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O PODER DA MÚSICA

Os sons da maternidade

Musicoterapeuta utiliza o canto materno como ferramenta para estreitar laços entre mães e bebês prematuros na UTI Neonatal

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Texto: Liz Diaz lizrdiaz@hotmail.com

Você está sozinho em uma sala escura. Pequena o suficiente para que não se sinta solitário. Aconchegante o suficiente para que você descanse. Na qual tudo que se tem é um barulho ritmado de um tambor, acompanhado por aquele que poderia ser o som do mar. Mas é como se você estivesse dentro desse mar. Ouvindo murmúrios de conversas das quais não faz parte. Até que, em meio a elas, ouve-se uma voz clara e familiar. Ela é feminina e parece ressoar em todo seu corpo. Ela é a sua mãe. E você vai entender isso depois de nove meses dentro dela, ou talvez em menos tempo, se você for apressado.

Assim se passa a vida de um feto até que alguém o expulsa do aconchego do ventre materno e o apresenta o mundo externo. De uma forma assustadora, a sala agora está cheia de gente, e os barulhos são mais próximos e não se pode mais reconhecê-los. Para um bebê, o contato com a realidade é hostil. Com o intuito de manter uma continuidade sonora e sensorial do bebê com o ambiente do útero materno, a musicterapeuta e mestre em Psicologia do Desenvolvimento Ambra Palazzi realiza um projeto de pesquisa focado no uso da musicoterapia a favor da interação da mãe e do bebê prematuro em uma realidade de UTI Neonatal. “A musicoterapia é o uso da música e de elementos musicais para fins terapêuticos, reabilitativos ou preventivos em áreas como a saúde e a educação”, explica. Na pesquisa, Ambra aplica a musicoterapia com

uma abordagem centrada na família: “Eu trabalho principalmente com o canto de músicas selecionadas pelas mães e também apoiando o canto materno para fortalecer o vínculo mãe-bebê”.

O ambiente da UTI Neonatal marca uma total descontinuidade em relação ao que o bebê estava acostumado. Há uma hiperexposição a estímulos nocivos por serem sons em um volume ou frequência superiores ao que foi experienciado no mundo intrauterino. “Neste ambiente desconhecido, falta tudo que o bebê deveria ter para um desenvolvimento saudável: a

presença da mãe, seu toque, cheiro e voz”, destaca Ambra. A valorização da voz e, portanto, do canto materno no trabalho da musicoterapeuta se deve justamente à intenção de proporcionar ao bebê a sensação de continuidade de um mundo que foi perdido no momento do nascimento. Para isso, são utilizados instrumentos auxiliares que reproduzem sons conhecidos, como o tambor oceano – que imita o som do mar de modo a remeter aos sons líquidos do útero, assim como o tambor de língua, através do qual é possível reproduzir o ritmo da frequência cardíaca. Ambra explica que, desta forma, se substitui a hiperestimulação da UTI Neonatal por um impulso mais saudável: “A musicoterapia instiga o bebê a partir de sons que façam mais sentido e sejam mais previsíveis e que, por consequência, promovam um efeito calmante”.

A interação na musicoterapia em UTI Neonatal

Segundo o Ministério da Saúde, à medida que cresce o número de bebês prematuros no Brasil – entre 2000 e 2005 o aumento foi de 13% – crescem também as possibilidades destas crianças sobreviverem após o parto. A taxa de sobrevivência dos bebês com peso entre 1 e 1,5 Kg é de 80%. Já aqueles com menos de 1kg, o índice é de 50%. Ambra aponta que a prematuridade é uma condição relativamente nova, a qual a tecnologia tornou possível: “Hoje é viável que um bebê nasça com cinco meses de gestação e 700 gramas, no entanto o prematuro é muito frágil”. O ponto é como não só trazer esta criança ao mundo, mas também possibilitar os cuidados necessários para garantir o melhor desenvolvimento para este bebê.

O potencial da musicoterapia está na capacidade de fazer o elo entre os mundos intra e extra uterino em um momento em que o bebê deveria ainda estar dentro do útero. “Durante a gravidez, é como se o bebê estivesse imergido na voz da mãe, pois escuta as vibrações da voz em qualquer ponto de sua pele”, ressalta Ambra. A musicoterapeuta afirma que, se a mãe canta, produz hormônios que fazem com que ela se sinta bem, e o bebê reflete esta sensação de bem estar. O ideal seria o bebê nascer e já ir para o colo da mãe para reconhecer o cheiro e a voz materna e identificá-la como mãe – é uma experiência multisensorial, que une olfato, audição e tato. No entanto, os pre

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maturos precisam ficar em incubadoras. “Quanto mais reproduzirmos esta multisensorialidade, mais conseguiremos ajudar no vínculo inicial entre mãe e bebê.”

Para Ambra, a interação é o foco de todo este processo: “O bebê nasce com determinadas competências para enfrentar o mundo, mas só compreende o que acontece ao seu redor por meio das interações com os outros”. A musicoterapeuta observa que, se fosse possível alimentar um bebê de forma constante e repetitiva – como uma máquina – essa interação geraria um repertório muito limitado, pois ofereceria um único estímulo sem deixar espaço para que o bebê desenvolvesse algo além do movimento já co

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Ambra trabalha com músicas selecionadas pelas mães para fortalecer o vínculo delas com seus bebês

nhecido. A música ao vivo, do contrário, proporciona uma infinidade de estímulos para o desenvolvimento de competências. Ambra explica que a música se sincroniza ao bebê e este, por sua vez, consegue se auto regular. “O bebê acaba aprendendo coisas de si mesmo através da interação com o outro e este é o fundamento do desenvolvimento infantil”, enfatiza.

O contato com o diferente, na musicoterapia, se dá por uma mescla de fatores. Pela eficácia do método, poderia-se utilizar canções de ninar, no entanto o processo une as características da música, da pessoa que está tocando o instrumento – musicoterapeuta, e de quem está ouvindo – paciente. Por isso, mais do que disponibilizar este momento com a música, é preciso focar nas interações. O bebê prematuro, por exemplo, não vai cantar, mas isso não quer dizer que não vá responder aos estímulos provocados pelos sons. A respiração do bebê é um dos indicativos: “Quem toca o instrumento vai moldá-lo e sincronizá-lo de acordo com as respostas do bebê, igualando o som aos padrões rítmicos da respiração do bebê”, exemplifica Ambra. As reações da mãe também são consideradas, pois, ao escolher músicas de sua preferência, a mãe se torna mais responsável e útil nesse processo.

“O estímulo é mais emocionante porque esta é a música que a mãe escolhe compartilhar e dedicar ao bebê”, aponta. Quando a mãe canta com emoção é mais provável que o vínculo criado com o bebê seja mais forte e que o efeito da música sobre a mãe seja mais calmante.

Os benefícios da prática da musicoterapia são tanto para o vínculo como para os sujeitos dessa relação. Por parte da mãe, há evidências de que este trabalho reduza a ansiedade principalmente quando as músicas forem significativas para a paciente. Além disso, um estudo da UFRJ, realizado por Martha Negreiros e publicado no Jornal de Pediatria, aponta que a música pode ser responsável por um aumento do aleitamento materno entre mães de recém-nascidos prematuros. O bebê prematuro é ainda mais beneficiado neste tipo de tratamento, as evidências abrangem tanto as respostas fisiológicas do bebê como favorecimento da saturação do oxigênio, respiração, frequência cardíaca, ganho de peso diário, assim como é ferramenta para relaxar e acalmar o bebê. “A musicoterapia na neonatologia é uma área nova de estudo, a qual tem se desenvolvido e mostrado cada vez mais resultados

“Durante a gravidez, é como se o bebê estivesse imergido na voz da mãe, pois escuta as vibrações da voz em qualquer ponto de sua pele”

Ambra Palazzi musicoterapeuta

promissores”, afirma Ambra. Ambra aplicou seu estudos inicialmente no Hospital Presidente Vargas, em Porto Alegre, em 2015, hoje está em fase de seleção dos grupos de famílias a participarem de uma fase da sua pesquisa de doutorado, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no Hospital Conceição, também na cidade de Porto Alegre. Ambra ressalta a receptividade das mães que, em meio a correria de uma UTI, se entregam às práticas da musicoterapia e se permitem contagiar pela emoção e expressar seus sentimentos. “Os relatos das mães é de que aquele é um momento de distração em que podem esquecer os problemas, o canto para elas é uma bolha feliz em meio as ansiedades causadas pelo ambiente da UTI Neonatal”, observa Ambra. A musicoterapeuta relata que quando começavam a cantar aos poucos não se ouvia mais os sons ao redor e, ao mesmo tempo, o ambiente era afetado, pois as outras pessoas passaram a baixar o volume das vozes e respeitar aquele momento que pertence à mãe, ao bebê e à musicoterapeuta.