Materia de Capa ED 74

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Edição #74 | Distribuição gratuita

CACAU À BEIRA-MAR

A região de Ilhéus, de belas praias e Mata Atlântica, agora aposta no turismo rural oferecido pelo fruto, que dá origem ao chocolate e vira modelo exportação

NEW ORLEANS

Berço do jazz, o destino é uma viagem musical

LAS VEGAS

Arena futurista de shows chama a atenção do mundo

GASTRONOMIA

Sobremesa deliciosa do chef Claude Troisgros


CAPA

SÓ QUERO

CHOCOLATE! Foto Kamila Gonçalves

O cacau renasce na terra de Gabriela, cravo e canela, impulsionando o turismo rural com visitações a fazendas nos arredores de Ilhéus e municípios. A nova atração se une às belas praias e à natureza exuberante da Mata Atlântica na região. Destino delicioso!

Vista aérea da secular fazenda Capela Velha, que viveu todos os ciclos do cacau, depois foi abandonada e agora, reformada, retoma a produção e está aberta à visitação 14

| Edição #74 |


• por Simone Galib

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Fotos Adilson Nascimento

CAPA

Produção sustentável: o cacau é cultivado sob a sombra de árvores nativas da Mata Atlântica 16

| Edição #74 |


B

ahia é sinônimo de praias ensolaradas,

repletas

de

coqueirais, natureza, mui-

to axé, sincretismo religioso, povo alegre e festeiro. Em Ilhéus, no litoral sul, nosso banco de memórias evoca Gabriela, o famoso cabaré Bataclan, o Bar Vesúvio e seus coronéis, imortalizados na obra de Jorge Amado. Sim, ali tem tudo isso. Porém, há mais: o estado hoje ressignifica um de seus tesouros mais valiosos do passado: o cacau. E a Bahia está virando a terra do chocolate –produto que há alguns anos sequer era fabricado no estado. Além de ser matéria-prima para uma das iguarias mais deliciosas do planeta, o cacau movimenta a indústria criativa, com o surgimento de novos negócios, o turismo rural e sustentável –tendências globalmente em alta. O resgate desse valioso patrimônio nacional rende bons frutos, que já aparecem para o mundo. A começar pelo Da ficção para a vida real: o famoso cabaré Bataclan, em Ilhéus

Chocolat Festival, o maior da América Latina – hoje realizado dentro e fora do país. Só para se ter uma ideia, o evento em julho de 2023, em Ilhéus, atraiu um público de 70 mil pessoas, gerando negócios diretos de mais de R$ 20 milhões. E hoje é modelo exportação.

NOVA ROTA A Rota do Chocolate também entrou para o mapa turístico do Nordeste com a implantação da chamada Estrada do Cacau, a BA262, que liga Ilhéus a Uruçuca, passando por 26 municípios. E já é A estátua de Jorge Amado, na Casa de Cultura que tem o nome do escritor, em Ilhéus

oferecida pelas agências de viagens aos turistas que visitam a Bahia,

O bar Vesúvio, inspirado em Gabriela, Cravo e Canela | www.viagenssa.com |

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Foto Nino-Franco

CAPA

Sede da Dengo, na fazenda Conduru, na Rota do Chocolate

especialmente agora com a aber-

história do Brasil Colonial. Trazido

perfeito para bons mergulhos. Sem

tura da temporada de cruzeiros,

da região Norte para a Bahia, por

falar na deliciosa culinária regio-

porque alguns navios fazem esca-

determinação da Coroa portugue-

nal, que pode ser apreciada nos

la em Ilhéus. Os visitantes inter-

sa, em 1746, o cacau encontrou no

restaurantes das fazendas, na de-

nacionais adoram!

litoral sul o ambiente ideal uma vez

gustação dos produtos derivados

Essa rota se estende pela BR-

que é produzido na copa das árvo-

do cacau e na boa prosa com os

415, que une Ilhéus a Itabuna,

res. Assim, o seu ciclo trouxe pros-

proprietários dessas áreas.

batizada de rodovia Jorge Amado.

peridade aos grandes fazendeiros,

Ao longo do caminho, há várias fa-

tornando-se a principal fonte de

zendas de cacau, que preservam o

renda no estado.

TURISMO RURAL Na Estrada do Chocolate exis-

estilo colonial e apresentam o cho-

Hoje, entre as atrações está a

tem várias fazendas que produ-

colate made in Brazil, hoje batizado

Estação Rio do Braço, antiga sede

zem cacau. Uma das mais antigas

de gourmet e premium.

do município de Ilhéus. Mas, como

e bem-estruturadas é a Capela Ve-

Os visitantes podem conhecer

estamos na Bahia é possível des-

lha, na BA 262, fundada no século

desde a produção, incluindo a co-

frutar do seu privilegiado entorno,

19 e que vivenciou todos os ciclos,

lheita, a moagem do fruto e a fabri-

desenhado pela natureza exube-

incluindo a crise da vassoura de

cação de chocolate. Esses passeios

rante da Mata Atlântica, com rios,

bruxa, praga que destruiu as plan-

também são um reencontro com a

cachoeiras e praias –um cenário

tações em 1990.

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| Edição #74 |


Foto Kamila Gonçalves

Processo de secagem das amêndoas em barcaças, na fazenda Capela Velha

A fazenda foi abandonada pe-

tou a produzir cacau e seus deri-

em estilo colonial é um dos car-

los antigos proprietários até ser

vados com 100% da matéria-pri-

tões-postais de Capela Velha, que

comprada, em 2011, por um casal

ma local.

oferece visitas guiadas, incluindo

Agora, compartilha o legado

Depois de grandes reformas, vol-

com os visitantes. A casa grande

um tour pelo viveiro de mudas até a fábrica de chocolate.

Foto Adilson Nascimento

Foto Divulgação Capela Velha

de mineiros que adorava a Bahia.

Torra das amêndoas extraídas do cacau

Moinho de pedra que produz chocolate

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Foto Matheus Jesus

CAPA

Armazém da fazenda Yrerê onde são vendidos produtos derivados do cacau

Na loja local, o visitante pode

Outra fazenda que faz sucesso

experimentar e comprar produtos

é a Yrere, localizada às margens

derivados, como barras de choco-

do rio Cachoeira (km 11 da rodovia

late, o mel (extraído das sementes

Jorge Amado). Além de produzir

A mais nova experiência sensorial

in natura), o suco (feito com a pol-

cacau, atua no segmento de turis-

no sul da Bahia é a da marca Dengo,

pa), geleia (à base de mel e que vira

mo rural, na fabricação de móveis

que também faz uma imersão no

recheio de bombons) e as chama-

rústicos, artesanato e chocolates

universo do cacau – do plantio sus-

das Nibs, a amêndoa do fruto que

sustentáveis. Por ali já passaram

tentável da muda até a degustação

é torrada e triturada, sendo tam-

nos últimos quatro anos mais de 3

de chocolate. Tudo isso é oferecido

bém a responsável pela primeira

mil turistas do mundo inteiro. Su-

na fazenda Condurú, em Rio do Braço

fase da produção do chocolate.

per charmosa e cenário para boas

(acesso pela BR 415, sentido Itabuna).

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fotos, é a mais próxima de Ilhéus.

DA BAHIA À FARIA LIMA


Fotos Adilson Nascimento

Tábua de classificação das amêndoas; suco de cacau com nibs e, abaixo, as visitas guiadas à fazenda oferecem experiência imersiva no plantio e produção

A propriedade foi comprada há mais de uma década pelo empresário Guilherme Leal – cofundador da Dengo e da Natura, onde trabalhou por mais de dez anos. Ele se encantou pelo cacau e pela região. Essa paixão rende frutos: junto com Estevam Sartoreli foi criada a marca de chocolates Dengo, que aposta na mesma fórmula que tornou a Natura uma das maiores empresas de cosméticos do mundo – com receita de R$ 35 bilhões por ano. Ou seja, utiliza ingredientes brasileiros, como castanha-do-caju, cupuaçu e frutas da Mata Atlântica, na fabricação dos chocolates. Agora, as portas da fazenda estão abertas para mostrar o trabalho dos produtores da Costa do Cacau – que nos últimos anos vêm se reerguendo dos efeitos devastadores da praga que dizimou as plantações. Enquanto isso, em São Paulo, a Fábrica de Dengo, loja-conceito na av. Faria Lima, serve de laboratório para os chocolates, que já viraram queridinhos da classe média alta paulistana. E o negócio vai muito bem. Começou com oito lojas na pandemia e agora já são 30 em cinco estados mais o Distrito Federal.

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Fotos Alberto Monteiro

CAPA Vale lembrar que o Brasil liderou a produção de cacau mundialmente nos anos 1960, com cerca de 400 mil toneladas, diz Lessa. Depois da praga vassoura de bruxa, que dizimou as plantações, passou a produzir 90 mil toneladas, perdendo mercado para a África. Costa do Marfim, Gana e Nigéria respondem por 75% da produção de cacau do planeta. Hoje, o Brasil produz 200

UM HOMEM

DE VISÃO! O empresário Marco Lessa, criador do Chocolat Festival e um dos responsáveis pela revitalização da cultura do cacau no Brasil, expande seus domínios para a Europa

mil toneladas. À época, Lessa descobriu ainda que, apesar de grande produtor, não havia chocolate no estado. Aliás, ele foi apresentado ao produto no festival de Gramado (RS). Com sua visão empreendedora, conseguiu realizar, ainda de forma bem tímida, a primeira edição do festival, em 2009. E de lá para cá a história mudou. “O Brasil estava acostumado a consumir chocolate ao leite, de prateleira. Por isso, o trabalho consiste em estruturar a produção do cacau de qualidade e seus derivados, para reposicionar o produto e aprender o que é um chocolate verdadeiro. Vivemos um processo de reconstrução dentro de uma nova consciência”, afirma o empresário, CEO do grupo M21.

O empresário Marcos Lessa, que leva o cacau brasileiro para o mundo

Ele acrescenta que o cacau tem a cultura mais preservacionista do

e o renascimento do cacau

S

Nascido em Guanambi, sudoeste

mundo, porque precisa manter a

na Bahia elegesse um pa-

da Bahia, mudou-se para Ilhéus com

mata em pé –é produzido na copa

drinho, Marco Lessa vence-

a família na década de 1980, onde

das árvores. “É o símbolo da susten-

ria facilmente o pleito. E, se Jorge

passou a trabalhar com eventos. Ti-

tabilidade”.

Amado estivesse vivo, Lessa po-

nha 20 e poucos anos. Nos anos 1990,

deria tranquilamente inspirar um

foi convidado pela Globo para fazer

personagem forte para um dos

a produção da novela Renascer, am-

Da primeira edição (em 2009)

seus livros. Foi ele quem colocou o

bientada no sul da Bahia. Mergu-

até os dias atuais, muita expansão

chocolate na pauta do Brasil, ideali-

lhou nesse universo, descobrindo

surgiu na trajetória do Chocolat

zando o festival que hoje alça voos

uma região riquíssima, mas que

Festival, considerado hoje o maior

promissores.

havia perdido o rumo.

evento de chocolate de origem e ca-

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FESTA DO CHOCOLATE


DO BRASIL PARA A EUROPA

cau da América Latina. Reúne toda

Portugal acaba de ganhar o primeiro hub de produtos brasileiros de origem. Marco Lessa inaugurou, no Porto, a Casa Brasiliana – pioneira no continente europeu. O espaço tem um showroom com núcleo de negócios permanente, que promoverá eventos, entre eles os de gastronomia e desfiles, para atrair investidores, e participará de feiras na Europa a fim de negociar a exportação de produtos nacionais. Nas vitrines, estão chocolates, geleias, doces, charutos, moda, móveis, bijoias, artesanatos, artefatos indígenas e aguardentes – todos sustentáveis, aliás, prérequisito para estar nesse projeto. A Casa Brasiliana está instalada no World of Wine (WOW), um gigante complexo cultural no Porto. “Com melhor qualidade nas negociações e maior velocidade nos envios de amostras, teremos uma economia significativa de tempo, de recursos humanos e financeiros”, diz ele. Lessa também levou para o Porto a segunda edição do Chocolat Festival, realizada entre os dias 19 e 21 de outubro, no WOW. A versão portuguesa teve atrações que fazem sucesso no Brasil, como o Show Cooking, o fórum internacional de chocolate e cacau, além de workshops –todas comandadas por especialistas de diversas partes do mundo. Por que o Porto? Localizado ao norte de Portugal, tem localização estratégica e importância econômica: é uma das principais zonas industriais e comerciais lusitanas. A região também se destaca no turismo e no enoturismo, com as paisagens do Douro e o famoso vinho do Porto. Além disso, faz fronteira com a Espanha e está inserida no Corredor Atlântico, que interliga portos marítimos e fluviais na Península Ibérica e na França. Também no final de outubro, o festival desembarcou no Salon du Chocolat Paris, maior evento do setor no mundo. No dia 30 de novembro, o Chocolat Festival aterrissa em São Paulo, encerrando a temporada no dia 3 de dezembro. Alguém duvida que esse empresário baiano tem visão de longo alcance?

até o produto final. Já são mais de

a cadeia produtiva, desde o fruto 30 edições realizadas entre Bahia, Pará e São Paulo, atraindo diversas marcas de chocolate de origem, premium e gourmet. O conceito chocolate de origem significa que o produto é da região e orgânico, ou seja, cultivado com insumos extraídos do próprio ecossistema. A produção atual é ampla: com alto percentual de cacau, ao leite, diet e com misturas. O último encontro, na Bahia, reuniu mais de 300 expositores de diversas marcas e o de Altamira, no Pará, atraiu um público de 110 mil pessoas. Esse sucesso se deve também ao formato do evento. É uma experiência sensorial, que oferece ao visitante exposições históricas e artísticas, cursos de capacitação, workshops e debates sobre temas inspiradores do setor com a participação de especialistas nacionais e internacionais.

NOVOS DESAFIOS Apesar de o projeto gerar grandes frutos, Marco Lessa sabe que há novas possibilidades e também grandes desafios pela frente. Segundo ele, faltam linhas de crédito, apoio, patrocínio e estímulo à capacitação por parte do setor público, ainda muito tímido.

“O

governo não investe no pequeno produtor”, afirma. Mas, como persistir e olhar adiante são sua vocação natural, Lessa abre ainda mais o leque: “Queremos levar o produto brasileiro para o mundo todo”. O plano já está em ação!

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