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Tanatopraxia

Vivos que trabalham com mortos

A tanat oprax ia é a profiss ão que prepa

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Texto: Giulia Reis giulia.reis@ufrgs.br

Fotos: Andressa Mendes e Gabriela Von iamandressamendes@gmail.com gabivonflebbe@hotmail.com

Diagramação: Ana Carolina Parise anaaparise@gmail.com

ra os corpos pa ra o velório

Jonas é um dos alunos mais jovens do curso de Tanatopraxia da ABT

Domingo. A cidade de Porto Alegre vê o sol pela primeira vez naquela semana chuvosa. Dia de clássico Grenal, de passear com o cachorro, de deitar na grama do parque. Para os cinco alunos da turma do primeiro semestre de 2019 do Curso de Tanatopraxia da Associação Brasileira de Tanatopraxia (ABT), domingo é dia de ficar das 8h às 21h dentro do Laboratório de Tanatopraxia da Funerária São Pedro. Durante o curso, que dura em torno de dois meses, os alunos aprendem a parte teórica da profissão, assim como participam de aulas práticas, fazem seu estágio e entregam um pequeno trabalho de conclusão.

O CURSO E A PRO FISS ÃO

Diferentemente de outros cursos populares da área, o de Tanatopraxia da ABT tem 120 horas-aula em seu currículo. A divisão da carga horária funciona da seguinte forma: 30 horas na modalidade EAD, de conteúdo teórico; 60 horas práticas em laboratório e sala de aula na Funerária São Pedro, em Porto Alegre; 10 horas de trabalho de conclusão de curso e 12 horas de estágio em empresa funerária credenciada. “O mercado da tanatopraxia está em crescimento. Existem cinco mil empresas do ramo funerário funcionando no país

“quan do a família nos ag radece pe lo t rabalho bem feit o, é grat ificante ”

Lucas Ziebell Agente funerário

e somente um terço delas possui um profissional com formação em tanatopraxia praticando o procedimento. Ainda assim, a maioria possui somente um profissional, quando o indicado seriam no mínimo três, para que houvesse alguém de plantão durante as 24 horas do dia nos sete dias da semana”, conta Paulo. Ele explica que o perfil dos alunos do curso é de jovens, principalmente mulheres sem formação universitária, e de profissionais que já atuam no ramo funerário de alguma forma. É exatamente este o perfil da turma do primeiro semestre de 2019 que estava presente no Laboratório da Funerária São Pedro na tarde ensolarada de domingo para a segunda parte das aulas práticas. Dos quatro alunos presentes, os dois homens já atuavam no ramo funerário. Um deles, Jonas Ferraz, de 27 anos, é assistente de preparador na própria Funerária São Pedro e está fazendo o curso para subir em seu plano de carreira. “Nosso corpo é uma máquina, ele é capaz de fazer coisas inimagináveis e foi isso que despertou o meu interesse pela profissão”, conta Jonas, que tem uma conexão próxima com o ramo funerário, já que seus tios e familiares também trabalham no ramo em Porto Alegre e no interior do Estado.

A aula prática começa com a chegada de um carro, trazendo o primeiro corpo da tarde. O corpo é levado em uma maca para dentro do laboratório, e os alunos se preparam. Jonas assume as principais funções, pois tem mais prática. Eles colocam todos os Equipamentos de Proteção (EPIs), que consistem em um macacão e sapatos especiais, óculos protetores, avental, luvas e máscaras. O terno que será colocado no homem morto já está separado e a postos. O primeiro procedimento é o banho geral. Depois disso, a barba do senhor é feita com cuidado.

O corpo chegou sem autópsia ou cortes, o que significa que veio de um hospital. Todas as informações importantes para o procedimento estão em uma ficha, que fica junto da roupa. Todo o procedimento feito dentro da funerária é anotado na ficha para que a família e o profissional tenham clareza nos procedimentos. Depois disso, um corte é feito para drenar os fluidos internos e trocá-los por fluido arterial à base de formol, álcool, glicerina e outros componentes. Essa troca é feita através de máquinas que bombeiam os dois fluidos para dentro e fora do corpo, mantendo um ambiente limpo e higienizado e também preservando a exposição do corpo ao oxigênio. Outro banho é dado no corpo pelos alunos, e ele descansa por algumas horas até o carro funerário vir buscá-lo, quando é vestido e colocado no caixão pela equipe.

Os agentes funerários Marcelo Silva e Lucas Ziebell trabalham há quase dois anos na Funerária São Pedro. Assim como Jonas, Lucas começou trabalhando no “andar de baixo”, como é chamada a área na qual acontece o preparo e o transporte dos corpos. “A funerária começa lá de baixo”, diz Marcelo. “Nosso trabalho de vendas

A roupa que será usada no velório fica à espera de seu dono

e de contato com a família não seria nada sem o apoio dos preparadores”, acrescenta. “O pior da profissão não é a preparação dos corpos e sim quando transportamos para a capela. Eu me emociono muito. É nessa hora que a família entende que o seu ente querido já se foi, é durante o fechamento do caixão”, conta Lucas. “Mas também tem a parte boa, quando a família nos agradece pelo trabalho bem feito, quando reconstruímos o rosto ou trazemos de volta uma versão do falecido que já era até prévio a situação em que ele estava quando chegou no laboratório. Isto é gratificante”, acrescenta.

No final do dia, esses profissionais que trabalham com os mortos são responsáveis por trazer paz e finalização para um processo muito doloroso: o de velar alguém querido. E é uma profissão altamente gratificante quando vista dessa forma. A HISTÓRIA NO BRASIL E NO MUNDO

Foi em Cincinnati, nos Estados Unidos, que a primeira escola de embalsamento e tanatopraxia se formou, com início em 1882, vindo a se chamar Cincinnati College of Mortuary Science nos anos 1960. O formaldeído, conhecido popularmente em sua forma líquida como formol, era o principal componente químico utilizado nas práticas mortuárias naquela época. A técnica de preparar os corpos para o velório chegou ao Brasil em 1994 através de empresários paulistas e paranaenses que buscavam inovação no ramo funerário. Nesse mesmo ano, um dos primeiros cursos sobre o assunto foi ministrado no Brasil pelo guatemalteco Mario Lacape, cuja formação foi no Cincinnati College of Mortuary Science. “Naquela época, depois que faziam o curso, dificilmente os profissionais voltavam a se encontrar”, explica Paulo Coelho, presidente da Associação Brasileira de Tanatopraxia desde de sua fundação até o momento. A associação foi fundada em Porto Alegre, no ano de 2004, exatamente durante o II Congresso de Diretores Funerários do Mercosul, no qual ocorreu o I Encontro de Tanatopraxistas do Brasil. “Foi uma decisão momentânea feita em plenário”, lembra Paulo. Desde então, a associação se compromete com a função de difundir a prática da tanatopraxia por todo o território nacional e contribuir com os cursos que profissionalizem a atividade. “Percebemos que os cursos oferecidos ao redor do Brasil tinham uma carga horária muito baixa, às vezes de 16 horas somente, e prometiam um nível de aprofundamento científico da profissão e uma enorme gama de conhecimentos de campo que nunca poderia ser adquirida daquela forma, principalmente sem horas práticas”, comenta. Por isso a decisão, junto da associação, de oferecer um curso próprio em 2014.