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ESPAÇO DO CONSELHO DIRETIVO

poluição pecuária, nem quase liberdade de captação de águas subterrâneas ao lado de grandes e disponíveis empreendimentos de abastecimento de água.

Um segundo nível de conflitos é o que respeita a confrontos geoestratégicos gerados pela água.

Por um lado, as guerras em que a água é um fator de eclosão, como aconteceu recentemente na revolução síria, ou um elemento de risco, como o novo e grande aproveitamento etíope no Nilo Azul para ansiedade do – mais forte – Egito, ou os conflitos larvares em que o controlo dos rios é um sério vetor de pressão estratégica, como a intervenção chinesa nos rios do Tibete, com construção de barragens a montante do subcontinente indiano e da península indochinesa.

Por outro lado, a terrível diferenciação do acesso à água entre os países desenvolvidos e o Terceiro Mundo. De facto, deveria ser quase vergonhoso para um cidadão europeu queixar-se das condições de fornecimento de água ou do seu módico preço (quando haja tarifas sociais e para famílias numerosas), se pensar que em muitas zonas das cinturas desérticas e semidesérticas do Mundo, um cântaro de água de má qualidade representa um enorme esforço de transporte ou um garrafão de água pode ser ainda mais caro do que em Portugal, onde, por litro, custa 150 a 200 vezes mais do que a mesma quantidade de água da torneira, incluindo a rejeição desta após tratamento. Há aqui conflito, perguntar-se-á? Sim e bem grave, bastando olhar para o que representa para muitos africanos a sua necessidade de fuga às origens e o progressivo encerramento das fronteiras europeias.

Outros conflitos estão mais próximo de nós e da possível intervenção dos atores relacionados com água; próximos, mas nem poucos, nem fáceis.

A dimensão económica é um dos mais surdos dos conflitos do setor da água, mas, contraditoriamente, muito relevante.

As diretivas europeias sustentam os princípios do consumidor-pagador e do poluidor-pagador e, antes disso, já a legislação portuguesa o previa, mas continua o País a resistir, em largas faixas de opinião e de prática, à respetiva aplicação, fazendo o contribuinte-pagador perder nesse confronto. Também estes princípios têm uma outra face, ainda mais prejudicial, correspondente à persistência da ausência ou limitação de contas certas em várias entidades gestoras dos serviços da água, no sentido de que as respetivas receitas e gastos se mantêm misturados “à molhada” com outros proveitos ou despesas: é um pouco a política da avestruz, em que mais vale não saber bem – e mostrar – se se gasta muito ou recebe pouco, porque depois talvez seja preciso aumentar algo a tarifa e lá se podem perder eleições… Compreendendo-se a dificuldade da face da recuperação de gastos e as cautelas em muitos casos necessários à sua progressão, não é aceitável que o princípio da confusão de gastos e subsídios escondidos presidam a uma atividade com grande relevância económica e social.

Novos desafios surgem para os serviços da água e, com eles, zonas de melhoria para o recursoágua, mas também zonas de conflito.

A dimensão de poupança de recursos tem valorizado a previsão do recurso a água para reutilização (ApR) e têm, até, sido definidas metas quantitativas ambiciosas, em percentagem das águas residuais tratadas nas ETAR existentes em Portugal ou em número e dimensão das ETAR que devem produzir ApR. Concordando-se com a importância, em algumas regiões e para certos fins, do uso de ApR, terá a dimensão económica sido lembrada? É que o recurso a ApR está longe de ser necessário por igual em todo País e alguém tem de pagar os sobrecustos da sua produção e – mais significativos – da sua distribuição. Ora, por um lado, nem todos os potenciais utentes estão preparados para suportar esses custos, por outro, podem tais custos ser mais elevados do que os da água para consumo humano disponível e, ainda por outro lado, tem de ser salvaguardado o equilíbrio das entidades gestoras de abastecimento de água.

Conflito de interesses idêntico se coloca com a gestão das águas pluviais: podendo fazer sentido a sua gestão conjunta com a das águas residuais urbanas, não é possível aceitar que os custos correspondentes deixem de ser cobertos pelos impostos municipais e sejam suportados por consumidores de água que não produzem essas águas pluviais nem as consomem.

Também no âmbito interno dos serviços da água há novas áreas de colisão, resultantes da persistente necessidade de fazer face a investimentos de reabilitação, de combate às perdas de água, de solução para o tratamento de lamas, ou seja, de investimentos e custos ligados à sustentação técnica e ambiental, quando surgem vetores de perturbação do statu quo, como a inflação e a escassez de certos produtos: como privilegiar investimentos necessários, se disparam os custos de energia e as receitas não dão para tudo? Não é um conflito menor…

Finalmente, um dos mais difíceis confrontos do setor da água é com o silêncio: o paradoxo dos serviços da água é o de que quanto pior se está, mais se fala e mais se elogia um pequeno progresso; quanto melhor se está, menos se fala e, portanto, mais se ignora. Não é com certeza, a única atividade em que isto acontece; mas é bem mais marcante no nosso caso, porque muito foi feito e, sendo o investimento em grande medida subterrâneo, a enorme dimensão do esforço efetuado passa inda mais despercebida.

O pior que pode acontecer aos conflitos é deixá-los correr. Enfrentemo-los, pois.

Desilusão juvenil Deterioração da saúde mental Estagnação prolongada Atividades económicas ilegais Poluição prejudicial saúde Desastres geofísicos Migração involuntária Doenças infecciosas Contestação de recursos geopolítico Confrontos geoeconómicos Falha infraestrutura pública Erosão da coesão social Colapso da segurança social Colapso do multilateralismo Falha na ação climática