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O PODER DO LIKE

O marketing político que influencia sua decisão com base no que você faz nas redes sociais

Texto: Juan Ortiz ricoortiz.juan@gmail.com Fotos: Luiza Dorneles,

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Nathália Cassola e Luísa Santini

dorneleslui@gmail.com nathalia.cassola@gmail.com luisasantini5@gmail.com

seu voto tem dono

A sala estava superlotada, mas eram poucas as cadeiras ocupadas. Em pé, os residentes da casa aguardavam pela chegada do intimado. Por volta das 14h40min de 10 de abril de 2018, com mais de 20 minutos de atraso, Mark Zuckerberg atravessava os corredores do Congresso americano. A face pálida refletia um nervosismo raro em figuras públicas da sua altura. O bilionário fundador do Facebook — a rede social mais popular do planeta — parecia uma criança prestes a levar uma dura dos pais. Em torno da mesa reservada para ele, dezenas de repórteres se aglomeravam como caçulas à espera da bronca no irmão mais velho.

O motivo da convocação foi anunciado logo no início da sessão. “Damos a todos as boas-vindas à nossa audiência de hoje sobre a privacidade no Facebook e o uso e abuso de dados”, disse o presidente do Comitê de Justiça do Senado, o republicano Chuck Grassley. O discurso fazia referência ao vazamento de informações pessoais de 50 milhões de usuários nos Estados Unidos usadas pela consultoria britânica Cambridge Analytica em favor da campanha presidencial de Donald Trump. Outros 43 congressistas marcaram presença. Entre goles d’água, pedidos de desculpas e olhares de assustado, Zuckerberg respondeu à sabatina de perguntas por quase cinco horas.

Os principais assuntos foram as regulações mais duras para empresas de tecnologia, as permissões de aplicativos bisbilhoteiros e a mina de ouro do Facebook — os anúncios direcionados. O que o empresário não sabia (ou não queria) responder, rebatia dizendo “preciso verificar isso com a minha equipe”. Mas teve uma pergunta em especial da qual ele não conseguiu escapar: “Senhor Zuckerberg, você se sentiria à vontade para nos dizer o nome do hotel onde ficou na noite passada?”, atiçou o democrata Dirk Durbin. O jovem magnata deu uma risada nervosa. Depois, soltou um longo “aaah, não”. O parlamentar continuou: “Se o senhor trocou mensagens com alguém nos últimos dias, nos diria seus nomes?”. Novamente, Zuckerberg deu uma negativa: “Não, senador, provavelmente preferiria não tornar isso público”. “Acho que é disso que tudo isto se trata: o direito à privacidade, seus limites, e o quanto se renuncia na América moderna em nome de conectar as pessoas pelo mundo”, rematou Durbin. No dia seguinte, o Comitê de Energia e Comércio receberia Mark Zuckerberg para uma segunda audiência no Congresso. As famosas imagens do homem que fazia fortunas de camiseta e calças jeans agora destoavam do sujeito engravatado com cara de poucos amigos.

Entenda o caso

O escândalo do roubo de dados começou em março de 2018, quando Christopher Wylie, ex-funcionário da Cambridge Analytica, aceitou revelar o que sabia sobre as operações da empresa. Com supostos fins acadêmicos, a companhia desenvolveu um aplicativo que se passava por um quiz de personalidade no Facebook. As perguntas variavam entre orien

tação política, religião e temas de interesse. Em troca de US$ 3 a US$ 5, centenas de milhares de pessoas aceitaram participar da falsa pesquisa. O truque estava nas abusivas condições do app, que solicitava acesso às informações pessoais dos usuários, seu histórico de atividades, publicações, curtidas e, por falha na segurança da rede social, de todos os seus amigos também. Foi esse detalhe que abriu a porta para o contrabando de informações de milhões de americanos. De posse desses dados, os marqueteiros políticos criaram propagandas direcionadas para sensibilizar diferentes públicos. É como se eles dissessem exatamente o que cada eleitor queria ouvir.

A culpa do Facebook nessa história se deve ao fato de não ter agido a tempo, mesmo sabendo do desvio. Além disso, a rede social foi criticada no Senado americano por fazer praticamente a mesma coisa que a consultoria política: psicografar os usuários. A diferença é que a empre

sa de Zuckerberg aplica isso com fins comerciais, e não dá os dados de bandeja para anunciantes, mas atua como intermediária, alugando seus serviços. Fora as eleições americanas de 2016, há indícios de que a Cambridge Analytica tenha interferido em outras decisões democráticas, como a saída do Reino Unido da União Europeia e o processo separatista catalão.

Big data brazuca

Na última década, o tráfego informativo gerado nas mídias sociais vem despertando o interesse de quem atua nos bastidores da política. Embora a consultoria britânica tenha ganhado holofotes por suas ações controversas, várias companhias se valem de grandes conjuntos de dados — também chamados de big data — para prever tendências de públicos. É o que faz a Ponte Estratégia aqui no Brasil. Sediada num coworking na zona oeste de São Paulo, a empresa pertence ao baiano André Torretta, que se autodenomina o maior especialista na classe C brasileira. Seu portfólio tem clientes de peso: Ambev, Samsung, Unilever, Claro e Itaú, apenas para citar alguns. E tem candidato que já contratou a Ponte para as eleições deste ano. Torretta não falou publicamente para quais campanhas vai trabalhar, mas o banco de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revela com quem trabalhou anteriormente: Helder Zahluth Barbalho, atual ministro da Integração Nacional do Brasil e candidato a governador do Pará pelo PMDB em 2014. Naquelas eleições, Barbalho gastou R$ 857 mil com a consultoria, uma das maiores despesas da campanha. O peemedebista fez 48% dos votos válidos no segundo turno — apenas 3% a menos que seu oponente, Simão Jatene (PSDB).

No início do ano passado, Torretta firmou uma aliança com a Cambridge Analytica para a corrida eleitoral deste ano. “Minha parceria é um next step na comunicação digital aqui no Brasil”, anunciou no dia 11 de março de 2017, em sua página do Facebook. A empresa tinha sido até rebatizada como CA-Ponte. Porém, o recente escândalo nos Estados Unidos fez o baiano recuar. Em nota, a Ponte informou que suspendeu as conversas com a consultoria britânica.

A mineira Stilingue é outra empresa que usa tecnologia de ponta aplicada ao marketing. A joia da companhia é um programa com Inteligência Artificial que vasculha a rede em busca de informações valiosas. Batizado de War-Room, o software consegue ler textos em português e reconhecer imagens (até mesmo “memes”, as piadas da internet). O robô facilita a gestão de imagem do cliente e permite analisar a personalidade do público, de forma semelhante aos perfis psicológicos da Cambridge Analytica. Em 2016, a Stilingue fez seu primeiro serviço para uma campanha política. O cliente foi o fazendeiro evangélico Sebastião Quintão (PMDB), que concorreu à prefeitura de Ipatinga, interior de Minas Gerais. Quintão derrotou cinco opositores e foi eleito com 54% dos votos no primeiro turno. Mas, só em abril deste ano, o TSE conseguiu barrar a candidatura da chapa vencedora com base na Lei da Ficha Limpa. Quintão havia sido condenado por abuso de poder econômico e captação ilícita de recursos na campanha de 2008. As eleições suplementares de Ipatinga ocorreram dia 3 de junho.

A guerra política online

A aposta das campanhas nas redes sociais já era considerada desde as eleições presidenciais de 2010. O que é diferente agora são as ferramentas tecnológicas disponíveis, que levam as batalhas eleitorais ao ambiente cibernético. São esses robôs inteligentes que, quase instantaneamente, conseguem prever tendências ideológicas dos eleitores, controlar grandes fluxos de dados e identificar possíveis ameaças — tarefas que seriam muito mais lentas se fossem executadas por pessoas. “Existem aspectos em que os recursos de Inteligência Artificial já superam a capacidade humana, como nos casos de tratamento de grandes volumes de dados ou na associação de informações sem as limitações da memória humana”, explica Sandro José Rigo, pesquisador de Inteligência Artificial da Unisinos.

Outro desafio para estas eleições é a propagação de informações fraudulentas e o uso de contas falsas pelos grupos políticos. Em março, o Movimento Brasil Livre (MBL) teve uma página e dois perfis bloqueados no Facebook por disseminação de fake news. O grupo, que apoia candidatos à direita, como o ex-prefeito de São Paulo João Doria Jr. (PSDB), é um dos mais ativos na guerra por influência digital. De acordo com o TSE, a veiculação de informações falsas e o uso de ferramentas que alterem a repercussão das propagandas em período eleitoral podem implicar multa de R$ 5 mil a 30 mil para os autores e os beneficiados. Só “não há uma regra definida quanto ao número de multas”, avisa o próprio tribunal. Resta saber se os partidos e os exércitos digitais já estão guardando dinheiro para pagar as infrações.