No parecer elaborado pelo arquiteto Fernando Madeira em 1995, que determinou a falta de necessidade de tombamento, justifica a sua decisão: [...] Em visita ao conjunto arquitetônico do centro histórico de Luziânia, verificamos que ele está bastante desfigurado em seu aspecto

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40 Figura 38 – Bens tombados e área de entorno Fonte da imagem: Agepel (2010) Figura 39 – Estado de preservação dos edifícios coloniais Fonte da imagem: Agepel (2010) Figura 40 – Decreto 499/12, tombamento municipal Fonte da imagem: Prefeitura Municipal de Luziânia

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14/12/1970

Processo administrativo do MEC/IPHAN nº 240.817/70, para tramitação da solicitação de tombamento dos prédios históricos de Luziânia, feito pela Associação Comercial e Industrial de Luziânia, com data de 01/09/1970. Anexa resumo O Representante do IPHAN em Brasília, Dr. Alcides Áquila da Rocha Miranda, informa estar reunindo elementos para instruir o processo de tombamento.

11/07/1975

Câmara Municipal de Luziânia pede providências ao Chefe do IPHAN

??/??/1975

Aberto processo de tombamento do Conjunto Arquitetônico de Luziânia, Goiás, nº 931-T-75, apensando o processo administrativo MEC/IPHAN nº 240.817/70.

02/09/1970

04/08/1975 18/07/1975 10/11/1995

15/04/1996

41 Figura 41 – Decreto 499/12, tombamento municipal Fonte da imagem: Prefeitura Municipal de Luziânia Figura 42 - Fotografia da Igreja do Rosário realizada em 1970 pelo IPHAN Fonte: IPHAN Tabela 2 – Etapas do processo de tombamento do Conjunto Arquitetônico de Luziânia Fonte: IPHAN

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01/10/2010

original. Caminhamos pelas ruas tortuosas e algumas íngremes, resultado do antigo traçado urbano. Elas, no entanto, perderam sua antiga pavimentação. Procurou-se nos tempos modernos uma ordem diferente da antiga. Onde antes a linha torta, as larguras variáveis, hoje as larguras fixas pelo meio fio e a pavimentação uniforme: cimentado nos passeios e blocos de concreto na caixa das ruas. A maior parte das casas centenárias, já não mais existem ou foram muito transformadas por seguidas reformas recentes. Diversas são as que foram ampliadas, sofreram total desfiguração de fachadas, mudanças de telhado, de esquadrias, etc. Aqui e ali, ainda vemos algumas que venceram a forma modernista e se mostram por inteiro hoje, como eram no século XVIII e XIX. Ao que tudo vimos e refletimos resta-nos concluir: I- O tombamento do Conjunto deveria ter acontecido quando da fundação de Brasília. Lúcio Costa e Rodrigo cochilaram. Luziânia poderia ser para Brasília o que Ouro Preto é para Belo Horizonte.

II- Não há mais o que preservar em termos de conjunto urbano. IIIResta a igreja que a nosso ver deve ter proteção pelo IPHAN e alguns edifícios (2 sobrados e algumas casas) que deveriam ser protegidos pelo Município. Uma campanha junto a municipalidade talvez possa ser feita. A prefeitura poderia promover e apoiar as atividades de alguns proprietários conscientes de seu patrimônio, condendo-lhes isenções de taxas, diplomas e até incentivando outros proprietários e recomporem as principais características arquitetônicas de suas casas ainda passíveis de serem restauradas. É o parecer. Brasília, 10 de outubro de 1995 [...] (TOMBAMENTO FEDERAL DE LUZIÂNIA, PROCESSO 0931-75-T, IPHAN, grifos meus)

Apesar desse parecer de 1995 não favorável ao tombamento do conjunto

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Carta do Embaixador Vasco Mariz ao Diretor do IPHAN pedindo providências para a Igreja NS do Rosário Informação nº 213/75 de Lygia Martins Costa recomendando vistoria de Belmira Finageiv à Luziânia Memo 465/95 da Coordenadora Substituuta, Claudia vasques ao Diretor do DEPROT solicitando o arquivamento do processo, com base no relatório dos técnicos Fernando Madeira e Sandra Ribeiro.

Relatório do historiador Adler Fonseca sobre todos os processos de tombamento pendentes no âmbito da então 14ªSR. Anta a falta de comprovação da descaracterização que recomendaria o arquivamento do processo.

Apensado dossiê com documentação coligida entre 1976 e 2010 e agregada em dossiê com várias incursões técnicas e propostas de proteção por parte do IPHAN. Foram 34 anos de ocasionais e infrutíferas tentativas de avançar com a proteção, seja do Conjunto Arquitetônico, seja da Igreja do Rosário.

arquitetônico, em 2010 o processo foi retomado, por conta do desejo da população, do Ministério Público de Goiás e do deputado estadual Cristóvão Tormim, atual prefeito de Luziânia e que em 2011, como deputado estadual, liberou emenda parlamentar para o financiamento do restauro da Igreja do Rosário. A seguir temos um quadro elaborado pelo próprio IPHAN mostrando todas as etapas desse processo de tombamento, de 1970 até 2010.

Outra importante peça desse processo do IPHAN é o parecer de 2012 do exdiretor do DEPAM/IPHAN, professor Andrey Rosenthal Schlee. A proposta do parecer é pelo tombamento da Igreja do Rosário e de 16 casarões localizados na rua do Rosário, além da delimitação de uma área de entorno única para todo o conjunto. [...] Lucio Costa estava certo! Em 1969 ele posicionou-se pelo tombamento do conjunto arquitetônico de Luziânia, informando que já existia documentação suficiente. Na visão do diretor da Divisão de Estudos de Tombamento faltava apenas “ajuizar devidamente como proceder”. Portanto, não foi Lucio Costa quem “cochilou”, mas sim a Instituição que, pelo menos, ao longo dos últimos quarenta e três anos vêm discutindo como proceder. Vêm trocando memorandos, produzindo pareceres, abrindo e arquivando processos sobre o patrimônio cultural de Luziânia. Enquanto isso, os bens de interesse para a preservação foram sendo destruídos ou descaracterizados.

E, a cada nova agressão ao patrimônio local, o IPHAN volta a se perguntar: ainda cabe o tombamento federal de Luziânia? Lucio Costa estava interessado no conjunto urbano. Tendo projetado Brasília e acompanhado os desdobramentos regionais resultantes da consolidação da nova Capital, buscou proteger o núcleo histórico

43 da antiga Santa Luzia. A população local também estava buscando o reconhecimento e a proteção federal. Em 1970, A Associação Comercial e Industrial de Luziânia, solicitou o tombamento “dos prédios que nos contam uma história...”. No rodapé do documento reinvidicatório, uma frase contundente: “Luziânia ajudou a construir Brasília, agora Brasília pode ajudar a reconstruir Luziânia.” Desde então, a população local vem aguardando e gestionando pela proteção federal. Comprovam tal afirmativa, as petições e os abaixo-assinados constantes do processo.

Durante visita ao centro histórico de Luziânia, realizada no dia 28 de junho de 2012, e caminhando por suas antigas ruas e travessas em companhia dos técnicos José Leme Galvão Junior e Fátima de Macedo Martins, duas constatações saltam aos olhos: (1ª) A cidade, hoje com cerca de 170 mil habitantes, enfrenta um acelerado processo de crescimento com consequente perda de qualidade(s) urbanas(s).

Tal processo é notório na zona central da cidade, que apresenta um trânsito caótico, uma arquitetura contemporânea sem identidade própria e uma ausência de espaços públicos tratados e qualificados.

Ou seja, já falta urbanidade na velha Luziânia. (2ª) Ainda é possível reconhecer a importância dos dois núcleos religiosos pioneiros, o da Matriz de Santa Luzia e o da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, ambos separados pelo córrego Viegas e unidos pela curvilínea Rua do Rosário (e pela rua de fundos, a de São Benedito). É possível, também perceber a importância que assumiram as atuais ruas José de Melo e do Santíssimo Sacramento, configurando um binário estruturador da área central propriamente dita. Vias principais entrecortadas por pequenas travessas, respeitando a lógica colonial e definindo um desenho urbano que se relaciona diretamente com o terreno, ajustando-se à topografia local, rodeando obstáculos e deixando

vazios. Ou seja, o centro urbano de Luziânia, ainda mantém íntegro o seu traçado original.[...] (TOMBAMENTO FEDERAL DE LUZIÂNIA, PROCESSO 0931-75-T, IPHAN, grifos meus)

Ainda no parecer, Schlee (2012) apresenta uma breve análise do núcleo histórico de Luziânia:

44 Figura 43 – Igreja do Rosário, por Tom Maia, 1977 Fonte da imagem: IPHAN Figura 44 – Rua Santíssimo Sacramento, por Tom Maia, 1977 Fonte da imagem: IPHAN

[...] O tecido urbano de uma cidade é reconstituído pela superposição ou imbricação de três conjuntos: a rede de vias, os parcelamentos fundiários e as edificações. Como dito, Luziânia, mantém preservado e consolidado o sistema de vias originais centrais. É o espaço público da cidade por excelência: ruas, travessas, largos (como o do Rosário) e praças (como a da Matriz). Com poucas transformações de desmembramento ou remembramento, o parcelamento fundiário da zona histórica também se manteve. No núcleo da Igreja do Rosário temos quarteirões irregulares, com lotes bastante profundos que, em geral, conectam duas vias (a da frente e a dos fundos). No núcleo da Matriz, os quarteirões são mais regulares, os lotes menos profundos e só apresentam uma testada para a rua de acesso. Como consequência, temos mais edificações isoladas nos lotes no núcleo do Rosário e mais edificações erguidas sob as medianeiras no núcleo da Matriz. Em Luziânia, particularmente na Rua do Rosário, ainda podemos encontrar inúmeras construções vernáculas, edificadas sob o alinhamento frontal do lote e com recuos laterais. Edificações majoritariamente residenciais, executadas com emprego de técnicas construtivas tradicionais (como o pau-a-pique) e cobertas em quatro águas, com telhas de barro do tipo capa e canal. Nestes casos, há presença de farta vegetação entre as construções, nos recuos, e nos

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45 Figura 45 – Rua do Rosário, por Tom Maia, 1977 Fonte da imagem: IPHAN Figura 46 – Rua José de Melo, por Tom Maia, 1977 Fonte da imagem: IPHAN

quintais. Vegetação que dita o ritmo das ruas e marca suas visuais.

Vale comparar os belos desenhos realizados por Tom Maia (1977) – Figura 7, Figura 8, Figura 9 - com imagens atuais. [...] (TOMBAMENTO FEDERAL DE LUZIÂNIA, PROCESSO 0931-75-T, IPHAN)

Os desenhos produzidos por Tom Maia em 1977 e citados por Schlee estão a seguir. Por meio desses desenhos percebemos as principais características urbanas do núcleo histórico de Luziânia.

O parecer de 2012 é finalizado de forma favorável ao tombamento do conjunto arquitetônico e já aponta os procedimentos fundamentais internos ao IPHAN para a sua finalização.Infelizmente até o momento, outubro de 2019, o tombamento não foi realizado. [...] Sendo assim, somos de opinião que – no caso particular de Luziânia – Não se deve buscar um exemplo de “integridade ou homogeneidade estilística”, mas sim de um conjunto urbano bastante impactado e heterogêneo, onde ainda é possível encontrar coerência entre a rede de vias central, os parcelamentos fundiários e algumas edificações, conforme padrões urbanos estabelecidos a partir do século XVIII. Testemunho digno, merecedor de reconhecimento e proteção federal.

Por outro lado, cabe salientar que, especialmente em Luziânia, uma ação encabeçada pelo IPHAN poderá significar, literalmente, a única possibilidade de requalificação urbana. Quero dizer, de resgate de qualidade e valores urbanos hoje perdidos ou adormecidos, o que passa pela recuperação dos edifícios antigos e pela melhoria dos espaços públicos (largos, praças, margem do córrego, áreas verdes, passeios, sinalização, mobiliário, etc.). Desta forma, preservando

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46 o passado, certamente estaremos garantindo um futuro com mais qualidade para a cidade e para a população de Luziânia. [...] Por fim, frente à documentação produzida pela Coordenação Geral de Cidades do Depam, concordo com o encaminhamento proposto, que implica na indicação para tombamento de 16 bens representativos da cidade, a saber: Igreja Nossa Senhora do Rosário e as casas situadas na Rua do Rosário nº 109, 135, 258, 292, 303, 320, 329, 336, 362, 424, 444, 451, 480, 492 e 517, nos termos sugeridos. [...] (TOMBAMENTO FEDERAL DE LUZIÂNIA, PROCESSO 0931-75-T, IPHAN)

Este parecer é fundamental para o nosso projeto de requalificação. O professor Andrey Schlee (2012), de forma breve, apresenta os motivos que levaram ao não tombamento federal da cidade de Luziânia, tirando a responsabilidade de Lucio Costa, que fez o primeiro parecer, e apontando questões internas à própria Instituição, que ao longo dos últimos quarenta e quatro anos vêm discutindo como proceder. É apresentada também a vontade popular de preservar o patrimônio Luzianiense, que desde a década de 70 faz cartas, abaixo-assinados e diversos tipos de reinvindicação. Em destaque está o documento de reinvindicação para tombamento produzido pela Associação Comercial e Industrial de Luziânia, no rodapé desse documento há uma frase marcante: “Luziânia ajudou a construir Brasília, agora Brasília pode ajudar a reconstruir Luziânia”, essa frase deixa claro como a população, que já estava na cidade antes de 1960, se sente sobre o abandono do patrimônio por influência da construção de Brasília. Luziânia acolheu Brasília, mas Brasília não reconheceu este acolhimento e mais uma vez é esquecida. Um projeto de requalificação urbana para Luziânia elaborado no âmbito da Universidade de Brasília é bastante simbólico.

Os técnicos do IPHAN, José Leme Galvão Junior e Fátima de Macedo Martins, durante visita ao centro histórico de Luziânia chegaram a duas constatações: primeiro, Luziânia já não tem qualidade urbana; segundo, o centro urbano mantém íntegro o seu traçado original. Ou seja, apesar de toda transformação provocada pela construção de Brasília, Luziânia ainda carrega alguns valores importantes.

Na análise morfológica urbana que há no parecer, temos uma noção arquitetônica e urbana mais detalhada do ambiente de projeto e que já serve como uma base inicial para os nossos estudos. É importante ressaltar o quanto o tamanho dos lotes e quadras que estão preservados influenciam na percepção do espaço, pois são eles que definem os recuos laterais, os vazios, os locais de vegetação e etc. A seguir, temos os mapas com os edifícios a serem tombados, o estado de conservação, o gabarito e a caracterização da arquitetura dos imóveis classificados e a poligonal de entorno definidos pelo IPHAN.

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A justificativa para o tombamento do conjunto arquitetônico de Luziânia não leva em conta a integridade estilística das edificações, mas a integridade do traçado original das ruas. O professor Andrey Schlee (2012) deixa claro que este tombamento realizado pelo IPHAN pode ser a única possibilidade de proteger a integridade urbana, mas também de “resgatar a qualidade e os valores urbanos hoje perdidos ou adormecidos, o que passa pela recuperação dos edifícios antigos e pela melhoria dos espaços públicos (largos, praças, margem do córrego, áreas verdes, passeios, sinalização, mobiliário, etc.).”

(SCHLEE, 2012)

Figura 47 – Imóveis e poligonal de tombamento Fonte da imagem: IPHAN (2012)

Mas, a realidade é outra e, por enquanto, não há nenhuma possibilidade de proteção e preservação dos atributos urbanos. O tombamento federal não foi finalizado e com o governo atual, que tem promovido o desmonte do IPHAN, esse processo deverá ser engavetado. Já os tombamentos em nível estadual e municipal não são respeitados, e as propostas do plano diretor também não foram colocadas em prática. Por isso, uma proposta de requalificação urbana, além de resgatar a qualidade e valores urbanos perdidos ou adormecidos, como Schlee apontou; poderá ser um estímulo para a população pressionar órgãos governamentais de proteção do patrimônio. Esse projeto de requalificação considerará todas as propostas dos decretos e leis urbanas de Luziânia, bem como apresentará novas diretrizes de preservação do patrimônio local.

Usaremos a página Sombra do Tamboril, presente nas redes sociais Facebook e Instagram, para compartilhar o processo de criação e divulgar o resultado final. A intenção, finalizado este trabalho de conclusão de curso, é apresentar seus resultados para os governos municipal e estadual, para pessoas públicas, ONG’s locais, empresas particulares e entre outros.

47 29

Figura 48 – Imóveis classificados pelo IPHAN Fonte da imagem: IPHAN (2012) Figura 49 – Estado de conservação dos imóveis cadastrados Fonte da imagem: IPHAN (2012)

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Figura 50 – Caracterização da arquitetura dos imóveis cadastrados Fonte da imagem: IPHAN (2012) Figura 51 – Gabarito dos imóveis cadastrados Fonte da imagem: IPHAN (2012)

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51

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2.3. Análise da área do núcleo histórico

São Ben e Rua

sário

De acordo com Holanda e Kohlsdorf (2005), a dimensão bioclimática observa os fatores configurativos do espaço incidentes no conforto físico dos indivíduos, em termos de temperatura e umidade, acústico, luminoso e qualidade do ar.

A copresencial observa os fatores configurativos dos lugares propícios ou restritivos aos encontros sociais ocasionais nos espaços públicos. A econômicafinanceira observa características configurativas dos espaços quanto a seus custos de produção e utilização. A funcional observa as características configurativas dos lugares incidentes em sua eficiência para realização de atividades pragmáticas. E, por último, as dimensões topoceptiva e expressivosimbólica observam as características configurativas dos espaços incidentes na noção de localização dos indivíduos, em termos de orientação e identificação.

Rua do Ro

Figura 52 – Mapa de localização dos principais pontos da área de projeto Fonte da imagem: Autoral (2019)

dito

Além dos dados e mapas produzidos pelo IPHAN já apresentados, foi necessário realizar uma análise mais abrangente, na qual foi utilizado a metodologia das dimensões morfológicas dos lugares criadas por Frederico de Holanda e Maria Elaine Kohlsdorf (2005). Eles definem arquitetura como qualquer espaço socialmente utilizado e, portanto, como situação relacional e dimensional. Sendo assim, ao conceituar arquitetura dessa forma, é necessário definir quais tipos de expectativas sociais incidem sobre características espaciais e implica também, observar esses diversos tipos de expectativas quanto ao desempenho das mesmas. Essas expectativas sociais são variáveis, “individual e culturalmente – logo, são historicamente definidas; mas podem ser classificadas quanto a suas características genéricas – e assim também as dimensões morfológicas dos lugares, que são: Funcional, simbólica, bioclimático, copresencial, topoceptivo, econômico, estético e etc.” (HOLANDA, KOHLSORF, 2005)

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Rua J Sacramento

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Rua Santíssi mo

Há grande presença de áreas verdes próximo ao córrego e nos fundos das casas. É também nessas duas ruas onde estão a maior parte dos casarões de estilo colonial que ainda resistem, como o da Casa da Cultura. Pelo mapa de caracterização arquitetônica, percebemos que existem 32 edifícios com estilo

Rua Cor

A área de projeto está localizada na região sudeste do Bairro Centro e região leste do Bairro Rosário, região central de Luziânia. A área de aproximadamente 212 mil metros quadrados abriga, na região sul, a Igreja Matriz de Santa Luzia e sua praça, o sobrado de Saint-Hilaire e alguns casarões; mais ao sul da Igreja Matriz está a Rua Santíssimo Sacramento e a Rua José de Melo, nesta última está localizada um sobrado que funciona a casa dos artesãos; na região norte está a Igreja do Rosário e seu largo; a ligação entre as duas igrejas é a Rua do Rosário. A rua São Benedito, está a oeste da Rua do Rosário e liga a Igreja do Rosário à Praça Evangelino Meireles. Essas duas ruas são cortadas pelo córrego Viegas que desagua no Rio Vermelho. Não existem mais pontes nessas ruas, pois grande parte do córrego foi canalizado.

lo

2.3.1 Caracterização da área

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Locais marcados no mapa da Figura 52 Fonte: Autorais (2019)

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colonial preservado, ou seja, ainda com esquadrias em madeira, paredes em adobe ou pau-a-pique, cobertura com telhas capa-canal, na maioria em quatro águas e cor branca predominante. Além desses 32 edifícios, há mais 24 com estilo colonial, porém com alterações, ou nas esquadrias, ou nas coberturas com adição de platibandas ou ainda nas cores. As arquiteturas predominantes da área são a comercial e a que podemos chamar de residencial popular, com algumas caraterísticas coloniais, mas já com a presença de recuos frontais, alpendres, garagem e muros. Há poucos edifícios com estilo mais contemporâneo na área, porém esses já provocam uma percepção diferente do espaço.

Colonial

Colonial alterado Exemplos de edifícios com os estilos arquitetônicos apresentados no mapa da Figura 53 Fonte: Google Earth (2019) Figura 53 – Mapa com estilos arquitetônicos da área de projeto Fonte da imagem: Autoral (2019)

Residencial vernacular ESTILO ARQUITETÔNICO Colonial Colonial alterado

Comercial

Residencial vernacular

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2.3.2 Dimensão bioclimática Inserida na cidade de Luziânia na região do Planalto Central, a área de intervenção apresenta clima tropical de altitude, pois, segundo o IBGE, a cidade, bem como grande parte do seu território municipal, acha-se situada a 950 metros de altitude. A temperatura média anual é de 21º C, o mês mais seco é julho e o mais chuvoso é janeiro. Existem pequenas oscilações, que variam entre 800 e 1 200 metros. O relevo da área de intervenção é considerado acidentado, justamente por estar na região do córrego Viegas e do Rio Vermelho, com isso toda água pluviométrica dessa área deságua nestes dois rios. O rio Vermelho, é afluente do rio São Bartolomeu, que, por sua vez, é também afluente do rio Corumbá. Pertence, portanto, à bacia do Paraná, de vez que o rio principal da hidrografia do município - rio Corumbá, é afluente do Paranaíba.

Como pode ser visto na carta solar da região, a área a ser requalificada sofre com a insolação em todas as suas fachadas, porém por ser um terreno longo e cumprido no sentido norte-sul, suas principais fachadas são leste e oeste. A fachada oeste é a que recebe mais insolação. Outra característica climática observada pela análise da carta solar é a pequena variação de temperatura ao longo do ano, vista a pouca diferença entre a carta solar do primeiro semestre do ano (até 21 junho) com a carta solar do segundo semestre (após 21 junho).

Pelo gráfico da rosa dos ventos da região, percebe-se que os ventos mais intensos e de maior velocidade tem origem na direção leste e nordeste.

Figura 54 - Gráfico das temperaturas de Luziânia Fonte: Hightcharts (2019) Figura 55 - Rosa dos ventos para Luziânia Fonte: Hightcharts (2019)

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Figura 56 - Mapa topográfico da área de projeto Fonte: Autoral (2019)

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Como já dissemos, por conta das grandes dimensões de lotes, a vegetação é bastante presente nas laterais e fundos das casas da região, caracterizada por arbusto e árvores de pequeno e médio porte. A uma grande quantidade de palmeiras, que marcam visualmente o fundo dos lotes. Próximo a região

BY AN AUTODESK STUDENT VERSION de projeto e onde originalmente era a região dePRODUCED garimpo no século XVIII, foi determinado uma área para um parque ecológico. Este parque está próximo ao estádio Serra do Lago e um lago artificial, na sua área existe bastante vegetação nativa e foi construído um centro comunitário. A principal fonte de ruído na região é o tráfego de automóveis, principalmente dos ônibus que circulam próximo a Igreja Matriz.

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Figura 57 - Carta Solar de Luziânia pré 21 de junho Fonte: Solaar (2019) Figura 58 - Carta Solar de Luziânia pós 21 de junho Fonte: Solaar (2019) Figura 59 - Localização do parque ecológico Fonte: Autoral (2019) Figura 60 - Mapa de massas verdes da área de projeto Fonte: Autoral (2019)

ÁREAS VERDES N

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2.3.3 Dimensão econômico-financeira Segundo dados do censo de 2010 realizado pelo IBGE, a área de projeto tem aproximadamente 135 imóveis e 454 moradores, sendo que desses, 226 são homens e 228 mulheres, representam apenas 0,4% da população total da cidade. Outro fator importante é a faixa etária da população, cerca de 25% da população da região possui mais de 60 anos. Apesar de representar uma pequena parte da população da cidade e também possuir uma baixa densidade construtiva, por conta dos grandes lotes, a densidade demográfica da região é de 195 habitantes por Km² e acaba sendo mais elevada que a média do município que é de 44 habitantes por Km².

Por conta da baixa densidade construtiva, a infraestrutura urbana possui um custo mais elevado na região e atualmente estão em péssimas condições, principalmente a pavimentação das ruas e as redes de energia elétrica do tipo aérea que utiliza postes de madeira em alguns pontos.

Ainda segundo os dados do censo de 2010, toda a área projeto possui coleta de lixo de forma direta e água encanada, 85% possui acesso à coleta de esgoto e 25% da população ainda utiliza fossas sépticas.

Figura 61 - Mapa viário da área de projeto Fonte: Autoral (2019)

O sistema viário é caracterizado por uma grande via arterial, que corta toda a cidade e liga até a BR-040, essa via é a Avenida Alfredo Nasser, que na região recebe o nome de rua Jesus Meireles. A Rua do Rosário é considerada uma via coletora, pois faz a ligação com outros bairros. O restante das ruas pode ser consideradas vias locais.

Luziânia hoje possui mais de 64 mil veículos, cerca de um veículo para cada 3 habitantes, essa quantidade resulta em mais trânsitos e falta de estacionamentos.

Na região de projeto mesmo tendo diversos locais de estacionamento, como ao redor da Praça da Matriz, na Praça Evangelino Meireles e em todas as ruas, falta locais para estacionar na região.

Outros fatores para essa falta de estacionamentos é a falta de outros tipos de transporte e mobilidade na cidade. Não existe ciclovias, nem locais para guardar as bicicletas; há pouquíssimas rotas de ônibus, a maioria das rotas são interestaduais com ligação ao DF; além disso o sistema de calçadas não é eficiente, por conta da falta de estacionamentos, muitos estacionam de forma ilegal nas calçadas, o que dificulta ou impossibilita o percurso do pedestre, além do péssimo estado em que se encontra a pavimentação das ruas.

MAPA VIÁRIO

Via arterial Via coletora Via local Estacionamentos Principais acessos

N

Pontos de ônibus Semáforos e faixa de pedestres

0

50

100

250

61 37

62 Figura 62 - Letreiro próximo a ponte sobre córrego Viegas Fonte: Autoral (2019) Figura 63 - Mapa de usos da área de projeto Fonte: Autoral (2019)

2.3.4 Dimensão funcional O Bairro do Centro e do Rosário compõe o perímetro de análise que subsidiará a intervenção projetual. Nessa região encontram-se predominantemente atividades comerciais, seguidas por residências, principalmente na Rua do Rosário, e marcos patrimoniais, como a Igreja do Rosário e alguns casarões.

Na região da praça da Matriz há comércios variados, como lanchonetes, bares, mecânica de automóveis, farmácia, bicicletaria, aluguel de brinquedos de festas, entre outros. Essa diversidade mantém o local sempre vivo, tanto durante o dia, quanto a noite. Na rua do Rosário e na Rua São Benedito há predominantemente residências, porém nos últimos anos está ocorrendo um movimento de transformação do uso dos imóveis coloniais de residenciais para comércios, principalmente em bares e restaurantes.

A concentração de edifícios históricos e a ligação com o centro comercial, atrai um fluxo de pessoas que diariamente passam pela área, porém, no geral, não permanecem muito tempo. Um outro fator para isso, é a pouca variedade de atividades de lazer, existe apenas comércios como bares e restaurantes. Áreas verdes ou áreas de lazer ao ar livre também existem em pouquíssima quantidade, que são a praça da Matriz, o largo do Rosário e uma pequena praça na Rua São Benedito, e ainda estão bastante degradadas. Deste modo, praticamente não encontra vida nesses espaços. O índice de aproveitamento, que é a relação entre a área privatizada no lote e a área construída (somatório da área de solo de cada pavimento), é baixa, pois a maioria das edificações são térreas ou com poucos andares. A taxa de ocupação dos lotes, que é a relação entre a área do lote e a área ocupada pela projeção da edificação no mesmo, também é baixa, pois os lotes são muito profundos, com grande área de quintal.

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MAPA DE USOS Residencial Misto Comercial

N

Institucional Áreas verdes

0

50

100

250

63

2.3.5 Dimensão copresencial A dimensão copresencial observa se o desempenho morfológico dos lugares implica maneiras de indivíduos e grupos se localizarem e moverem nos lugares, e consequentemente condições desejadas para encontros interpessoais, e para a visibilidade do outro (Holanda, 2006 apud Kohlsdorf, 1995). Para a abordagem de espaços urbanos, essa sistematização apresenta três níveis: os padrões espaciais, a vida espacial e a vida social, dos quais se utilizará apenas o primeiro neste estudo da área do núcleo histórico de Luziânia.

O nível dos padrões espaciais trata de características topológicas de configuração espacial, incidentes em restrições ou incentivos a encontros interpessoais nos espaços públicos. A ordem topológica dos espaços caracteriza-se por proximidade, contiguidade, integração, circunscrição, continuidade, descontinuidade, separação e segregação. Estes padrões compõem-se de quatro categorias morfológicas, entre elas, ilhas espaciais, convexidade, constitutividade e axialidade. Dependendo de como se comporta cada uma dessas categorias, o espaço pode apresentar maiores tendências para a urbanidade, isto é, apresenta boas possibilidades de encontros aleatórios nos lugares, ou para a formalidade, tendência a precárias possibilidades de encontros não programados.

As ilhas espaciais são os obstáculos ao movimento de pedestres representados como mapa de ilhas espaciais. Na área em estudo observa-se a predominância de vazios, porém esses são internos aos lotes e isso gera mais espaços fechados em relação aos espaços abertos. Os grandes espaços abertos dessa área são a Praça da Matriz e o Largo do Rosário.

A convexidade é dada no mapa de ilhas espaciais, o sistema de espaços abertos converte-se em conjunto de espaços convexos. Espaços convexos são recintos onde se pode caminhar em linha reta entre quaisquer pontos do mesmo. Representam-se como polígonos convexos. Classificam-se conforme seu tamanho relativo - muito pequenos, pequenos, médios, grandes e muito grandes. Quanto maior a incidência de espaços convexos menores, maior tendência à urbanidade na área considerada. Nesse quesito, pode-se dizer que a área em estudo apresenta muitos espaços pequenos, tendo em vista a presença de fachadas com muitas portas e aberturas. Predominam, portanto, os espaços convexos pequenos na área, que indicam maior tendência à urbanidade.

GABARITO 1 Pavimento 2 Pavimentos

N

3 ou mais pavimentos

0

50

100

Figura 64 - Gabarito da área de projeto Fonte: Autoral (2019)

250

64

Com relação à axialidade, as linhas axiais resultam da conexão da malha sistema de caminhos - e geram potenciais de acessibilidade, integração ou permeabilidade. Quanto maior a conectividade dos eixos, ou seja, a quantidade de cruzamentos por outros eixos axiais, maior a potencialidade desses caminhos em atrair grande quantidade de pessoas e gerar encontros.

Para este estudo foram analisadas as vias que delimitam a área de projeto, principalmente a Rua do Rosário. O que se percebe pelo mapa a seguir, é que a área possui boa axialidade por conta das ligações e cruzamentos.

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Figura 65 - Mapa de cheios e vazios da área de projeto, considerando apenas os edifícios cobertos Fonte: Autoral (2019) Figura 66 - Mapa de cheios e vazios da área de projeto, considerando fechamentos de lotes Fonte: Autoral (2019)

MAPA DE CHEIOS E VAZIOS

N

0

50

100

250

65 40

66

Figura 67 - Mapa de convexidade da área de projeto Fonte: Autoral (2019) Figura 68 - Mapa de axialidade da área de projeto, considerando conexões e cruzamentos Fonte: Autoral (2019)

CONVEXIDADE

N

0

50

100

250

67

68 Um estudo importante para a dimensão copresensial do espaço é sobre as fachadas, se elas são ativas ou passivas, e em quais horários. A partir desse estudo podemos saber os locais onde as pessoas possam se sentir mais seguras, pois segundo Holanda (....) fachadas ativas são como olhos que observam todo o espaço e assim provoca a sensação de segurança. Do mesmo modo é a iluminação do local, quanto mais iluminado, maior a visão do espaço e consequentemente, maior a sensação de segurança.

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Figura 69 - Mapa de fachadas ativas durante o período diurno da área de projeto Fonte: Autoral (2019) Figura 70 - Mapa de fachadas ativas durante o período noturno da área de projeto Fonte: Autoral (2019)

FACHADAS ATIVAS - NOTURNO

FACHADAS ATIVAS - DIURNO Ativa

Ativa

Passiva

Passiva

N

N

0

50

100

250

69 42

0

50

100

250

70

1

2

2.3.6 Dimensão topoceptiva A dimensão topoceptiva diz respeito a possibilidade de localização dos indivíduos, em termos de orientação e identificação, por meio de certas características da configuração dos espaços. A análise dessa dimensão é realizada através da técnica do registro sequencial de Maria Elaine Kohlsdorf.

A análise sequencial é feita através da descrição de eventos e da avaliação do comportamento informativo das morfologias arquitetônicas na percepção (Kohlsdorf, 1995). Para o presente trabalho foi realizado um percurso, entre a Igreja Matriz e a Igreja do Rosário.

Figura 71 - Mapa com rota e estações de análise da dimensão topoceptiva Fonte: Autoral (2019) Estações marcadas no mapa da Figura 71 Fonte: Autorais (2019)

Cada estação de análise corresponde ao momento em que o observador registra perceptualmente a forma do lugar por onde se desloca, significando que houve consciência dos estímulos sensoriais recebidos, e uma seleção de pontos de observação (Kohlsdorf, 1995). Os campos visuais, segundo Kohlsdorf, são cones e ocupam a porção de espaço coberta pela vista do observador em cada estação. No presente estudo foram adotados principalmente os campos frontal, lateral direito, lateral esquerdo e nas últimas estações, da praça da Matriz e Largo do Rosário, o campo posterior. O intervalo entre as estações foi determinado de forma que a distância entre as mesmas fosse similar.

71

A partir das imagens, pode-se perceber o alto potencial da área. O fechamento da Rua do Rosário e dos largos por casas e comércios possui um tratamento ativo. Há grande quantidade de portas ou aberturas, boa variação de função e a uniformidade da fachada caracterizam alguns pontos da rua, principalmente nos locais onde os casarões coloniais foram preservados.

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4

5

6

Estações marcadas no mapa da Figura 71 Fonte: Autorais, algumas tiradas de dentro do meu fusquinha 81 (2019)

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8

Conclui-se, então, que se trata de um espaço relativamente aberto e que valoriza a dimensão humana. A sua localização central, a presença de diversos marcos históricos e as áreas verdes nas laterais e fundos dos lotes, são aspectos que mostram o potencial da área e a necessidade de requalificá-la, de resgatar a qualidade e os valores urbanos hoje perdidos ou adormecidos, o que passa pela recuperação dos edifícios antigos e pela melhoria dos espaços públicos, como largos, praças, margem do córrego, áreas verdes, passeios, sinalização, mobiliário, etc.

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44

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CAPÍTULO 3 TEORIA DA PRESERVAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO Este capítulo trata da teoria da preservação do patrimônio, principalmente em relação à escala urbana e, também, analisa estudos de caso que apresentam escopo e escala próximos ao que se pretende desenvolver neste trabalho de conclusão de curso e que deverão ser referências projetuais importantes para a proposta em desenvolvimento.

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3.1. Introdução à teoria da preservação Murilo Marx no texto denominado “O moderno inventa o antigo” de 1996, apresenta como a memória é atual e seletiva e que o nosso olhar sobre a história se faz e refaz. Do mesmo modo, o entendimento de patrimônio cultural e de sua preservação também mudam com o presente. Se a memória muda quanto ao que prestigia, também varia sua valorização dos testemunhos materiais de tal época e, mais, se altera a forma de sua preservação. Para mostrar isso o autor apresenta três etapas de visão sobre o patrimônio, primeiro com Alberti, segundo com os últimos setecentos e, por último, com Boito e Riegl, os últimos já nos novecentos.

De acordo com Marx (1996), na primeira etapa havia uma única preocupação, com o antigo, principalmente grego e romano. Depois, já numa segunda etapa, tende-se a uma atenção maior para as obras da idade média, indo além do greco-romano. Violet Le Duc era um grande expoente da segunda etapa, seu pensamento sobre restauro foi de estrema importância. Segundo Marx (1996, apud Violet-Le-Duc, 2000, p. 29) para Le-Duc: “Restaurar um edifício é restabelecê-lo num estado completo que pode não haver jamais existido...”.

No mesmo período surge John Ruskin e que contrapõe Le Duc. Para Ruskin “A chamada ‘restauração’ é o pior tipo de destruição que um edifício possa sofrer...” (apud, Choay 1996, p.155). Ele propunha que os edifícios não fossem restaurados, mas preservados suas características originais.

Na terceira etapa histórica identificada pelo autor, surge Camilo Boito que propõe uma posição de equilíbrio entre os pensamentos de Ruskin e Le Duc. Boito, a partir da experiência e do julgamento crítico dos efeitos palpáveis, analisa as contribuições daquelas correntes e de outras, seus efeitos diante do objeto de sua ação, o monumento histórico. Ele discute não só a questão do restauro, mas a preservação no sentido mais amplo, procurando clarificar conceitos relativos à memória, a sua celebração, ao monumento, ao monumento histórico.

Um outro nome importante dessa terceira etapa e também natural da Itália, é o de Gustavo Giovanonni. Ele marcou o restauro da primeira metade do século XX, que era baseado nos postulados de Boito e ficou conhecido por diversos autores como restauro científico. Arquiteto, urbanista, engenheiro civil, historiador e crítico de arquitetura, Giovanonni nasceu em 1873 em Roma, foi professor na Faculdade de Engenharia de Roma e escreveu diversos artigos sobre a arquitetura italiana e restauro. Foi considerado um dos principais nomes da Conferência de Atenas de 1931, que resultou na publicação do primeiro documento internacional que considerou universais algumas regras de proteção e salvaguarda de monumentos: a Carta de Atenas.

Giovannoni dá grande importância ao papel do planejamento urbano e da integração funcional das áreas históricas ao todo da cidade. Para Giovannoni (2013), a cidade deve ser entendida como um organismo complexo, a ser trabalhada em sua inteireza, abordando relações entre cidade existente, novas

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áreas de expansão e zonas de preservação de maneira articulada. Sobre o assunto, Giovannoni dispõe: [...] Introduzir um sentido pitoresco nas novas cidades, seja valendose das visuais naturais e monumentais, seja estudando as linhas de circulação e os espaços abertos não como linhas e figuras geométricas, mas como agrupamentos variados e vivos; limitar a adoção da reta para as ruas aos casos necessários, mas possivelmente desviando-a e associando-a a curvas, amplas e breves, ou valendo-se de monumentos e jardins para interromper a continuidade uniforme; devolver às praças principais o cárater fechado daquelas dos nossos antepassados; e, sobretudo, conservar, na concepção geral e especial, o caráter individual da cidade ou do bairro: estão aí os cânones fundamentais da nova tendência [...] sem abandonar o critério de aplicação caso a caso [...]. (GIOVANNONI, 2013, p. 108-109)

Tal como Boito, Giovannoni também defendia o restauro filológico, que destacava o valor primordial das edificações enquanto testemunho e documento histórico, mas preocupava-se muito com a ambiência do monumento, com o seu entorno.

Por isso ele defendia a conservação não só das obras mais importantes e belas, mas também das obras secundárias, tanto em razão de seu caráter coletivo ou de suas relações com os edifícios grandiosos, quanto pelo testemunho da arquitetura de diversas épocas. Este pensamento mais abrangente fez dele um dos pioneiros da legislação urbana italiana e como resultado desse trabalho, em 1912 na Itália já se protegia as vilas ou agrupamentos, as belezas naturais e as paisagens. [...] Enquanto o Panteão ou a Fontana di Trevi estiverem entre casas de pequena dimensão, belas ou feias que sejam, mas sem pretensões e sem um caráter invasivo, o efeito não é perturbado; o é quando em torno da nova praça se alinham enormes edifícios novos, com fachadas altíssimas e com cores claras, e assumem com as amplas formas arquitetônicas uma fictícia monumentalidade de estuque, para ’honrar’ o monumento antigo [...]. (GIOVANNONI, 2013, p.147 )

A partir desse pensamento, Giovannoni apresentou algumas recomendações projetuais, tal como a ideia de desbastamento. Essa ideia se baseia no estudo de rua por rua, de edifício por edifício, identificando marcos imutáveis e propondo demolições pontuais (o desbastamento) de edifícios de menor valor artístico e histórico, de modo a melhorar condições de ventilação, insolação, tráfego e visibilidade. Propõe também a separação entre a cidade antiga e a moderna, reservando a cada uma delas a função e o tráfego que lhes são compatíveis. Assim, o tecido antigo teria uma circulação mais local e funções de proximidade, como moradias, pequenos comércios e serviços.

De acordo com Beatriz Mugayar Kurl (2009), a partir de meados do século XX, em um contexto pós II guerra com diversas cidades destruídas, alguns princípios do restauro filológico se mostraram incapazes de ir além da realidade

documental das obras, pois não se haviam levado em conta as contribuições da Estética e consequentemente as formulações teóricas do restauro não lidavam com meios conceituais para abordar obras devastadas. Com isso, a discussão ganha em amplitude e consistência, alcançando um período de grande maturidade com autores como Cezari Brandi, Roberto Pane, Renato Bonelli e Paul Philippot, atingindo-se um consenso na carta de Veneza de 1964.

Hoje não se valoriza mais apenas este ou aquele momento histórico, mas a memória de todos. Em tese, qualquer artefato, ainda que imóvel, imaterial ou ambiental pode ser valorado coletivamente e reconhecido como patrimônio cultural. Ou seja, a visão sobre a preservação do patrimônio atualmente é muito mais ampla, engloba diferentes tipos de bens culturais e tudo que está relacionado a eles.

Surge aí, segundo Kurl (2009) a ideia de restauro crítico, que contrapõe o filológico e o científico, e que entende a restauração como processo históricocrítico, fundamentando numa análise pormenorizada da obra, ou seja, “toda intervenção constitui um caso em si, não classificável em categorias genéricas, como aquelas meticulosamente precisadas pelos teóricos do chamado restauro científico” (apud, Carbonara, 1997, p.285) como Giovanonni chegou a propor.

Essa distinção fica clara na redação das cartas de Atenas de 1931 e na de Veneza de 1964, em que na segunda não aparece mais alguns termos, como por exemplo “monumento vivo” e “monumento morto” introduzidos por Louis Coquelet.

Pensando assim, a cidade de Luziânia, em muitos momentos de sua história, não teve nenhum valor histórico ou artístico atribuídos. Muitas das suas obras foram desprezadas e seu patrimônio cultural acabou não sendo preservado em sua totalidade. Além da lacuna na valoração, pode ter sido decisivo também o fato de a cidade não ter uma arquitetura tão excepcional quanto a de outras do país – a arquitetura colonial goiana é marcada pela falta de ornamentos e uso de materiais locais. Assim, a antiga Santa Luzia, por conta de diversos fatos históricos, como a construção de Brasília, passou por transformações bruscas na sua arquitetura e na sua identidade.

Como vimos, algumas ideias de Giovanonni foram o princípio de diversos estudos sobre conservação e restauro urbano, que após a II guerra, ganhou maior amplitude e base conceitual e consequentemente resultaram na Carta de Veneza de 1964 e na Declaração de Amsterdã de 1975.

Segundo Marx (1996), na carta de Veneza a noção de patrimônio foi ampliada do monumento isolado para conjuntos urbanos e edificações modestas de valor cultural, ou seja, a restauração e a conservação voltam-se não mais apenas para aquilo que era entendido como “obra de arte”, mas também às obras que assumiram com o tempo conotação cultural, os bens culturais; Na carta de Veneza é consolidado alguns princípios fundamentais apresentados por Brandi, tais como o princípio de distinguibilidade, que busca deixar claro os materiais da intervenção, para não criar um falso histórico; o princípio da reversibilidade, que determinar que qualquer intervenção não altere a obra em sua substância e de forma a não impedir intervenções futuras; o princípio da mínima intervenção, onde a restauração deve respeitar suas várias estratificações; e a compatibilidade de técnicas e materiais, que busca o uso de técnicas e materiais compatíveis ao bem.

Na declaração de Amsterdã, é reafirmado que o patrimônio arquitetônico é composto de todos os edifícios e conjuntos urbanos que apresentam interesse artístico, histórico ou cultural, extrapolando as edificações e conjuntos monumentais excepcionais para abarcar qualquer parte da cidade, inclusive a moderna. De acordo com a declaração de Amsterdã (1975) a conservação do patrimônio arquitetônico deve ser considerada não apenas como um problema marginal, mas como objetivo maior do planejamento das áreas urbanas e do planejamento físico territorial. Tanto a carta de Veneza, quanto a declaração de Amsterdã, ainda hoje são muito importantes para a preservação de conjuntos urbanos e serão bases importantes para o nosso projeto.

Retornando ao que Schlee (2010) escreveu em seu parecer de tombamento do conjunto arquitetônico de Luziânia pelo IPHAN, percebemos que a cidade não é um exemplo de integridade ou de homogeneidade estilística, “mas sim de um conjunto urbano bastante impactado e heterogêneo, onde ainda é possível encontrar coerência entre a rede de vias central, os parcelamentos fundiários e algumas edificações, conforme padrões urbanos estabelecidos a partir do século XVIII”.

Felizmente, restaram essas características urbanas e alguns edifícios da arquitetura colonial, uns mais preservados, outros menos. E, com esse olhar mais amplo sobre o patrimônio urbano, dando importância a essa coerência urbana, que iremos propor uma intervenção que tenha potencial de agregar outros valores, identidade e qualidade ao núcleo histórico original de Luziânia.

Essa intervenção é bastante complexa, pois será necessário valorizar o espaço público com medidas de dinamização social e econômica, mas sem tirar a importância do patrimônio cultural da cidade. Por isso é importante entender os tipos de intervenção que podem ser realizados na escala urbana e qual o mais indicado para essa região de Luziânia.

3.2. Conceitos e modos de intervenção no patrimônio em relação à escala urbana A cultura, de forma direta, é tudo que o homem produz, mas para antropologia cultura é propriamente movimento de criação, transmissão e reformulação do ambiente artificial ou cultural, que contrapõe o ambiente natural, chamado habitat (SCHLEE et al, 2009). Os professores Andrey Schlee, Ana Elisabete Medeiros e Oscar Ferreira (2009) ao introduzir os conceitos fundamentais da preservação do patrimônio, consideram que o homem utiliza os recursos do habitat para satisfazer suas necessidades e o resultado dessa operação humana são os artefatos.

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Assim, o patrimônio cultural de um povo é constituído pelos elementos do seu habitat ou seu meio, e também dos elementos não tangíveis, como a técnica de produção e os artefatos. Esses elementos não tangíveis estão diretamente relacionados com a identidade do seu povo. Podemos concluir, então, que preservar o patrimônio cultural é preservar a história e a identidade de um povo.

Aí retornamos a nossa questão, como conciliar a intervenção sobre núcleo histórico original de Luziânia e, ao mesmo tempo, garantir a preservação dos seus atributos mais valorados?

Tabela 3 - Tipos de intervenção em bens imóveis em relação à escala arquitetônica Fonte: Introdução aos conceitos fundamentais da preservação do patrimônio - Andrey Schlee, Ana Elisabete Medeiros e Oscar Ferreira (2009)

Existe uma grande quantidade de intervenções para preservação aplicada à escala arquitetônica. Já em relação à escala urbana, a quantidade de conceitos e modos de intervenção é menor. Apesar disso, esses poucos conceitos que se distinguem, ao mesmo tempo, se confundem, o que coopera com o uso errôneo dessas terminologias. É o caso dos conceitos de renovação, reabilitação, revitalização e requalificação urbana. Segundo a Carta de Lisboa (1995)

Como vimos, no restauro crítico toda intervenção em um bem cultural constitui um caso em si, não classificável em categorias genéricas, como as precisadas pelos teóricos do chamado restauro científico. Porém, ainda é importante antes de se iniciar o nosso projeto, compreender quais as intervenções e as diferenças em relação à escala arquitetônica e urbana, pois é muito comum confundir e utilizar essa nomenclatura de forma pouco precisa ou mesmo equivocada. Para compreender as diferenças entre tipos de intervenção num bem cultural, usaremos o texto de introdução dos conceitos fundamentais da preservação do patrimônio elaborado pelos professores Andrey Schlee, Ana Elisabete Medeiros e Oscar Ferreira (2009), segundo eles no que se refere à escala arquitetônica, as principais ações sobre o bem são as seguintes:

Tabela 4 - Tipos de intervenção em bens imóveis em relação à escala urbana Fonte: Carta de Lisboa (1995)

Podemos concluir que a requalificação urbana é o tipo de intervenção em relação à escala urbana mais adequado para o núcleo histórico de Luziânia, pois propõe ações como a recuperação de equipamentos/infraestrutura urbana e melhoria da acessibilidade e centralidade do local, ou seja, valoriza o espaço público com medidas de dinamização social e econômica, ao mesmo tempo em que reconhece e potencializa a importância dos bens culturais como elementos básicos para a composição da zona urbana.

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72 3.3. Estudos de caso Com a finalidade de compreender como vem sendo conduzidas as intervenções de requalificação em centros históricos no Brasil e com base nos pontos levantados anteriormente, selecionamos três estudos de caso recentes. Além disso, tivemos como método proposto para esta etapa, buscamos a análise de projetos de requalificação no Brasil e que possuíssem uma identidade de núcleo original e centro histórico, que, porém, foram descaracterizados ao longo do tempo por intervenções urbanas que não levaram em conta aspectos históricos e culturais, ou seja, que possuíssem aspectos semelhantes ao de Luziânia.

O primeiro estudo de caso foi escolhido como um exemplo de grande intervenção urbana, que se preocupou desde o desenho de mobiliário urbano até a conexão da área de intervenção com o tecido urbano existente. Os outros dois estudos de caso escolhidos são exemplo de intervenções pontuais que alteram de forma significativa a relação do usuário com o espaço.

A análise foi realizada seguindo critérios estabelecidos a partir dos fundamentos teóricos desenvolvidos ao longo do trabalho: I. Princípios, diretrizes projetuais e programa: para determinar, por exemplo, se houve preocupação com relação à acessibilidade e a integração ao contexto urbano, se as demandas da população foram atendidas, entre outros pontos; II. Relação antigo versus novo: de forma a identificar se houve preocupação com relação aos aspectos históricos e culturais característicos do local,

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por exemplo, se respeitaram o princípio de disntiguibilidade presente na carta de Veneza, ou ainda, se a conservação do patrimônio cultural esteve presente já no planejamento urbano, conforme a declaração de Amsterdã;

Figura 72 - São José - SC Fonte: Equipe de projeto vencedor do concurso (2014)

III. Ações que se enquadram à escala urbana e à escala arquitetônica: diferenciar as ações nessas duas escalas e o quão uma determina na outra.

Figura 73 - Montagem de proposta de requalificação de São José - SC Fonte: Equipe de projeto vencedor do concurso (2014)

3.3.1. Primeiro lugar no concurso para a Requalificação Urbana do Centro Histórico de São José – SC Histórico De acordo com o site da prefeitura de São José – SC, o município está localizado na Grande Florianópolis, é o quarto mais antigo de Santa Catarina e foi colonizado em 26 de outubro de 1750, por 182 casais vindos das Ilhas de Açores. Em 1829, recebeu o primeiro núcleo de colonização alemã do Estado.

O rápido desenvolvimento, aliado ao aumento populacional e poder econômico, fez com que, em 1º de março de 1833, através da Resolução do Presidente da Província, Feliciano Nunes Pires, São José passasse de freguesia a vila (município) e, em 3 de maio de 1856, através da lei Provincial nº 415, foi elevada à cidade.

Com um território pequeno, o município outrora foi considerado uma cidadedormitório de Florianópolis, que compartilha sua única fronteira por terra com São José. Apesar da capital ainda influenciar o município vizinho, seus bairros principais hoje são tão relevantes quanto os de Florianópolis. De acordo com

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74 Figura 74 - Montagem de proposta de requalificação de São José - SC Fonte: Equipe de projeto vencedor do concurso (2014) Figura 75 - Mapa com áreas e intervenções propostas Fonte: Equipe de projeto vencedo do concurso (2014)

estimativas do IBGE de 2019, a cidade possui hoje 242 927 habitantes. É a quarta cidade mais populosa de Santa Catarina e a 118ª do Brasil. Por conta desse crescimento e a proximidade com a capital Florianópolis, São José passou por constantes transformações e a preservação do seu patrimônio histórico-cultural não foi prioridade.

Em janeiro de 2014 o Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento de Santa Catarina - IAB-SC, lançou a chamada para um concurso que visava a requalificação urbana do centro histórico da cidade de São José - SC. Os participantes do Concurso deviam apresentar soluções e ideias para intervenções de sinalização, mobiliário urbano, pavimentação e equipamentos que melhorem as condições de convívio da comunidade com o mar, como espaço histórico de base luso-açoriano, incentivando a retomada do mercado público e de outros pontos históricos.

As intervenções deviam ocorrer no trecho compreendido entre a Praia Comprida e o acesso a Ponta de Baixo, com foco no núcleo central e arredores da Praça Hercílio Luz e Igreja Matriz. O responsável técnico pela equipe do projeto vencedor foi Cássio Orlandi Sauer, de Porto Alegre. A equipe foi composta pelos arquitetos: Camila Thiesen (Metropolitano Arquitetos), Cássio Sauer e Elisa Martins (arquitetura pela rua), Diogo Valls (Valls) e Jaqueline Lessa e os colaboradores: Ignacio de la Vega, Lucas Weinmann e Lucas Zimmer.

Descrição e análise do projeto I. Princípios, diretrizes projetuais e programa Por se tratar de um concurso arquitetônico/urbanístico, algumas diretrizes

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de projeto já são pré-determinadas, algumas delas já até citamos, como a criação de soluções e ideias para intervenções de sinalização, mobiliário urbano, pavimentação, equipamentos que melhorem as condições de convívio da comunidade com o mar, como espaço histórico de base luso-açoriano, incentivando a retomada do mercado público e de outros pontos históricos.

Porém, como essas diretrizes foram trabalhadas e os como os problemas foram solucionados são exclusivos do projeto.

O projeto contempla a reurbanização do trecho norte-sul do principal eixo viário de São José, entre duas importantes igrejas históricas, e da zona central da cidade onde estão localizados os principais espaços públicos e edifícios históricos como a Igreja Matriz, Teatro Municipal, além do Beco da Carioca.

O princípio desse projeto de requalificação foi buscar valorizar o patrimônio histórico e a paisagem da cidade de São José, uma paisagem urbana única e plural marcada pelo permanente processo de construção do espaço público e privado ao longo do tempo e ao progressivo abandono decorrente do deslocamento da centralidade urbana devido as novas dinâmicas de cidade, criando identidade especial através da criação de diretrizes que possibilitem a conformação de um espaço vivo. As semelhanças com Luziânia são evidentes, a proximidade de uma capital e o abandono do centro histórico são as características mais claras, por isso a análise das propostas desse projeto para São José é de grande valor para o processo de projeto de requalificação do centro histórico de Luziânia.

Dentre as diretrizes do projeto vencedor do concurso para requalificação de São José, podemos citar algumas. Segundo a descrição do projeto, a principal diretriz foi reaver a relação da cidade com a água, que foi diminuindo

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76 gradativamente devido à substituição do transporte marítimo pelo rodoviário decorrente da construção da Ponte Hercílio Luz e a construção de edifícios públicos e residenciais junto à orla. Em Luziânia a relação com a água também é um ponto importante, pois na região do núcleo histórico passa o córrego Viegas e o Rio Vermelho, onde ocorria o garimpo do ouro e de onde a cidade se conformou. Estes córregos hoje não são tratados com a importância devida, boa parte deles foi canalizada e ainda existe a prática de alguns moradoresde despejar esgoto sem tratamento neles. As regiões próximas aos rios também são ignoradas, onde haviam pontes foi canalizado e asfaltado, perdendo uma característica importante das cidades coloniais goianas que é a ponte de madeira como um elemento central da cidade, e também as margens dos cursos d’água sem tratamento urbano, simplesmente abandonados.

Outras diretrizes são: a redução progressiva do fluxo de carros, ônibus e caminhões no núcleo histórico de São José, considerando o aumento da permeabilidade da malha viária através da construção de novas conexões; e a recentralização do Centro histórico, para a valorização do patrimônio histórico e cultural edificado e da paisagem natural configurando-os como principais atratores para o turismo na cidade. Essas diretrizes são coerentes com ideias apresentadas por Giovanonni no início do século XX, para ele era essencial a separação entre a cidade antiga e a moderna, reservando a cada uma delas a função e o tráfego que lhes são compatíveis. Assim, o tecido antigo teria uma circulação mais local e funções de proximidade.

O tratamento das vias está relacionado com a diretriz de privilegiar a circulação do pedestre, de forma a manter a vocação original da rua como elemento estruturador da cidade, que possibilita o fluxo tanto de pessoas como de veículos contemplando diferentes formas de mobilidade. A priorização do pedestre foi

acentuada pela elevação da via nas esquinas. Este espaço compartilhado entre veículos e pedestres busca, além de auxiliar na diminuição da velocidade dos veículos, proporcionar uma circulação peatonal acessível e convidativa. É um projeto que se preocupa com o pedestre e busca proporcionar a acessibilidade universal sempre que possível.

II. Relação antigo versus novo

Figura 76 - Planta baixa do projeto de requalificação para praça Fonte: Equipe de projeto vencedo do concurso (2014) Figura 77 - Seções de intervenção Fonte: Equipe de projeto vencedo do concurso (2014)

De acordo com a equipe de projeto, o Centro Histórico de São José carrega em sua identidade o papel de lugar de intercâmbio e circulação, por isso a nova praça foi configurada apoiando-se nesses dois valores, priorizando espaços que possibilitassem mistura social e funcional. Os espaços públicos foram tratados como foyers urbanos que acolhem os frequentadores dos edifícios culturais existentes no entorno, inclusive do edifício histórico do Mercado que pela grande dimensão compõe uma nova fachada para a praça e um novo atrativo para a cidade.

A praça em si foi pensada como um espaço dinâmico e flexível que proporciona possibilidades múltiplas de configuração compondo com os quiosques, espaços de estar e convivência. Ainda de acordo com a descrição do projeto, foi buscado o resgate histórico da conexão entre a Igreja da Matriz e a orla marítima, este eixo, marcado pelas palmeiras imperiais, foi relembrado como o primeiro acesso à cidade e proporciona a integração entre as praças Hercílio Luz, Praça Arnoldo de Souza e o trapiche de acesso naval.

Para possibilitar essa conexão, foi necessário a remoção do edifício da Câmara Municipal e em seu espaço atual foi proposto um pequeno espaço com chafarizes, que trouxe para o coração da praça atividades que no passado

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78 Figura 78 - Possibilidade de uso da área de requalificação Fonte: Equipe de projeto vencedor do concurso (2014) Figura 79 - Estratégias para área de requalificação Fonte: Equipe de projeto vencedor do concurso (2014)

Figura 80 - Exemplo em 3d de calçamento das vias Fonte: Equipe de projeto vencedor do concurso (2014)

eram vivenciadas na Praia de São José. O reconhecimento da unidade desse espaço foi evidenciado através da nova pavimentação elevada nas vias a fim de priorizar o pedestre, incentivando o percurso da área. Também foi proposto uma passarela que dá continuidade ao circuito de caminhadas e ciclovia existente na av. Beira Mar que proporciona um novo acesso ao centro histórico.

Essa proposta de intervenção cria novos edifícios e espaços, como uma passarela e uma pequena praça com chafarizes, porém estes são fundamentados em espaços e funções que existiram ali antigamente. É notável essa preocupação em embasar as novas intervenções no espaço antigo, pois sempre foi usado na descrição do projeto termos como relembrar e resgate histórico. Apesar de ter essa sustentação no antigo, essa intervenção não buscou realizar um falso histórico, respeitando os princípios fundamentais apresentados por Brandi, como o princípio de distinguibilidade, que busca deixar claro os novos espaços pelos materiais da intervenção.

III. Ações que se enquadram à escala urbana e à escala arquitetônica Como vimos anteriormente, Giovannoni já no início do século XX defendia que a cidade deve ser entendida como um organismo complexo, a ser trabalhada em sua inteireza, abordando relações entre cidade existente, novas áreas de expansão e zonas de preservação de maneira articulada. Este pensamento mais abrangente fez dele um dos pioneiros da legislação urbana italiana e esta forma de pensar a cidade só foi consolidado na declaração de Amsterdã em 1975, que a conservação do patrimônio arquitetônico deve ser considerada como objetivo maior do planejamento das áreas urbanas e do planejamento físico territorial.

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Neste projeto de intervenção do centro histórico de São José, por ser de uma área ampla, diversa e com forte ligação com toda a cidade, foi necessário pensar a cidade como um todo e não só na área de intervenção. Segundo a equipe de projeto, considerando essa diversidade do tecido urbano, foram propostas camadas de intervenção: edifícios históricos, igrejas, praças, orla marítima, percurso peatonal, circulação de veículos, circulação de bicicletas, conexões viárias, equipamentos públicos, equipamentos culturais, iluminação, vegetação e áreas verdes. A combinação e sobreposição destas camadas potencializou a dinâmica urbana uma vez que suas relações traduzem a complexidade do espaço público.

Houve desde propostas baseadas em um plano macro de intervenções a longo prazo, que considera por exemplo reformulações no Plano Diretor e adequação às diretrizes do Estatuto da Cidade, até propostas de tratamentos de pavimentação, mobiliário, iluminação e sinalização gráfica a fim de criar nova identidade que pode servir como base para futuras intervenções na cidade. O que é interessante nesse projeto, é que apesar de pensarem à escala arquitetônica em camada distinta à escala urbana, elas se sobrepõem e conversam uma com a outra.

Por exemplo, propostas como o alargamento de passeios, que é em uma escala mais urbana, pode possibilitar a distribuição de mobiliário urbano, arborização e iluminação e consequentemente pode gerar um ambiente humanizado com espaços de convivência que propiciam a permanecia das pessoas em área pública. Esta apropriação do espaço incentiva a requalificação do entorno próximo, em uma escala arquitetônica, como por exemplo a retirada ou substituição dos muros e fachadas das casas por fechamentos mais permeáveis e que possibilitem uma maior permeabilidade visual e segurança.

81 3.3.2. Intervenções em Praças históricas promovidas pelo PAC Cidades Históricas Histórico O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), iniciado em 2007, foi uma inciativa do governo federal coordenada pelo Ministério do Planejamento que promoveu a retomada do planejamento e execução de grandes obras de infraestrutura social, urbana, logística e energética do Brasil. Em 2013, de forma até então inédita na história das políticas de preservação, o Ministério do Planejamento autorizou a criação de uma linha destinada exclusivamente aos sítios históricos urbanos protegidos pelo Iphan, dando origem ao PAC Cidades Históricas. Foram R$ 1,6 bilhão destinado a 425 obras de restauração de edifícios e espaços públicos, em 44 cidades de 20 estados brasileiros.

Como tratamos no capítulo 1 desse Plano de Trabalho, a cidade de Ouro Preto-MG possui um passado de glória e decadência, do mesmo modo que a cidade de Sã Cristóvão-SE e de diversas outras cidades brasileiras. Tanto Ouro Preto, quanto São Cristóvão foram capitais provinciais, tiveram palácios de governadores, porém perderam essa condição, deixando um rico patrimônio arquitetônico e imponentes praças, rodeadas de monumentos, que serviram como espaço para importantes acontecimentos e festejos civis ou religiosos.

Segundo Nabil Bonduki (2010) “graças ao deslocamento da função administrativa, as praças São Francisco e Tiradentes, respectivamente em São Cristóvão, Sergipe, e Ouro Preto, Minas Gerais, mantiveram-se como espaços públicos relativamente íntegros, com poucas alterações nos edifícios que as

contornam.” Porém, como em diversos lugares do país, ao longo dos anos, esses locais sofreram intervenções que passaram a obstruir a contemplação plena desses excepcionais conjuntos urbanísticos e arquitetônicos.

Descrição e análise do projeto I. Princípios, diretrizes projetuais e programa Tanto em Ouro Preto, quanto em São Cristóvão, o princípio de intervenção em suas praças era o de tentar o resgate da ambiência dessas e valorizar os monumentos que as circundam.

82 Figura 81 - Praça São Francisco em São Cristóvão - SE antes da execução do projeto de requalificação Fonte: Google (2015)

Figura 82 - Praça Tiradentes em Ouro Preto - MG antes da execução do projeto de requalificação Fonte: Google (2015)

De acordo com Bonduki (2010) em São Cristóvão a intervenção buscou resgatar a praça seca existente até meados dos anos 1940, eliminando qualquer elemento que pudesse interromper a fruição do espaço, valorizou os monumentos que contornam a praça. Para conseguir isso, a rede elétrica e a de telefonia foram enterradas, a pavimentação foi trocada e uniformizada, com a colocação de pedra lisa, foi retirado pequenos canteiros, tufos de vegetação e pequenas árvores que existiam na área em frente à Capela e Hospital da Misericórdia. Para destacar ainda mais os monumentos, implantou-se um projeto de iluminação.

Em Tiradentes as diretrizes tinham o mesmo objetivo, porém o grande dificultador em resgatar a praça seca original é o uso atual dessa praça como estacionamento de carros. Para tentar liberar parte da praça do jugo dos automóveis em pelo menos parte da praça, a pavimentação de paralelepípedos foi levemente elevada, sem romper sua homogeneidade. Com essa diferença de níveis, deixou mais claro onde os veículos podiam circular e onde o espaço

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83 Figura 83 - Praça São Francisco em São Cristóvão - SE após a execução do projeto de requalificação Fonte: Google (2018)

Figura 84 - Praça Tiradentes em Ouro Preto - MG após a execução do projeto de requalificação Fonte: Google (2018)

público devia ser preservado para a circulação apenas dos pedestres e fruição dos monumentos.

Uma diretriz importante para tentar essa redução da presença dos carros na praça, foi a implantação de mais terminais de transporte coletivo. Com isso, há uma melhora nas condições de deslocamento dos usuários de ônibus e criando uma alternativa de mobilidade na cidade. O terminal deu condições mínimas de conforto a quem transita pela cidade.

II. Relação antigo versus novo Segundo Bonduki (2010), a praça São Francisco, em São Cristóvão, serve hoje de cenário e palco para a encenação da Paixão de Cristo, para procissões do Senhor dos Passos e do Fogaréu, e para festas como o Carnaval, o São João, a Cidade Seresta e o Festival de Arte de São Cristóvão, ou seja, a praça é um espaço já cheio de vida, de personalidade e de certa forma harmoniosa, e como Bonduki (2010) afirmou, “qualquer intervenção que tentasse introduzir mudanças estruturais estaria fadada ao insucesso.”

A praça Tiradentes, em Ouro Preto, felizmente também tem essa vivacidade, com uma população que usa a praça para as atividades do dia-a-dia, e dentro essas atividades de hoje estão o uso do automóvel. Este caso é um bom exemplo da dificuldade em compatibilizar a estética de uma praça monumental e de preservar ambiência da praça, com o uso de atividades cotidianas de qualquer outra cidade. A relação antigo versus novo nesses dois casos é muito discreta, pois houve principalmente o resgate do antigo, em retirar intervenções que não se preocuparam com a estética da praça monumental e em “limpar” as interferências visuais, como os automóveis.

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84 A distinguibilidade dos materiais de diferentes intervenções é difícil em ambas as praças. Pelas imagens delas, em um contexto mais amplo e após as mudanças realizadas pelo PAC cidades históricas, é difícil notar o que é o novo e o que é antigo. Essa relação só é percebida por um olhar mais próximo dos materiais e também com um certo conhecimento histórico e estético, o que é um pouco questionável pelos princípios apresentados por Brandi, que criticava a criação de um falso histórico.

Pensando dessa forma, do ponto de vista patrimonial e que não gerasse um falso histórico, no caso da Praça Tiradentes, talvez fosse melhor interditar completamente o tráfego de automóveis, porém isso seria inviável, pois como Bonduki (2010) afirma, a praça é o elo de ligação entre as várias zonas do município, cuja topografia acidentada e as restrições impostas pela preservação limitam a abertura de novas vias. Ou seja, na busca do equilíbrio entre o resgate da ambiência da praça e uso cotidiano dessa, infelizmente foi necessário abrir mão, de pelo menos parte, de alguns princípios da teoria da preservação.

III. Ações que se enquadram à escala urbana e à escala arquitetônica Bonduki (2010) afirma que a composição urbana e arquitetônica da praça São Francisco permite situá-la entre os principais conjuntos urbanísticos do país.

Sua proporção, com a profundidade cerca de duas vezes maior que a largura, equivalendo a dois quadrados, lhe confere nobreza, harmonia. Marcada ainda pela diversidade de edifícios, a maior parte do século XVIII. Da mesma forma, a praça Tiradentes é toda fechada por edifícios, porém ela possui formato irregular, diferente do que acontece em São Cristóvão. Ela é fechada lateralmente por um casario contínuo, quase todo assobradado, que valoriza a presença, nas pontas opostas, de dois dos mais destacados edifícios de

85 arquitetura civil construídos no país: o Palácio dos Governadores e a Casa de Câmara e Cadeia, que representam, respectivamente, a coroa portuguesa e o poder local. (BONDUKI, 2010) As intervenções realizadas nas duas praças buscavam a valorização delas, e essa valorização foi obtida, além da recuperação do pavimento e eliminação de interferências, através da restauração dos edifícios que a configuram e do destaque destes a partir de uma melhor iluminação. A relação entre o arquitetônico e o urbano nessas praças são tão inerentes que qualquer intervenção em uma dessas escalas altera a outra de forma substancial.

Por serem locais de excepcional valor artístico, que ainda possuem grande integridade, as intervenções em relação à escala arquitetônica foram no sentido de destacá-lo ainda mais e deixar claro a monumentalidade dos principais edifícios. Em Luziânia, não há essa homogeneidade e integridade da arquitetura, porém a partir desses dois estudos de casos, foi constatado que é essencial apresentar soluções, pelo menos pontuais, nessa escala para obter os resultados almejados para a escala urbana.

3.3.3. Considerações sobre os estudos de caso O conhecimento da história e dos planos propostos para o centro histórico de São José e para as praças de São Francisco e Tiradentes, em São CritóvãoSE e Ouro Preto-MG respectivamente, permitiu entender como vem sendo conduzidas as intervenções de requalificação de áreas urbanas no Brasil que possuíssem uma identidade de núcleo original e centro histórico, que, porém, foram descaracterizados ao longo do tempo por intervenções urbanas que não levaram em conta aspectos históricos e culturais, ou seja, que possuíssem aspectos semelhantes ao de Luziânia.

Em São José podemos observar que as propostas de intervenção do primeiro colocado do concurso para a cidade puderam contribuir positivamente, em diversos aspectos para a cidade. Dentre esses aspectos projetuais positivos podemos citar a ideia de reaver a relação da cidade com a água, a redução progressiva do fluxo de carros, ônibus e caminhões no núcleo histórico de São José e a recentralização do Centro histórico, para a valorização do patrimônio histórico e cultural edificado e da paisagem natural configurando-os como principais atratores para o turismo na cidade.

Porém o que consideramos mais interessante nesse projeto e que pode ser levado para a projeto de requalificação de Luziânia, foi a preocupação em pensar a cidade como um todo e não só na área de intervenção. Considerando a diversidade do tecido urbano de São José, foram propostas camadas de intervenção que foram trabalhadas separadas, porém sobrepostas, com cada uma intervindo sobre as outras.

86 Figura 85 - Praça São Francisco em São Cristóvão - SE após a execução do projeto de requalificação Fonte: Google (2018)

Figura 86 - Praça Tiradentes em Ouro Preto - MG após a execução do projeto de requalificação, possível notar as diferenças de nível do piso Fonte: Google (2018)

Podemos dizer que as propostas de intervenções nas praças São Francisco e Tiradentes foram trabalhadas de forma oposta ao que pensaram para São José, mas isso não significa que fizeram errado, pois essas praças, na concepção estrita do termo, são secas e fechadas em si. Por serem assim, a intervenção dessas foram mais pontuais e sutis. A busca por recuperar a antiga relação artística entre as praças e os edifícios que as rodeiam, reabilitando a pavimentação e retirando interferências indesejadas, caracterizam essas pequenas, mas significativas intervenções.

Os dois projetos carregam pontos positivos e negativos, um pensa mais na relação novo versus antigo, na relação e no trabalho entres diferentes escalas, outro não se preocupa tanto com critérios projetuais como a distinguibilidade

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87 Figura 87 - Praça São Francisco em São Cristóvão - SE após a execução do projeto de requalificação Fonte: Google (2018)

Figura 88 - Praça Tiradentes em Ouro Preto - MG após a execução do projeto de requalificação, possível notar as diferenças de nível do piso Fonte: Google (2018)

de materiais, para atingir o objetivo de valorizar a estética e monumentalidade originais, porém são ótimas referencias de como cada cidade possui características próprias e como cada uma deve ser pensada de forma própria.

Luziânia carrega um pouco de cada desses estudos de caso e muitas outras características exclusivas, que descobrimos ao longo do estudo do processo histórico, de transformação e de geração de sua identidade que fizemos nesse plano de trabalho.

PROPOSTAS DE CADA CASO APLICÁVEIS À LUZIÂNIA Reaver a relação do centro histórico com a água Redução progressiva do fluxo de carros, ônibus e caminhões pesados no centro histórico São José Recentralização do centro histórico Pensar a cidade como um todo, principalmente nos fluxos de vias e rotas de transporte público, relação com bairros próximos e com o parque ecológico Praças São Resgate da ambiência das praças Francisco e Valorização do monumentos Tiradentes Dinstinguibilidade do materiais

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CAPÍTULO 4 DIRETRIZES DE PROJETO Este capítulo apresenta diretrizes iniciais de projeto, croquis esquemáticos e imagens de referências projetuais.

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89 Figura 89 - Catedral e Plaza San Martin, Cordoba, Argentina Fonte: Google (2019) Figura 90 - Rua Grande antes e depois de requalificação, São Luís, MA Fonte: IPHAN (2019) Figura 91 - Rua do Lazer, Pirenópolis, Goiás Fonte: IPHAN (2019)

90 4.1. Diretrizes iniciais

i) melhoria do sistema de calçadas, atualmente repleto de obstáculos.

A partir do embasamento histórico e teórico-metodológico desenvolvido ao longo do Plano de Trabalho e com o ideal de valorizar o patrimônio histórico e a paisagem natural, propomos algumas diretrizes projetuais que possibilitem a conformação de um espaço vivo e de identidade na cidade de Luziânia.

Ressalta-se a pretensão do trabalho em permanecer no âmbito urbano, mas com algumas diretrizes pontuais, como propostas de tratamentos de fachadas, no âmbito da arquitetura. A seguir serão detalhadas cada uma delas:

ii) uso da pavimentação como elemento de identificação;

1. Fazer proposta de zoneamento com foco na preservação e sugerir terrenos/edifícios com tipo edilícios compatíveis para adaptação a novos usos, além disso: propor o Corredor Cultural e de lazer na Rua do Rosário, este Corredor será o composto pela Rua do Rosário e as praças das Igrejas da Matriz e do Rosário, onde faremos as principais intervenções; e sugerir um espaço para a implantação do Arquivo Histórico Municipal, duas propostas do Plano Diretor Municipal.

2. Promover a redução do uso de automóveis na área, através de mudanças de fluxos de vias, da redução da quantidade de estacionamentos e da geração de outras possibilidades de transporte; 3. Priorizar os pedestres e ciclistas, tornando os espaços mais íntimos, na escala humana e acessíveis sempre que possível, criando, dessa forma, espaços inclusivos e democráticos. Para tanto, quatro aspectos serão contemplados:

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iii) criação de um sistema de ciclovias; iv) propor calçadas e vias compartilhadas, sempre que possível.

4. Tal como a maioria dos centros históricos no Brasil, propor a troca da rede elétrica, de telefone e internet do tipo aérea pela subterrânea, reduzindo a poluição visual e retornando à integridade visual urbana.

5. Propor novas rotas de transporte público, com o objetivo de reduzir o tráfego de automóveis pesados próximo aos edifícios históricos.

6. Projetar espaços públicos de qualidade e acessíveis, sempre que possível, a toda a população, com diversidade de usos e funções, principalmente atividades que sejam compatíveis com as necessidades e vocação da área: i) Resgate da qualidade perdida ou adormecida de antigos espaços públicos, como os Largos da Matriz de Santa Luzia e do Rosário, a Praça do Tamboril e as margens do córrego Viegas e do Rio Vermelho; ii) Procurar reestabelecer a monumentalidade das Igrejas em relação ao entorno e promover permeabilidade espacial e visual

92 nos dois largos; iii) Propor a implantação de áreas verdes onde possível, pois, além de melhorar a qualidade urbana, proporcionam sombra aos pedestres estimulando a caminhada ou mesmo sua permanência;

93 cavalhadas e apresentações musicais, como a da catira. e as festas de tradição nordestinas e gaúchas que chegaram na cidade após 1960. i) Faixa de via apropriado para confecção de desenho de Corpus Christie, material com juntas menores;

iv) Usar, sempre que possível, materiais permeáveis nas calçadas e vias, com o objetivo de reduzir a velocidade da água pluvial na superfície e reduzir a ocorrência das enchentes.

ii) Iluminação pública que possibilite o encaixe de toxas, usadas nas procissões, como a do fogaréu.

7. Projetar mobiliário urbano, como bancos, placas informativas, vasos de árvores, postes, lixeiras, balizadores, todos com desenhos que dialoguem com identidade do local. Luziânia carece de um símbolo que a represente bem, para obter isso pode ser aproveitado suas tradições religiosas.

10. Propor a criação de um “Manual de Intervenção no Centro Histórico” a fim de garantir a requalificação progressiva da Paisagem Urbana, com regras para tratamentos das fachadas de imóveis particulares para redução da poluição visual.

8. Propor atividades que promovam a vida diurna e a noturna (ruas cheias transmitem a sensação de segurança);

i) Propor regras de cheios e vazios, cores e volumetria para as fachadas;

i) Bares, lanchonetes e restaurantes estimulam a vida noturna, atraindo diferentes perfis sócio-econômicos para o local;

ii) Condicionar modelos e regras para placas publicitárias em fachadas de imóveis particulares e espaços públicos.

ii) Pensar um espaço para receber a tradicional Feira Pôr do Sol nos fins de semana, que atualmente não tem um local fixo e adequado.

11. Propor espaços com totens e placas que comuniquem a história e o patrimônio cultural da cidade de Luziânia.

94 Figura 92 - Confecção tapete Corpus Christi em frente à Matriz de Santa Luzia, Luziânia, Goiás Fonte: Diocese de Luziânia (2019) Figura 93 - Procissão fogaréu em frente à Igreja Do Rosário de Luziânia Fonte: TV Anhanguera (2019) Figura 94 - Folia do Divino, Rua do Rosário, Luziânia, Goiás Fonte: Diocese de Luziânia (2019)

9. Pensar o espaço público para receber da melhor forma as manifestações culturais que ocorrem em Luziânia, tais como a folia da Festa do Divino, o Fogaréu, o tapete de Corpus Christie, a Via Sacra, as procissões, as

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4.2. Croquis esquemáticos

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Figura 95 - Praça da Matriz, percebese a presença de estacionamentos, paisagismo que foge da antiga ambiência da praça, inexistência de acessibilidade, casarão descaracterizado...

Fonte: Google Earth (2019) Figura 96 - Praça da Igreja do Rosário, estrutura de posto de gasolina que teve a construção embargada pela legislação, essa e outras edificações alteram a percepção da Igreja do Rosário Fonte: Google Earth (2019)

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Figura 97 - Casarões na região mais baixa da Rua do Rosário, local onde as edificações estão mais íntegras Fonte: Google Earth (2019)

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Dizia meu avô: Quando as coisas ficam ruins é sinal que o bom está perto.

O ruim está sempre abrindo passagem para o bom.

Cora Coralina

Fotografias autorais (2018)

@SombraDoTamboril