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Espaço Cênico
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ESPAÇO CÊNICO
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Um espaço cênico é definido como um espaço em função de uma encenação teatral. Pavis (1999), define o termo espaço cênico como o espaço concretamente perceptível pelo público na ou nas cenas, ou ainda os fragmentos de cenas de todas as cenografias imagináveis. É quase aquilo que entendemos por ‘a cena’ de teatro. O espaço cênico nos é dado aqui e agora pelo espetáculo, graças aos atores cujas evoluções gestuais circunscrevem este espaço.
Complementando esse pensamento Lídia Kosovski (2005), diz que a teatralização do espaço passa por inúmeras formas, assumindo diversas características. Historicamente no Ocidente, até os primórdios do século 20, era possível com facilidade identificar os lugares onde os eventos cênicos ocorriam, pois existia uma norma que organizava arquitetonicamente aquele espaço de apresentação, o teatro onde abrigava diferentes arranjos de palco e plateia, dependendo do que se propunha. Com o passar dos tempos, o edifício teatro tornou-se um emblema de arte teatral, confundindo-se com a própria noção de teatro. Segundo Kosovski isso se dava pois do edifício derivaram variações espaciais e arquitetônicas engendradas pelo desenvolvimento do espetáculo teatral, como condicionaram as relações de contato entre cena e público.
Por outro lado, o teatro tem uma profunda relação com os espaços públicos. Desde sua origem está ligado a sociedade e aos espaços em que se constitui em plenitude. Seja a rua, a praça, a cidade o teatro participa e ratifica o caráter público desses espaços. Independentemente da escala, o edifício teatro é um dos capítulos da história das artes cênicas, um capítulo recente, mas que repercutiu muito na história do teatro. Independente ou paralelamente ao edifício, o teatro continuou ocupando os espaços públicos, sobretudo a rua, durante toda a história, e mesmo essa trajetória encontra diversos caminhos que mostram o quão diversificadas são as alternativas. À medida que se questionou a arquitetura teatral tida como tradicional, buscaram-se outras possibilidades espaciais. O edifício teatro impunha limites por meio de uma topologia e uma geografia disciplinadoras, que foram repensadas. Rompendo com a estrutura da tipologia tradicional do edifício e suas possíveis limitações para a constituição das teatralidades contemporâneas, o espaço teatral (5) expandiu-se em alternativas diversas, abrangendo muito mais que uma edificação tipo. Em alguns casos, ampliou-se e abrigou a própria cidade, sobretudo em sua condição de urbanidade. Nesse sentido, Kosovski afirma:
Criaram-se assim poéticas de auto-exílio. Um exílio, e não um degredo, sediado na realidade, na cidade e seus arredores, nas ruas ou sob tetos escolhidos e transformados a cada momento, que se armam e se desarmam como uma tenda – uma invenção de espaços, de arquiteturas móveis, voláteis e efêmeras, sem fixidez – a eliminar a política do edifício privado,seus significados simbólicos e condicionamentos prévios; a poética de teatros sem teto, ou de tetos provisórios, a transformação de qualquer lugar em palco. A proposta da aventura nômade, sem asilo, em busca de uma especificidade teatral – por uma magia sem mistérios(KOSOVSKI. 2005. P.11)
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Outro autor que complementa Kosovski sobre um espaço cênico não convencional seria o pensamento de Inês Ferreira (2007):
Cada novo espaço oferece múltiplas possibilidades e potencializa novas relações. A decifração de signos, sentidos e a criação de mundos dependem desses espaços existentes.[...] Mais do que criar uma instalação autônoma, cada montagem em um novo local se apropria e habita o lugar. O novo local é ocupado e experimentado através de práticas que consideram a presença dos materiais do espaço escolhido e recriam a relação entre os elementos inseridos e encontrados(FERREIRA. 2007. P.25)
DIOR - SPRING SUMMER
Um exemplo bem atual sobre um espaço cênico fora do edifício teatro, um espaço cênico não convencional, seria o desfile de primavera/verão 2018, a Dior criou um cenário espetacular. O desfile teve como inspiração os contos de fada, ambientes onde se encontram tesouros, dragões, magos e princesas. Assim, no meio do jardim do Museu Rodin, em Paris, foi arquitetada uma gruta com o interior coberto por pedaços de espelhos, formando um mosaico de reflexos.

Arquitetura como espaço Cênico 36 ESPETÁCULO BOM RETIRO 958 METROS – TEATRO DA VERTIGEM
O Teatro da Vertigem dá, aos lugares que ocupa em seus espetáculos, um significado que interfere na direção, na dramaturgia, na interpretação dos atores e no trabalho dos outros criadores. A junção de todos esses elementos na cena costuma produzir um tipo de teatro de caráter mais experiencial e imersivo.

São Paulo. 2014. Foto: Flacio Morbach Portella.

São Paulo. 2014. Foto: Flacio Morbach Portella.
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Ainda sobre o cênico fora de edifícios teatros temos a tese de Urssi (2006), que introduz a arte do cinema, onde foi possível criar efeitos que seriam impossíveis para o teatro. O movimento trouxe a possibilidade de visualizar diversos ângulos no cenário, que com o auxílio da fotografia podiam então dispor de lugares naturais e com paisagens e construções reais. George Meilies, em meados de 1900 uniu truques de teatro com o cinema, pintando sobre a tela, isso proporcionou as primeiras cenas em que a câmera toma lugar do olhar do espectador e direciona o movimento que percorre todo o cênico em diversos ângulos e distâncias.

Sequência do filme Viagem a lua, George Méliés, 1914
Hamburger (2014) também afirma que a cênico cinematográfico tem características próprias, diferente do teatro em que o espectador tem um ponto fixo da cena e geralmente longe. No cinema essa relação com o espaço cênico é mutante, ampliando as relações espaciais e seus significados. Completa ao dizer que, a composição do espaço trabalha com diversos elementos combinados. O desenho do espaço define a disposição dos pontos de referência para a ação levando em conta os efeitos que se pode conseguir através do olhar da câmera.
Na composição de cada conjunto de elemento cênico, a comunicação de dados cognitivos soma-se a provocação de ordem emocional e sensorial ao espectador, além de construir a base estrutural para construção das cenas pelo diretor, fotógrafo e pelos atores. A composição e caracterização do personagem dão se também pela visualização dos cenários no qual ele se insere. Por meio de elementos visuais definem-se os aspectos fundamentais para a compreensão de cada sujeito na trama, como posição social. Estado civil, postura política e social, relações familiares, estados psicológicos etc. (HAMBURGER, 2014, p.14)
O cinema abriu caminho para a presença de cenografia e o cênico na televisão que inicialmente não era valorizada nesse meio. Os primeiros cenários foram criados com a mesma linguagem do teatro e depois passou a utilizar uma linguagem cinematográfica. A linguagem cênica adaptou-se aos novos meios, adquiriu novas características como a separação do tempo e espaço. O ambiente televisivo passou a ser referência para tendências de artes visuais passando a ser um meio consagrado de comunicação. A cena televisiva brasileira teve destaque ao encontrar uma linguagem própria com a inauguração da Tv Excelsior em 1960 (URSSI, 2006).
Urssi (2006) complementa que os espaços são projetados separadamente para que a câmera possa ter mobilidade de gravação das cenas e para essa movimentação, os espaços chegam a ser o dobro do utilizado para a cena em si. Os cenários televisivos possuem marcações na diagonal para onde geralmente acontece a movimentação dos atores. A marcação de cena ideal de um ator é feita onde pode-se ser pego por duas câmeras, para criar maior interesse no espectador ao ter dois pontos de visões da cena.
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A cenografia tanto no cinema quanto na televisão solicita do cenógrafo um olhar conceitual atento, que se atende de pequenos detalhes como o cenário de fundo, a cor do pires sobre a mesa e até o pôr-do-sol ao fundo. Exige também as sensações abstratas que definem as cenas, como o clima do local e a sensação que quer transmitir ao espectador. (COHEN, 2007)

A cenografia televisiva. URSSI, 2016, p.64.
O cinema e a televisão, apesar de terem absorvido elementos de outros meios de comunicação como teatro e rádio, desenvolveram uma cenografia específica e assim uma identidade visual com características próprias. Por isso acabaram se distanciando conceitualmente dos outros meios e passaram a modular uma nova sociedade consumidora de mensagens audiovisuais. (URSSI, 2006)
O pensamento de Mantovani (1989), complementa dizendo que o cênico hoje é um ato criativo, aliado a conhecimento de técnicas e teorias específicas que tem o objetivo de organizar o lugar teatral para que nele se estabeleça a relação cena/público. O cenário torna-se produto desse ato criativo, precisa traduzir a intenção da mensagem a ser transmitida e ser adequada a proposta da concepção do espetáculo, seja teatral, cinematográfico etc.
Cohen (2007) afirma que, outros tipos de comunicação associados ao marketing comercial tornam-se mais evidentes em nosso cotidiano, ao se apropriar da linguagem cênica para vender suas ideias. Esse deslocamento para além do teatro cria referências espaciais e seus reflexos sensoriais são percebidos com mais frequência no cotidiano. Ainda afirma, ao referenciar Thomas (2002), sobre a cenografia estar se expandindo no mundo da moda, dos shows dos clipes e das montagens de exposição. Também vem se fazendo presente em trabalhos comerciais como vitrine, stands e montagem de passarelas e palcos.
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Essa expansão segundo Cohen (2007) acontece devido a sociedade moderna de consumo, que é denominada de sociedade performance, na qual tudo é pensado, idealizado e realizado na forma de espetáculo. Onde a cultura do consumo destaca-se por sua capacidade de construção de universos imaginários em torno das mercadorias e produtos através da criação de ambientes de consumos cativantes fascinantes e sedutores. Desse modo, o cênico com suas técnicas de representação de realidades e sonhos são reconhecidos na atualidade como ferramenta comunicativa para o consumo.


Palco do festival Tomorrowland Desfile com passarela em um navio -Tommy Hilfiger


VideoClipe banda OK Go - Obsession Instalação 100 Colors n22, Cor do Tempo – Emmanuelle Moureaux
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Desse modo Cohen (2007) relata que hoje o cênico se divide em dois grupos de atuação. O mercado consumidor dos mais diversos bens e novidades e o cênico consolidado como forma de linguagem da comunicação investidas de autenticidade plástica, cujos atributos cenográficos são desenvolvidos através de uma narrativa que atendem a múltiplas dramaturgias. Desse modo, ainda se divide em 4 grupos de ação.

Tabela de possibilidades cenográficas/cênicas. COHEN, 2007, p.82.
Existe ainda uma categoria de espaços de consumo cujo produto associado é o lazer, que são os parques lúdicos e temáticos. Estes que também são exemplos de uso do cênico e de uma categoria que podemos qualificar como indireta, formada pelas atividades complementares que fazem parte do conceito, como figurinos, maquiagem, programação visual etc. (COHEN, 2007).
O segmento de espaço comercial, grupo 4 é o que mais vem se desenvolvendo atualmente e o universo de eventos e festas é o que possui caráter mais efêmero. É uma área bem ampla, que pode variar desde um lounge de patrocinador dentro do São Paulo Fashion Week, casamentos e festas de lançamento e até camarotes temáticos no sambódromo no Carnaval do Rio de Janeiro e o Rock in Rio, por exemplo. De qualquer forma, o sucesso dos eventos está relacionado com o envolvimento do público no projeto e na parte cênica, que nesse caso se caracterizam como formadores de opinião, tendências e modismos. Na maioria desses casos o cênico implica em caráter operacional em detrimento de questões visuais que muitas vezes são resolvidas com efeitos de iluminação e sonorização. (COHEN,2007).
O autor complementa que o cênico hoje, depois de sua trajetória em direção a novos espaços de atuação que transcendem os espaços teatrais, é consolidada como linguagem artística. Possui objetivo de passar uma mensagem a vários tipos de plateias e é reconhecida como importante ferramenta nos processos comunicativos na cultura de consumo.