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Selos independentes resistem e ganham terreno

Em meio a transformações aceleradas no mercado,os pequenos e médios respondem por mais dametade das mais tocadas no Spotify

por_ Luciano Matos | de_ Salvador

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Das 200 canções brasileiras mais tocadas em 2019 no Spotify, pouco mais de 53% são de gravadoras independentes, mostrou a pesquisa da ABMI (Associação Brasileira da Música Independente) que divulgamos em dezembro no site da UBC. O mercado musical vive transformações profundas, com uma clara democratização dos atores em cena: ao mesmo tempo em que as grandes majors se recuperam francamente do tombo dos anos 2000, pequenos e médios selos ganham importância sem precedentes.

É fato que muitos artistas passaram a trabalhar de forma mais independente ou com seus próprios selos. Parecia que pertencer a alguma gravadora, mesmo que pequena, ia perder sentido. Mas, em tempos de streaming, estar integrado a um selo voltou a ser fundamental?

Para Carlos Mills, presidente da ABMI e fundador da Mills Records, os selos estão desempenhando um papel cada vez mais decisivo nos dias atuais. “Houve uma transformação intensa no cenário musical, mas o princípio permanece o mesmo: sem uma gestão estruturada e profissional, seja ela própria, independente ou de uma major, é impossível para qualquer artista gerir profissionalmente, desenvolver e consolidar a sua carreira.”

Mesmo a ABMI se mantendo com um número estável de 70 associados ao longo dos últimos anos, Millls acredita que estamos assistindo a uma explosão de selos, no Brasil e no mundo. A razão para isso é a própria natureza do trabalho desenvolvido por eles. “Ajudam a identificar artistas em seus nichos, a desenvolver carreiras, a produzir conteúdo, a distribuir de forma eficiente, a traçar estratégias, a aproximar artistas de marcas, a cuidar da imagem, a criar produtos. Enfim, os selos atuam numa infinidade de ações, são parceiros indispensáveis.”

Mauricio Tagliari, cantor, produtor e um dos proprietários da ybmusic, corrobora. “Claro que alguns artistas podem fazer tudo sozinhos, mas a pergunta não é se ele pode, e sim se deve. Qual a função do artista, afinal? Cuidar de burocracias, imagem, negócios, contratos, direitos, remunerações de terceiros? Ou criar? Há exceções, mas a maioria dos músicos nem sabe e nem quer saber desse emaranhado.”

Uma mostra de como os selos vêm crescendo no mercado brasileiro é que, paralelamente à ABMI, surgiu um outro grupo reunindo dezenas deles. A Rede Brasileira de Selos Independentes (RBSI) já contabiliza quase 100 iniciativas de Norte a Sul do país. São selos que lançam álbuns de artistas dos mais diversos segmentos musicais, a maioria trabalhando com o rock e seus subgêneros. Alguns têm coisa de cinco lançamentos; outros, anos de estrada e catálogos de mais de 400 álbuns.

É o caso da Monstro Discos, ativa desde 1998 em Goiânia. Eles já lançaram mais de 200 títulos, de artistas como Autoramas, Frank Jorge, Júpiter Maçã, Mundo Livre S/A e muitos outros. Em 2020, foram 28 projetos, entre eles o novo LP de Odair José e o álbum de retorno da banda Linguachula, em CD e digital.

Para Leo Bigode, fundador e diretor comercial da Monstro, a ideia de ter um selo não é algo simples e fácil. “Acho que, da metade dos anos 2000 para cá, muita gente começou a produzir sozinho em casa, e vários selos deixaram de existir.” O entendimento, por parte do artista, de que vale a pena ter uma estrutura profissional para apoiá-lo na gravação, na distribuição e na relação com as plataformas de streaming estaria contribuindo para virar esse jogo.

MÚLTIPLAS ATIVIDADES PARA GARANTIR A VIABILIDADE

Uma das questões mais difíceis de solucionar é como tornar o trabalho rentável. Segundo Bigode, a solução na Monstro foi fazer de tudo um pouco e atacar em várias frentes. Uma é a venda de vinis, um dos trunfos do selo. “Eu diria que a fatia vinil é uma grande parte do nosso faturamento hoje, que segura até a parte do CD”, descreve. A maior parte da receita, no entanto, vem do festival que o grupo promove há mais de 25 anos, o Goiânia Noise.

Além das obrigações práticas, essa ideia de um selo como uma espécie de referência dentro do mercado é também defendida por Tagliari.

“Alguns formam um elenco, um coletivo, uma cena na qual o artista pode querer se inserir. Além da ybmusic, pense num Lab Fantasma, numa Biscoito Fino, para ficar só no Brasil. No mercado anglófono. essa função ainda é muito importante. Sempre foi. Selos como Stax, Verve, Prestige, Bluenote, Ninja Tunes, Sterns e outros sempre fizeram jus ao nome selo. No caso, selo de qualidade.”

A ybmusic preferiu apostar em ações mais focadas, trabalhando na parte digital, sincronização e branding. “Nunca tentamos o tal 360, que implica se envolver nas receitas de shows, por exemplo. Não é nossa vocação. Agora, na pandemia, as lives passaram a ocupar, em parte, essa função do show, e aí sim pudemos nos envolver, porque temos estúdios e know-how para esse tipo de projeto”, conta Tagliari.

Joilson Santos, do baiano Banana Atômica, oferece contratos 360. “Investimos no processo inteiro da produção de um single ou um disco: gravação, produção de clipe, planejamento do lançamento, divulgação, distribuição, também na negociação de shows, produção executiva, enfim, todo este processo é feito com nosso suporte”, diz ele, que lembra: num mercado tão plural e complexo, não há uma fórmula única para o êxito.

LEIA MAIS | Todos os dados da pesquisa da ABMI | ubc.vc/RaioXIndependente