RETINA [experimento universidade LIVRE]

1

2

3

estalo_retina

4

desde que o mundo se foi vivemos interagimos dialogamos com imagens refrações emulações personas auto curadoria de nós mesmos pedi propus peito cheio que nos despissemos das amarras que nos investigássemos que sons guardam nossas casas qual luz invade nossas janelas enquanto não vemos quais imagens elucidam quem somos quando estamos sós propus que durante todos os dias registrássemos relatos pílulas memórias inclusive a necessidade silenciosa de não precisar externalizar nada um exercício diário de dar bandeira sobre quem somos o que escondemos o que precisamos sem que soubéssemos dizer nos registramos nos lemos nos filmamos ambientamos diários em conjunto e em conjunto nos reconhecemos ao compartilhar angústias manhãs sem sono suor cabeça pesada sustos sorrisos constrangimento porque entre um fluxo furioso de imagem e sua frieza distância deprimente ansiosa o mundo se dissolve, mas ainda estamos aqui sempre é importante se re_ conhecer nos espelhos através dos dias que invadem as palavras que guardamos escancaradas 5 não podia estar mais grato

pela troca presença e chance já que vivemos resistimos respiramos nos encontramos entre abstrações de íris rolé de bicicleta na mente

com pesar e não somos quem somos e isso há de bastar

ramon gonçalves 16 de dezembro de 2020

retina

6

texto colaborativo a partir de diários produzidos por ANA PILAR . CAROLINA LIRA . CATHARINA MOHR . DANIELLE SOUZA FLÁVIA GUIMARÃES . GUY FALCÃO . JOÃO VINÍCIUS . JORDAN DAFNÉ . JU COSTA LUANE SOUTO . MICHEL SANTANA . RAMON GONÇALVES RAPHA GOUVEIA & RODRIGO LELIS; participantes do primeiro ciclo da oficina_experimento DRAMATURGIA TRANSMÍDIA, pela universidade livre de teatro vila velha, realizada entre 20 de novembro e 18 de dezembro, 2020, 7 orientada por ramon gonçalves.

retina

8

pt.1-3

9

nervo รณptico

10

21 de novembro de 2020 vou escrever sobre o resto do dia de ontem antes de começar a falar sobre hoje o resto de ontem foi terrível, um dos piores dias esse ano, aqueles dias que eu apenas só queria deixar de existir, ou sair do meu corpo e deixar todo esse peso ou se transformar em pó. eu sou uma pessoa feliz e grata pela vida mas nesses dias terríveis é normal pensar assim, pelo menos pra mim por mais que me repreendam e eu mesma me repreenda as vezes. eu tive uma crise de ansiedade que durou o dia todo, quando passou foi como se um caminhão tivesse passado por cima do meu corpo. quando tenho essas crises sinto muito frio, por dentro e por fora e minha mãe não sabe o que fazer comigo quando estou assim então eu só deito, me cubro e as vezes choro até a cabeça doer. eu sabia que isso ia acabar no dia seguinte e de fato passou, sempre passa. hoje eu nao ouvi o despertador tocar e acordei um pouco mais tarde do que o normal. tomei café e fui dançar. passei a tarde inteira jogando the sims e ouvindo música. agora escureceu e não fiz absolutamente nada além disso. eu tenho várias plataformas de streaming e não tenho vontade assistir nada, as vezes passo maior parte do tempo rodando o catálogo de cada uma procurando algo que me chame minha atenção, acumulo listas de filmes e séries porque agora só consigo assistir as coisas dependendo do meu humor, e agora eu só quero assistir sempre as mesmas coisas repetidamente. outra coisa é que se eu achar um filme interessante, antes de dar play vou procurar algo pra comer e quando voltar tenho certeza que esse filme não me interessa mais. em outubro assisti 54 filmes e em novembro apenas 8. agora estou indecisa se devo fazer um bolo ou procurar um filme.

22 de novembro de 2020 a única coisa importante que tenho a dizer sobre hoje e que me marcou foi uma conversa que tive com minha mãe, que mesmo se eu não estivesse escrevendo esse diário eu escreveria em algum lugar.

11 eu estava conversando com ela sobre meu irmão passar maior parte do tempo

assistindo desenhos da disney e ela respondeu: “deixa ele, ele ta assistindo tudo que não assistiu quando criança” e eu concordei por que de fato só assistimos essas coisas depois de grande, não tínhamos videocassete e aparelho de dvd na época. e eu comentei com ela que as melhores lembranças que eu tinha era com o videogame, que ele marcou minha infância e eu era feliz. e ela disse que éramos felizes sim sem precisar ter muito e do nada disse: “as vezes eu sinto vontade de ligar pra minha mãe pra perguntar as coisas e aí lembro que não posso” ai eu disse a ela “você ainda pode perguntar” e eu fiquei calada só ouvindo ela chorar porque me deu vontade de chorar e eu me sinto muito mal quando choro na frente de qualquer pessoa, pra mim chorar na frente dos outros é pior que ficar nu. e ela continuou “ela me esperou tanto, mas ela sabia que eu não podia ir” e de fato minha vó esperou ela, eram 6-8 horas de viagem mas minha mãe ajudava meu pai e não podia viajar também por causa de mim e do meu irmão. depois ela disse “a ultima vez que vi pai ele me abraçou tanto e eu não entendia nada do que ele dizia, mas ele me abraçava tanto, eu voltei no dia do aniversário dele porque tinha esquecido que era aniversário dele, não foi por mal e depois entendi que aqueles abraços todos foi o que mãe tinha deixado pra mim. se eu soubesse…” e acabou ali. eu lembro que quando minha vó faleceu minha mãe chorava o tempo todo, todo dia, com meu avô não foi diferente. eu lembro que quando eles vinham pra salvador ela ficava tão feliz. isso é tudo.

3 a cabeça pesa muito. o corpo dói. não lembro de como vim parar aqui. acordo arrependida de tudo que falei - mesmo que eu não saiba o que foi. arrependida do que não falei. o peso de tudo. os planos sempre são outros. não tem filtro. a única coisa que sei: eu disse que essa música era uma merda. o resto eu não consegui terminar de escutar. quebrei tudo. me deram banho e me botaram pra dormir ontem. arrependida arrependida arrependida! quero repetir até que a palavra gaste, até que a culpa suma. mas ela não some. bom demais pra ser verdade. vontade de morar só. sozinha eu lido. a culpa não dorme nunca. não quero sair do quarto. não quero ficar. escuto a conversa do andar debaixo. não sei como sair daqui. estão brigando de novo. tudo virou. e eu no meio. recebo uma resposta sobre o aluguel. dor de cabeça. o barulho das taças de vidro, a escada movimentada. ainda

12

escondida no quarto. sento no chão. distrações atravessadas como alguém em uma cachoeira ou no mar. espanha na boca. a língua francesa. ando rodando. no dedo a coragem. foda-se a língua as palavras e a boca. comer com o nariz.

4 Voltei a usar minha agenda. Comecei a procurar agenda pra 2021. “Planner”. Como se eu gostasse muito de planejar…

Hoje tentei planejar uma coisa que quero celebrar, aí encontrei umas mil razões pra não fazê-lo.” Tá vendo? Melhor improvisar, na hora decide o que fazer” diria a minha sabotadora interior… Mas a real é que só estou com medo de planejar e não dar certo. “O que é não dar certo?” diria minha psicóloga. Eu teria que fazer uma lista pra responder . Geralmente eu gosto bastante de fazer listas. Tenho lista pra tudo. Mesmo! Só hoje fiz umas quatro versões de uma lista de nomes de pessoas que eu convidaria pra festa que não vou fazer. Eu decidi que não vou fazer quando? Acho que agora. Mas não estou certa disso. Aí que saco!

Mas isso é só uma coisa que eu posso resolver. A porra toda é o cansaço. Eu queria que o ano demorasse mais pra acabar, mas tô tão cansada…

Preciso ver como viver menos cansada. Parece que. Não vou reclamar. A vida não é só isso. E eu realmente sei olhar pras coisas e ver beleza.

E o dia hoje foi bom. Eu só estou ansiosa. Dia 20 meio que se encerra uma penca de ciclos e fins me deixam nervosa. Meu deus hoje ainda é dia 24 e eu já tô no próximo dia 20!

Um mês. Eu tenho um mês inteiro todinho meu! 26 dias pra ser mais precisa.

Organizar as coisas do trabalho.

Organizar as coisas da facul essa semana.

Respirar e aproveitar a livre.

Me divertir muito no meu aniversário.

Voltar a ler um pouco todo dia.

Nas férias: Ler. Ler muito. Ler pra caralho. Ler o dia inteiro. Ler todos os livros que não li e queria ter lido na lista desse ano! Desligar a TV! E escrever. Escrever muito. Escrever pra caralho. Escrever o dia inteiro. Escrever todos os textos e idéias de livro que não escrevi e queria ter escrito na lista desse ano! Desligar a TV! 13

Ler fora de casa pode ajudar na concentração…

A biblioteca do Goethe tá aberta?

Eu até gosto de escrever num diário as coisas importantes que acontecem na minha vida, mas escrever aqui como uma obrigatoriedade é chato… kkkkkkk tem me tirado da zona de conforto. E é massa sentir essa chatice, por exemplo. ontem à noite custei muito a dormir. me é estranho. ainda que exausto, evadir o sono. notícias anotações notificações a tela pisca pisca pisca músculo hipertrofia solidão. passeio por meus discos como quem revira um baú e, em todas suas saudades, retratos de mim. canto meu passado enquanto danço no breu absoluto às duas e quinze da manhã. já sei lidar com ausência. solidão solidez. tracejo apelidos aos fantasmas que no espaço de um átimo me fazem sorrir. andar pela casa com os pés nus e tomo impulso para não pular. andar pela casa nus. não pular. imerso, reverso e produto . no três imerso envolto de uma linda masculinidade conhecendo um pouco da banalidade interessante os olhos fogem em poucos momentos o carinho, mesmo que criado, é quebra-gelo céu azul / casaco vermelho / telhados nosso amor é como a prata valiosa e com muita abundancia. . no quatro reverso tudo ao contrario laje, fogo e brasa. roupas no varal se aglomeram aos cantos: de repente a pista de dança . no quinto produto acordar de cabeça pra baixo na ressaca sempre vem o vazio do vazio me vem o inteiro a prata estraida, é lapidada se torna uma corrente iluminada em meio ao vermelho.

14

A auto sabotagem. Eis um problema. Um grande problema. Não culpo os outros.

Culpo a mim que dei o espaço necessário. Mas… sabe, a gente confia no que irradia. É. A real é que o que não presta não se sustenta por muito tempo. Por mais perspicaz que seja a traiçoeira pedra, ela não é imóvel. É. Diariamente é quase sempre a mesma coisa. Em níveis que oscilam. Só o que não oscila é aquela tatuagem. Aquela bendita tatuagem. É um fechar e abrir de olhos. Fechar e abrir. Movimento que não afasta a imagem.

Uma certeza que não desapega. Todos os prazeres e sentidos direcionados. Ah! Falando em sentidos, o olfato… como é bom o cheiro de um livro. Seu cheiro tem cor, tem nome, tem capítulos. Cada capítulo especial e significativo. Tem que ralar muito pra ignorar a sua importância. E, cá pra nós, é uma energia gasta desnecessariamente. Toda uma ancestralidade definindo esse encontro de parágrafos formando um conto precioso. Tens coragem de bater de frente? Eu sei que você sente. Eu sei que você entende. Apenas teme. Eu também temo, mas temo aceitando. Eles pensam que sabem. Não sabem de nada. Pane no sistema.

Estamos aqui esbanjando elegância. Não faz o menor sentido. Você sabe. Não chegamos nem na metade dessa leitura. Passeia teus dedos. Divida o silêncio.

Pare. Olhe. Tá. Massa. Okay. Show. Tudo bem.

Acordei virada hoje... To cansada, estressada! Fui ignorar as coisas que eu tinha pra fazer no final de semana e agora tenho muita coisa pra fazer e eu só quero existir. Quero me isolar no mato.

15h: faltou luz aqui em casa, fui pegar os talões desesperada achando que não tinha pagado! Minha professora do sapateado vai me matar, tem duas semanas que não vou pra aula, ela deve ta achando que to mentindo. Mas ainda assim eu agradeço por ter faltado luz, meu astral tá péssimo, ia conseguir fazer nada direito. Loretta me perdoe, eu falhei com você, não consegui usar meu humor ao meu favor hoje. Tentarei da próxima vez.

A luz voltou, eu e minha amiga nem percebemos! Hoje foi um dia aleatório, com seus altos e baixos. Situação aleatória do dia: eu e minha amiga passamos quase 1 hora observando um garotinho brincar de bola e conversando sobre o quão incrível crianças são. Detalhe: nem eu e nem ela queremos ter filhos. Acho que pra tia servimos né?

Percebi que não continuei o livro que comecei no sábado, e eu amo ler! Mas to esgotada. Será que perdi o tesão pela literatura? Repreendido viu. Espero que não.

15

acordo suando muito. mormaço. animatrix dançava na tela sob toques de nostalgia. who am i? escuto enquanto arrumo a cama, recolho os copos, guardo o que sobrou da bebida. hoje filmaremos ao sol. registros contraluz. vermelho cintila e sobre ele uma pequena concha de prata. músculos douram nos filtros o azul do céu. entre as sombras tecemos contos fictícios sobre amor. sempre desalento. ruptura. corro segurando as pontas. transpiro o álcool consumido para esquivar. rememoro minhas anotações sobre as sombras: já não escrevo ou canto por medo de acessar sentimentos irresolutos sínteses por ora imagens entre a penumbra enevoam sutis. não escrevo ou canto por medo. sínteses imagens enevoam. por ora: penumbra. poema dentro do poema dentro do poema dentro do poema.

Agita que o sol tá em sagita!

Será que é isso?

Esse calor…

Eu esqueci de escrever, confesso. “Confessar”... parece até que cometi um crime.

Mas não, foi só esquecimento mesmo. Não é falta de compromisso. De hábito talvez... Eu nunca escrevi todo dia. Eu nunca consegui manter um diário, embora tenha tentado muitas vezes. Eu fico me perguntando agora se isso é porque vivo cada dia por vez e depois que vivo já não quero lembrar porque já passou e já é pra ser outro dia no momento exato em que. Eu viajei agora. Eu sempre viajo.

Eu gosto de filosofar sobre coisas aleatórias… Criar teorias inteiras. E eu testo as minhas teorias quase sempre. Porque sou da prática. Então é difícil pra mim às vezes ter que escrever. Mas é necessário. Eu sei que é necessário porque só a palavra falada nesse mundo branco colonial eurocentrado não basta. E a palavra, verdade seja dita, o vento pode levar. E se eu não for ouvida? E se ninguém me ouvir? E se eu não puder provar que o que eu disse foi isso e não aquilo e nem o contrário?

Faz diferença que eu tenha escrito que não escrevi porque não lembrei? E se eu tivesse dito? Você acreditaria em mim?

Ontem dancei na sala de casa. Ela faz a própria festa ela! O sol está mesmo em sagitário. Ou talvez seja só uma alegria imensa que tenha invadido as células do meu corpo ao reconhecer esse outro corpo junto ao meu. É bom estar em casa, descolonizar os afetos e minha relação com esse corpo que habito. É essa a sensação: eu estava ali ouvindo a batida descer pelos meus quadris, o som de funk comendo no centro e eu podia ouvir meus ancestrais celebrando: ali, na penumbra da sala, onde era seguro e prazeroso dançar. O cheiro de corpos suados.

16

A música nem alta nem baixa, (era possível conversar se quisesse e isso é importante dizer pq não havia um transe, estava muito presente).

Ali não havia o que confessar e tudo fazia sentido. hoje não dancei. trancei o cabelo, assisti 3 filmes e a peça da minha prima. agora é tarde e estou cansada.

17 queria mais café.

retina

18

pt.2-3

19

humor vĂ­treo

20

já se passaram muitos dias e eu já me perdi. não vou voltar pro início. não há nada nesse maldito ano que eu queira viver de novo. estou cansado. estou pensando em acabar com tudo. odeio gente saudosista, só há uma uma função: escrever. aí você escreve. hoje eu me inundei em água salgada. águas profundas, mexidas, revoltas e ao mesmo tempo calmas, serenas, acolhedoras… mas eu não tô falando do mar. eu me afundei em lágrimas. hoje eu me inundei mais uma vez. mas hoje eu entendo que preciso deixar fluir cada lágrima que escorre em meu rosto. cada uma delas precisa existir para que eu exista. e a cada dia que passa, eu sinto menos medo de mostrá-las ao mundo, só deixo fluir, só me deixo sentir. é mais do que despir a minha vulnerabilidade, é despir a minha alma, é lavar o meu corpo e as minhas emoções com água salgada. hoje visitei uma pessoa querida pra mim, e conversamos muito, fazia tempo que não via ela. fomos em vários assuntos, violência, vícios, terça da benção, família. chegamos a um assunto que gosto muito, meu pai. eu gosto de conversar sobre meu pai, a lembrança dele e por muito tempo não pude falar sobre ele, eu não conseguia, doía muito, ainda dói. hoje maior parte da tarde ficamos conversando sobre a lembrança dele, e a cada pausa batia uma saudade. queria que ele estivesse aqui. é tão bom conversar e lembrar de alguém que a gente ama tanto sem ser interrompido pelo choro. eu não quero parecer uma pessoa positiva por falar em gratidão ao tempo todo, mas eu já encarei a morte e a falha dela tantas vezes que eu agradeço por tudo, agora consigo enxergar tudo, dias de sol são lindos. “bons tempos nessa vida”

21

A ironia A raiva O medo A dor De outro lado A alegria A leveza O amor O humor Do mesmo lado Medo de perder, de ficar só, de passar vergonha, do não saber…

Poderia fazer uma lista enorme de medos! E queimar (porque é importante se livrar dos medos).

Agora vão Perguntar como eu tô, insistir e nãnãnã INFERNO. Mas vazou porra. Agora fudeu. Deixa arder. É fudido velho. Eu não sou nada. Não sou ngm. Não conquistei NADA. Eu patino na vida. Porra. A existência da gente é uma parada bizarra demais. É muito difícil viver, velho Tudo na vida é um parto. Pra comprar um biscoito, vc dá uma tirade couro. E quando acabar o couro, eles querem o seu sangue. E quando acabar o sangue, querem a sua carne, e quando acabar a carne, querem a sua alma.

Aí vc dá uma rasteira neles: Vc nem tem alma mais.

Q desgraça. tanta sede de viver tudo o sal preso a garganta coça água gelada o dia todo alguém me liga chorando e diz: eu não quero mais pensar tanto crescer dói, respondo 22

mas também digo que a amo amo tanto dezembro chegou desavisado. hoje provavelmente chove. eu também estou nublado por dentro. com vontade de trovejar. lembranças do passado, agonia do presente e medo do futuro. mais uma vez acordo mais cedo do que gostaria. tenho me sentido velho. chove lá fora e venta tanto. faz frio. ando com um aperto no peito o tempo todo. são duas da manhã e poderia ser sexta ou sábado. me pergunto como cuidar de você. e durmo. parece que nunca vou esquecer. não sei rezar mas tentei um pouco. e chorei rezando. o vazio sempre vai existir mas a vida tem que seguir. e segue, penso. acordo abraçado em meio a um dia cinza fecho os olhos e tudo se avermelha em uma janela a três metros da rua o vapor dos carros em meio ao café preto as pessoas chegam na casa. sinto queimar apesar das nuvens. vodka água tônica gin a porra toda. tanta tranquilidade que pega fogo dentro, a grama afunda entre o primeiro dedo do pé e o segundo. o meu pai chega e me procura para um abraço, escolhe uma música pra me impressionar e então eu sei que ele inventou uma forma de dizer eu te amo. eu falo que adoro essa música. então eu sei que inventei uma forma de dizer eu também. eu também te amo. mesmo que daqui a cinco minutos a gente não saiba o que fazer com isso. um cd arranhado que trago pra casa, e uma vontade de viver. uma vontade de viver encarnada na boca.

Desligar a luz Ficar acesa Por dentro 23

24

carrego um leão cravado no peito e brinco entre jóia e fardo. o brilho no olho a mão no furacão o bote pronto. o carinho na língua sempre. os dentes amolados afiando faca coração e toda a fúria. o desespero a esperança a ruína a conquista a chama acesa o alivio tudo uma coisa só. tudo que quero e posso tudo. as palavras repetidas e lotadas. o egocentrismo na veia o amor nos vasos. o escorpião nas vísceras do meu corpo, na parte mais suja, na parte onde - posso encontro luz. a deformação da matéria a faísca toda. o brilho feroz a ternura funda o desejo a doçura na coragem. a inocência apesar de tudo. o espelho cortado ao lado da cama, o brilho de novo porque é muito. os livros espalhados pelo quarto, as paredes riscadas, a luz do celular em minha cara, a selvageria mansa. tudo reflete em meu rosto.

25

retina

26

pt.3-3

27

cristalino

28

sempre antes de dormir eu, mainha e meu irmão rezamos. várias rezas. a gente não tem religião mas acredita um pouco em tudo, pq todo lugar tem a sua verdade, né? mas o que eu acho massa são os diálogos que a gente tem antes ou após a reza. minha mãe e meu irmão não são muito de falar durante o dia, cada um fica no seu canto resolvendo suas coisas e a gente só senta pra conversar no café. mas antes de dormirem, neste momento de maior introspecção, eles se soltam. lembram histórias, contam piadas, riem como se não houvesse amanhã. e eu gosto de ficar ali escutando, participando com os ouvidos... parece que, de alguma forma eu estou guardando memórias sonoras deles dois. eles são como almas gêmeas, sério. combinam em tudo. e eu acho linda essa conexão, acho de outro mundo, e também acho um privilégio observar e absorver tudo isso. o amor é realmente lindo.

Certas coisas marcam muito a nossa vida.

Pessoas então…

Eu sei que estou aqui, não estou? É o que tem pra hoje (e pra semana inteira, verdade seja dita). Ou talvez não. Mas não posso exigir o que não me dá. Não posso exigir o que não me dou. É cruel, é mesquinho, é contra a minha religião (se eu tivesse uma, é claro).

Escrevo por todos os dias. Nada mudou. Sinto como se estivesse indo em direção a algo, mas sem sair do lugar. Andando em círculos.

Minha culpa, claro. Sempre é... Será que algum dia isso muda? a desmotivação subiu pelo meu corpo e chegou no meu peito. vazio. eu gosto de despejar bebida no meu vazio. eu exagerei. odeio sentir que devo acabar com isso. eu sei que é um sentimento passageiro mas se em um desses momentos eu esqueço por segundos disso e acabo com tudo? eu bebi metade de uma garrafa e senti o gosto do passado. água. café. essa musica em looping na minha cabeça. analgésico. é, passou.

29

estou acordado mas será que despertei? café sempre ajuda, mas tem me dado azia. não. não admito que me tirem o café. pode queimar. foda-se.

‘’Hoje todos os metros são quadrados.

Toda beleza e tristeza no mesmo espaço.

Caixas de skinner guardam os individuais inconscientes coletivos da solidão.

Os ratos do mundo ainda não roeram a roupa do rei.’’

30

sinto que a distância tornou tudo mais difícil. os que realmente são pra sempre serão. somos? quero estar com quem quer estar. e só estou quando posso. os que querem e os que são, sempre respeitam o tempo do outro.

A cada folha nova que brota nasce um poema.

O pessoal aqui também não gosta de mim, então foda-se porra. Tomar no cu todo mundo. É muita coisa pra se ler se aprender, absorver. Tomar no cu, velho.

31 SERÁ QUE UM DIA A GENTE VAI SER ALGUÉM?

32

33

34