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O Desafio da Morte

Medo e coragem

Hist órias daqueles que pa rece

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Texto: Deborah Mabilde mabildedeborah@gmail.com

Fotos: Luana Schwade

e Henrique Letti

luanarschwade@hotmail.com hdletti@outlook.com

Diagramação:

Ana Carolina Parise

anaaparise@gmail.com

m não te mer a morte

O que um paraquedista e um bombeiro podem ter em comum? Alguns diriam a coragem, outros, a vontade de desafiar a morte.

O instrutor de paraquedismo Wanderley Chimendes, 75 anos, já acumula mais da metade de sua vida na prática da atividade: 45 anos. Militar de formação, Wanderley precisou aprender o ofício por necessidade. “Era mecânico de avião e tive duas panes em voo, com paraquedas a bordo. Mas quem disse que eu conseguia saltar? Não tinha confiança.” Para continuar na função, precisou procurar um curso que o ensinasse. Daí, foi um salto para o trabalho virar paixão. Daquelas para a vida toda.

Wanderley não titubeia em afirmar a importância do medo. “É fundamental, o que nos mantém vivos.” Para ele, o medo é o instinto de sobrevivência em todas as atividades de risco. Não ter medo deveria ser causa de medo. “Eu sei que, o dia em que eu perder o medo, eu morro”, diz ele.

De acordo com a ciência, Wanderley está correto. Emoções como o medo foram vantagens na história da evolução humana, pois asseguravam que o indivíduo reagisse com cautela frente a situações de perigo e, consequentemente, aumentasse suas chances de sobreviver à ameaça. O medo é um sinônimo de sobrevivência, permitindo ao homem, ao longo dos séculos, a possibilidade de continuar sua linhagem. O homem das cavernas tinha medo de seus predadores, porém sua fome era maior, e isso o obrigava a se preparar melhor, ser mais cuidadoso para sair e enfrentar sua caça. Ou seja, a melhor maneira de encarar o medo é o conhecimento e a cautela.

Felipe Altomari, 28 anos, concorda com o pensamento. Também militar, salta há quase dez anos e admite que a atividade de paraquedismo arrisca a vida e está sujeita a imprevistos, mas também reforça que a constância de prática e o conhecimento estão diretamente relacionados com a segurança e a sobrevivência de quem salta. Mas e o medo de morrer? “Acho que todo mundo tem, poucos aqui diriam que não. Mas a gente controla o ambiente, para que a morte fique longe”, diz Felipe.

A diferença entre os paraquedistas e o homem das cavernas é que a maioria das pessoas que salta o faz por escolha própria, não se arrisca por obrigação ou para sobreviver. Felipe acredita que a atividade pode ser uma forma de superação para alguns. “Acho que uma característica que todo paraquedista compartilha é gostar de adrenalina, ou buscá-la em sua vida. Alguns para superar o medo, outros para provar algo para si mesmos. E essa foi a maneira mais radical que todos aqui encontraram para fazer isso.”

O desaf io como vivência diária

Para algumas pessoas, arriscar a vida faz parte de suas profissões. É o caso de Rafael Martins, 42 anos, recém promovido a tenente do 1º Batalhão de Bombeiro Militar de Porto Alegre. O batalhão recebe uma média de 27 ocorrências de incêndio por dia, sem contar outros chamados, como acidentes domésticos, resgates de animais, choques elétricos, animais peçonhentos, entre outros. Ofício de família, a carreira virou uma paixão na vida de Rafael, que já exerce a função há 20 anos.

Em 2008, enquanto servia à Força Nacional, Rafael foi designado para ajudar no resgate durante enchentes que aconteciam em Santa Catarina. Ao retirar crianças de uma área de risco, o bombeiro e um colega foram vítimas de um deslizamento de terra e ficaram soterrados por cerca de 45 minutos. Ambos sobreviveram, mas com extensas fraturas, sem contar as memórias sombrias dessa experiência. Por causa disso, Rafael perdeu 15% da visão do olho esquerdo. “Naquele momento, tive a sensação de que não ia voltar para casa. Não sei dizer quanto tempo fiquei ali, mas pareceu uma eternidade.”

Frente a esse tipo de acidente, é essencial saber manter a calma e lembrar do treinamento. Como é possível controlar o pânico e o medo de morrer nessas horas? Rafael acredita que a técnica é primordial no sucesso das operações, mas é também necessário ter muita coragem.“É difícil de crer,

“Eu se i que, o dia em que eu pe rder o medo, eu morro”

Wanderley Chimendes Instrutor de paraquedismo

mas quando a sirene toca, tu esquece tudo. Que tem que voltar para casa, que tem gente te esperando. É como se eu colocasse uma roupa de proteção e fosse atender quem precisa. Tudo pela vítima, por quem necessita. É instinto. Depois é que cai a ficha, e tu pensa no que passou, família, amigos.”

Para o tenente, o medo e a coragem andam lado a lado. “Faz parte de nós. É o que te faz checar teu equipamento, olhar o nó mais uma vez. Quem não tem medo é louco, e louco não pode ser bombeiro”, afirma. Rafael lembra de uma frase que seu comandante de treinamento sempre dizia: se um dia a sirene tocasse, eles subissem no caminhão e não arrepiassem, era para descer na próxima esquina. “Vocês não nasceram para isso”, dizia ele.

Não é possível explicar completamente a razão pela qual algumas pessoas escolhem atividades ou profissões que as deixem mais próximas da morte. Seja por lazer, para desafiar a si mesmos, por obrigação ou para salvar a vida de outras pessoas, é seguro dizer que nem Wanderley, nem Felipe, nem Rafael acreditam que estejam desafiando a morte. Encaram suas atividades como arriscadas, são cuidadosos e realizaram treinamento extensivo, mas nada disso impede que sintam medo ou que algum acidente aconteça. Apesar disso, não deixam de realizá-las, pois são apaixonados pelo que fazem. Talvez o sentido esteja resumido nesta frase de Nelson Mandela: “Aprendi que coragem não é a ausência do medo, mas o triunfo sobre ele. O corajoso não é o destemido, mas aquele que supera seu medo”.

Rafael Vieira, tenente do 1° Batalhão de Bombeiro Militar de Porto Alegre, já desafiou a morte. Um soterramento provocou lesões no seu olho esquerdo, mas não tirou dele a vontade de salvar mais vidas

Os praticantes do paraquedismo buscam manter a constância dos saltos para não perder a prática e continuar se aprimorando