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MULHER, GRAÇAS A DEUS

Senadora Eliziane Gama (CIDADANIA-MA)

Com a graça de Deus e o amor dos meus pais, tive o privilégio de nascer mulher.

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Privilégio não porque essa condição traz facilidades em um contexto social marcado pelo machismo e pelo conservadorismo exacerbados, presentes no Brasil e, obviamente, no meu estado, Maranhão, mas porque me permitiu um dos dons mais sublimes, o da maternidade, que me deu duas lindas filhas e me proporcionou consciência para enfrentar bloqueios, dificuldades, maldades, agressões que afetam milhares de mulheres, estas representando mais de 50% da população brasileira.

Além de vir ao mundo como mulher, também tive o privilégio de nascer em um lar absolutamente cristão, pobre, mas cercado de carinho e ética e que ensinava o respeito aos outros.

Meu pai, como pastor missionário, sempre se dedicou à disseminação do evangelho. Com traços conservadores, porém em diálogo com o mundo. Foi nesse contexto que aprendi a zelar pela fé ao mesmo tempo que me abria para defender causas seculares sociais, de interesse das mulheres e das pessoas mais humildes e necessitadas.

Trilhar por esse caminho não foi fácil. Contradições e dilemas nos foram apresentados a toda hora, exigindo da nossa parte a perseverança de propósitos que cultivamos na Igreja, o bom senso, a honestidade de

princípios, talvez o maior patrimônio de alguém que se aventura pela vida pública.

Enfrentei com mais dureza o fato de ser mulher quando fui estudar em São Luís, longe da família e contando com a solidariedade de pessoas de bom coração. Entrei na Universidade Federal do Maranhão com 18 anos, fiz movimento estudantil e coordenei o programa Hora do Debate na rádio Esperança FM, uma ousadia para os padrões da época.

Fui além: junto com a Igreja, fizemos trabalho comunitário, ajudamos na construção de casas populares, organizamos mutirões da saúde.

O salto para a política, outra ousadia em um estado então dominado por oligarquias, foi quase natural.

Consegui me eleger duas vezes deputada estadual; em 2014 fui a única mulher a ser eleita para a Câmara Federal, com a maior votação entre os concorrentes; disputei a prefeitura de São Luís por duas vezes, na cara e na coragem, como se diz, e sem qualquer logística de apoio financeiro.

Em 2018 fui eleita senadora com 1,5 milhão de votos.

Confesso, se em nenhum momento fui tomada pelo medo, assumir o Senado gerou dentro de mim alguma preocupação. Já trazia a bagagem dos mandatos na Assembleia do Maranhão e na Câmara Federal, porém o Senado se revestia com certo mito: Casa de ex-governadores, parlamentares experientes, local onde desfilaram e desfilavam nomes de grande representatividade, da direita à esquerda. Mais: assumiria uma vaga que sempre fora preenchida no Maranhão por aparatos muito fortes, pesados e de retórica agressiva.

Eleita com uma idade de só 5 anos a mais que o mínimo constitucional – de 36 anos –, ainda martelavam na cabeça frases de políticos antigos do meu estado, que não me reconheciam como uma mulher e política experiente, mas como uma menina apenas. Projetava o que poderia vir

para cima do meu mandato, até mesmo porque me filiara a um pequeno partido, situado fora do campo das grandes agremiações da Casa.

Em pouco tempo percebi que o Senado, mesmo com perfil conservador, disponibilizava espaços para uma atuação de qualidade.

Um comentário de passagem: nós, mulheres senadoras, no geral sentimos contar com uma rede de proteção e de solidariedade. Há no Senado um alto grau de empoderamento das mulheres nos comandos das estruturas administrativas e nas assessorias. A cobertura jornalística conta com preponderância feminina, o que nos traz algum conforto.

Apesar de tudo isso, não podemos negar, os muros de vidro do machismo na política são espessos. Com apenas 13 mulheres senadoras, partidos e lideranças apostam pouco em suas parlamentares, seja na indicação para cargos importantes, seja para relatar projetos de grande repercussão.

É comum o desrespeito por meio de burburinhos masculinos quando uma mulher usa a palavra, ou mesmo a mania de classificar como histerismo a atitude da parlamentar quando ela é mais incisiva em suas intervenções.

Apesar de tudo isso, há uma certa fidalguia na Casa. Nunca sofri assédio de nenhum tipo e creio que minhas companheiras também não. Da Presidência recebemos gestos de respeito, o que nos garante a tranquilidade para trabalhar.

O machismo se evidencia mais quando o jogo da política pesado se apresenta. Nessas ocasiões a fidalguia para com o olhar feminino é de outro tipo, mais ausente e menos receptivo.

Não acredito em uma categoria absoluta de machismo. Desde criança aprendi a lidar e a enfrentar suas nuances. E sei que minha luta mais aberta e sem nenhuma contemporização é contra o machismo que mata,

agride, suprime liberdades, oprime. Na política se negocia, acorda-se para que conquistas se firmem, às vezes de maneira lenta, outras mais rapidamente.

O Senado, por excelência, é um espaço privilegiado para a mulher atuar e defender as grandes bandeiras femininas. Nele obtivemos muitas conquistas, como a criação da Procuradoria da Mulher e da Liderança da Bancada Feminina. Institucionalmente, outras demandas estão a caminho.

Temos uma meta: se somos 52% da população brasileira, almejamos 50% das vagas do Senado e da Câmara dos Deputados, pelo caminho do voto e por meio de dispositivos legais afirmativos.

Só teremos um grande Brasil como resultado de obra e ação solidária de homens e mulheres. Para isso o equilíbrio de empoderamento entre os dois gêneros é uma exigência histórica.

O Senado precisa assumir essa bandeira.

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