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Presidente do Sindicato Rural

Ronaldo Bartolomeu Seca coloca em risco safra da cana

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Ronaldo Bartolomeu fala sobre os desafios enfrentados pelos produtores rurais de Campos e região

Da Redação

Ele vem de uma das mais tradicionais famílias de produtores rurais da região — seu avô, Júlio Machado dos Santos, foi fundador da Cooperleite, e seu pai, Ronaldo Bartolomeu, fundador da União Nacional do Ruralistas e líder do setor. Ronaldo Bartolomeu dos Santos Júnior hoje ocupa a presidência do Sindicato dos Produtores Rurais de Campos, sendo membro da Confederação Nacional da Agricultura. Nesta entrevista, ele afirma que, por causa da falta de chuvas, existe um iminente risco de quebra de safra da cana-de-açúcar, a principal cultura da região, que segue até aqui um ciclo de quatro safras crescentes. Alerta sobre a necessidade de se plantar mais cana, principalmente com a usina Paraíso voltando a moer. Coloca como obstáculo a falta de financiamento para o setor com juros razoáveis. Desabafa, dizendo que a agricultura fluminense vem sendo discriminada sequentemente pelos governadores e por prefeitos da região, acomodados com a cultura dos royalties do petróleo. Ele também falou da introdução da lavoura de soja na região, destacando que existem pelo menos três grandes projetos em Campos com o plantio de áreas de 200 hectares, o que considerada bastante expressivo, destacando que assim como a cana-de-açúcar, a soja também precisa de água e corre o mesmo risco com a estiagem. Ronaldo Bartolomeu Júnior decidiu inserir o seu Sindicato na agenda das demandas de interesse de toda a sociedade, interagindo com entidades como a Associação Comercial e Industrial de Campos (Acic), Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), entre outras.

Estamos vivendo um momento de seca depois de anos com períodos chuvosos. Isso compromete a safra de cana-de-açúcar do próximo ano?

Se este período de estiagem permanecer, infelizmente teremos uma quebra de safra. Diferentemente do que aconteceu nos últimos quatro anos, esse ano está sendo seco. Permanecendo assim, obviamente a safra poderá ser reduzida. No ano passado tivemos um aumento de 10% na safra, e podemos ter uma quebra exatamente no mesmo percentual. Nossa esperança é que volte a chover com a mesma frequência dos quatro anos anteriores que eu mencionei. Estamos pagando um preço alto por não termos lutado por projetos de irrigação. Precisaríamos de mais irrigação nas áreas rurais não só de Campos, pois esse é um problema que alcança todos os municípios da região.

A estiagem também tende a atingir outras culturas na região?

Principalmente o abacaxi, a mandioca e outras que estão dando os primeiros passos, como a soja. Em relação à soja, tem produtores que estão investindo em grãos com lavouras grandes de 250 hectares. Existem pelo menos três grandes plantações de soja no município e a água é extremamente necessária. Há muitos anos o Sindicato dos Produtores Rurais chama a atenção para esse microclima regional com períodos longos de estiagem. Tudo isso nos leva a uma profunda insegurança na hora do investimento, e estamos lutando para que o Norte/Noroeste Fluminense receba o mesmo tratamento de incentivos dado às lavouras dos estados do Nordeste do país, uma vez que o clima, motivador de tais incentivos, é praticamente o mesmo.

Voltando à cana-de-açúcar, as variedades plantadas são mais resistentes à seca?

Plantamos variedades de alta tecnologia, desenvolvidas em Campos para todo o Brasil desde o tempo do saudoso Frederico de Menezes Veiga. O campus da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro trabalha integralmente no sentido de buscar a genética correta. Neste contexto, não temos do que reclamar. O trabalho desta universidade tem reconhecimento nacional e até internacional. Mas não há variedade que suporte esse período de estiagem. Para você ter uma ideia, existe uma fazenda em São Francisco de Itabapoana em que a cana foi cortada e a soca não brota, exatamente pela falta de chuva. Isso definitivamente não é um bom sinal. Outras propriedades podem estar passando pela mesma situação. É realmente muito grave e deixa o setor apreensivo.

Há muitos anos o Sindicato dos Produtores Rurais chama a atenção para esse microclima regional com períodos longos de estiagem

A tecnologia é favorável, mas o tempo não está ajudando. Qual seria outro problema?

Falta de incentivos, desde infraestrutura para os pequenos produtores até linhas de crédito. Nossas estradas são péssimas para o escoamento da produção. No que se refere às linhas de crédito, as mais em conta operam com juros de 8%. Hoje temos quatro mil produtores rurais e falta dinheiro para o custeio. O produtor do Rio de Janeiro acaba no final das contas sendo muito discriminado e isso vem de longe. Temos lutado muito para termos visibilidade, para que percebam a nossa importância no contexto de uma economia saudável.

A que você atribui essa discriminação?

É uma coisa estrutural. Estamos no segundo mercado consumidor do país, que é o Rio de Janeiro, que se acomodou consumindo as produções de estados vizinhos, que investem em agricultura. Podem até não perceber, mas prefeitos e o Governo do Estado, ao longo de décadas, têm deixado a agricultura fluminense em um segundo plano. Isso é visível, é cristalino. São fatos e não existem argumentos contrários.

Todo esse boom de agronegócios não está ajudando?

A realidade da agricultura em Campos e na região é totalmente diferente das novelas. Obviamente que este hálito de agronegócio que aos poucos vem chegando ajuda, mas é preciso ter mais investimentos. Na pecuária de corte, por exemplo, não temos como competir com as criações de outros estados, porque aqui criamos o gado no pasto, pois não temos grãos para o confinamento perfeito. Com a seca, o pasto acaba. O mesmo acontece com a pecuária de leite. Estamos em um combo de problemas.

Especula-se sobre uma unidade de produção de fertilizante no Porto do Açu. Isso seria a salvação da lavoura?

Com toda certeza. Não só a salvação da lavoura e da pecuária aqui, como em todo o Brasil. Mudaria a história da agricultura e de todo

Foto: Carlos Grevi

o Estado do Rio de Janeiro, caso isso viesse a acontecer. Me lembro que, por ocasião da descoberta do petróleo no nosso litoral, Campos e Macaé brigavam por uma unidade de Amônia-Ureia. Essa fábrica nunca saiu, e os municípios produtores se contentaram com os royalties.

Você tem conhecimento deste projeto de fertilizantes no Porto do Açu?

Já participei de algumas reuniões na Fundenor em que esse assunto foi tratado. Obviamente não posso falar em nome do Porto do Açu, mas consta que eles têm essa planta, ou seja, projeto. Com a guerra na Ucrânia, isso voltou a ser falado. Tem tudo a ver, porque, para se produzir fertilizante, é necessário gás, e isso nós temos. Então, seria viável esse investimento para atender à demanda agrícola de todo o país. Seria uma mudança na história. Porém, pormenores deste projeto eu não sei. Mas posso afirmar que uma fábrica de fertilizantes mudaria tudo e prefiro acreditar nessa possibilidade, até porque, como já disse, temos gás suficiente. É preciso provocar de forma saudável o mercado sobre isso tudo, quando falo em mercado, falo no sentido macro, na esfera nacional do empresariado, como fundos de investimentos brasileiros ou internacionais.

E a reativação da usina de Paraíso, em Tócos, para a próxima safra?

Estamos acompanhando com expectativa, mas é preciso incentivar o produtor da Baixada Campista para plantar cana-de-açúcar em larga escala. A usina, e parece que o projeto é esse, também iria

Acredito que o plantio em larga escala (de cana-de-acçúcar) possa ser realmente retomado e a hora é exatamente essa

receber canas de Carapebus e Quissamã. A estratégia é boa, mas precisamos plantar cana, pois a matéria-prima ainda é pequena. As duas usinas que já existem operam com alguma capacidade ociosa. É preciso mais cana e, com o advento do etanol, tudo que for produzido se converte em dinheiro. Mas aí vem a cadeia de preparação de solo que envolve mão-de-obra, maquinário e uma série de itens. É preciso incentivar o produtor a plantar cana financiando.

Antes, o produtor tinha que fazer uma tonelada para comprar uma pizza...

...É verdade e foram tempos difíceis. Mas, agora, principalmente por causa do etanol, plantar cana passou a ser um negócio seguro. Mas iniciar ou retomar uma lavoura não é tarefa fácil, não. Por isso, insisto na necessidade de incentivos na forma de linhas de créditos com juros que o produtor realmente possa honrar. Isso acontecendo, não tenho dúvidas de que poderemos retomar não só o forte ciclo da cana-de-açúcar, mas também da pecuária em todos os segmentos. Temos uma vocação forte neste sentido.

Qual seria a necessidade de cana para as três usinas?

Operando com força em uma boa safra, seria necessário algo em torno de três milhões de toneladas. É uma meta ambiciosa que requer muito investimento e, no mínimo, dois pares de anos para alcançarmos. Tem muita gente boa, entusiasmada com isso. Então, acredito que o plantio em larga escala possa ser realmente retomado e a hora é exatamente essa, principalmente por questões de mercado. prepara a terra para pelo menos quatro de cana-de-açúcar. Esta é uma questão técnica que requer muita disciplina na produção e segurança de mercado. Sobre pesquisa, temos segurança, sim, mas falta o mesmo em relação ao mercado. Hoje, você fazendo todas as contas, digo custo de produção, perceberá que estamos plantando no escuro, em relação aos recebíveis futuros.

E a questão ambiental?

Muito delicada e existe uma discriminação grande com o nosso setor também. Não quero citar órgãos, mas todos eles não nos ajudam em nada, muito pelo contrário. Tem produtor nesta seca sendo autuado porque está abrindo com máquinas poços para o gado beber água. Não é compreensível que isso continue acontecendo. Posturas como essas fragilizam um setor que busca retomar o seu crescimento.

Parece que a questão do Movimento dos Sem Terra está pacificada. É fato?

Isso é fato porque o Incra retomou a realidade. Durante décadas tivemos tensão no campo com a politização agrária. Hoje as pessoas que fazem por merecer, têm suas terras na agricultura familiar, que é importante e felizmente acabou aquela tensão toda. Hoje o problema está na esfera dos roubos de gado e de materiais elétricos das fazendas, mas isso nada tem a ver com questão agrária. O Sindicato está constantemente reunido com os órgãos de segurança tentando evitar esses tipos de crimes.

O Sindicato dos Produtores Rurais tem se aproximado mais de outras entidades representativas de classe, não?

É fato. Realmente temos nos unido a outras entidades como a Acic e a CDL, acompanhando agendas de interesse da sociedade. Chegamos a um ponto no qual percebemos que o comércio depende do campo. Os comerciantes mais antigos, ou os filhos deles, sabem que quando Campos tinha cerca de 20 usinas o comércio era muito, mas muito forte. Então, o Sindicato está interessado em todas as pautas. Cito como exemplo a CDL, que esteve ao nosso lado nesta questão de clima, encaminhando documento à Presidência da República. A área rural tem que estar na pauta também. Não existe outra saída. Como somos chamados por essas entidades parceiras para discutir até questões urbanas, estamos sempre presentes, porque vivemos em uma sociedade que pretende ser organizada. Como se diz na gíria dos jovens, estamos juntos e temos que intensificar cada vez mais essa parceria.

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