Dança | Oba nu Mun

Oba nu Mun em Uchinaguchi, língua tradicional de Okinawa, significa Coisas da Avó. O nome surgiu quando tomei contato com objetos pessoais de minha avó após sua morte.

Coisas da Avó pode ser referir tanto a esses objetos, kimono, pente, prendedor de cabelo e fotos, elementos fundantes desta criação, quanto a um modo de ser específico dessa avó.

Lúcia Kakazu

No dia 28 de abril de 1908 partia do porto de Kobe o navio Kasatu Maru em direção ao Brasil. Vinham a bordo 167 famílias japonesas, num total de 761 pessoas para trabalhar nos cafezais paulistas. Esses imigrantes, com pouca esperança de retorno, organizaram formas de se estabelecerem aqui, criando associações, cooperativas e comunidades que mais tarde passaram a contribuir para a manutenção da cultura e dos costumes tradicionais.

Cresci nesse contexto: minha oba era detentora e defensora dos costumes tradicionais. Em meio a festas repleta de danças e músicas de uma língua que eu não entendia, entre rituais que eu não decifrava, escutando histórias de uma guerra que não vivi. Rebelde, por não me sentir japonesa e nem brasileira o suficiente. Embates fizeram parte de nossa história juntas, devido ao choque de culturas e o abismo das línguas.

Hoje, criar uma dança que se inventa a partir das evidências documentais de uma avó já falecida e no trânsito permanente de múltiplas identidades é uma forma de religar minha trajetória a esse passado histórico, criando movimentos de afirmação e pertencimento.

Desta forma, a dança é catalisadora e responde a essa condição de ser e não ser. Ela se constrói no fluxo, revelando gestos que se esgarçam no tempo ou somem como onda no mar.

Na obra, apostamos numa estética documental. Usamos evidências concretas, dessa avó específica, para apontar questões de ampla imanência, como a finitude da vida, identidade e pertencimento. O corpo se torna, portanto, memória de um tempo: nabos secando ao sol, a textura da parede no quintal, o sentar para a novela no NHK, pés descalços que avançam como raízes, a fumaça no butsudan (altar familiar), uma canção de ninar, o jardim e as plantas.

Oba nu Mun é, portanto, a tentativa de diálogo que se constrói na presença virtual de um corpo ausente, um aceno em direção ao vazio. Uma dança de travessias, espirais, de busca e encontro, de gestos efêmeros que nascem e desvanecem no abismo entre duas línguas e se inflamam na presença do que é finito. A dança então nasce desse vazio, nesse espaço MA (conceito de vazio intervalar japonês) onde cabe uma relação.

Lúcia Kakazu

Criadora, Diretora e Performer

O sanshin é a principal expressão da musicalidade de Okinawa. Trazido da China no período do reino de Ryukyu na forma de sanxian, logo foi modificado em seu formato e maneira de ser tocado, assim assumindo papel central na cultura de Okinawa.

Durante o período em que o Japão passou a administrar Okinawa, os músicos da corte de Ryukyu (antigo nome do reino onde hoje é Okinawa) ficaram desempregados e o sanshin assumiu uma característica mais popular.

Na segunda guerra mundial aconteceu a Batalha de Okinawa, a maior batalha marítimo-terrestre da guerra. Grande parte da população foi dizimada, os que sobreviveram foram capturados pelo exército americano e levados para campos de concentração. Nesses lugares, a partir de latas que iam para o lixo, algumas pessoas fabricaram sanshin de lata, os chamados kankaras. Assim a música e o espírito de okinawa puderam resistir.

No espetáculo, através do sanshin trago toda essa carga histórico-familiar, relembrando, através da música, momentos da infância e das descobertas de uma identidade okinawana. Também buscando novos horizontes dessa fusão de uma música folclórica com a musicalidade ocidental, fruto de uma identidade diaspórica.

A experimentação é a visão de como o sanshin e uma dança não tradicional conversam dentro de uma relação familiar.

Ricardo Kakazu Músico-Performer

Oba nu mun na língua da pequena e longínqua ilha de Okinawa, Japão, quer dizer coisas da avó. A avó ou anciã é especialmente respeitada tanto na relação sócio-cultural Okinawana como na hierarquia espiritual, onde é vista como sábia, alicerce e coração da família.

Okinawa é uma ilha envolta nos mistérios da Espiritualidade ancestral e primitiva, assim como a performance a ser apresentada, que através da combinação dos movimentos com a música folclórica da ilha e toda a ambientação cenográfica nos remete à tempos remotos ou mesmo a uma sensação onírica.

Para quem tem a memória emocional de ter tido a convivência com uma avó, independente da língua a que se referia a ela, pode acontecer de se comover, pois o amor entre avó e netos vai muito além de línguas ou culturas!

Beatriz Nagahama Kamintyu* e criadora do Blog Okinawa Espiritual

*Na tradução de Okinawa, significa Pessoa de Deus, são as pessoas, geralmente mulheres, responsáveis pelos rituais e equilíbrio do lar na tradição do Sosen Suuhai que é o culto aos antepassados.

FICHA TÉCNICA Criação, Direção e Performance Lúcia Kakazu Músico-Performer (sanshin) Ricardo Kakazu Direção Musical e Trilha Sonora Matheus Alvisi Criação Musical Ricardo Kakazu e Matheus Alvisi Design de Som Joana Flor Iluminação Paula Hemsi Figurino Lúcia Kakazu e Shima Produção Cuca Dias (Belmira Produtora) Técnico de Luz Fagner Lourenço Técnico de Som André Teles Fotos Suellen Leal e Emilene Gutierrez Vídeos Paula Ramos e Larissa Ballarotti Colaboração artística Adriana Grechi, Elias Cohen, Janaína Leite, Paula Petreca e Paula Salles, Cuca Bolaffi, Cristiane Paoli Quito AGRADECIMENTOS Camila Bronizeski, Nina Giovelli, Emilene Gutierrez, Suellen Leal, Abel Xavier, Larissa Fernandes, Rodrigo Figueira, Marcus Moreno, Rubia Braga, Luciano Mendes de Jesus, Elisa de Oliveira, Key Sawao, CRDSP, Fernando Melo, Beatriz Nagahama, Valmiro Junior, Comunidade da Vila Yamaguishi e Quase9.

De 15 a 17.02.19 Sexta, às 21h30 Sábado, às 19h30 Domingo, às 18h30 Auditório. 16 anos.

Ingressos: R$ 20,00.

R$ 10,00 meia entrada.

R$ 6,00 credencial plena.

Sesc Ipiranga Rua Bom Pastor, 822 CEP: 04203-000 | São Paulo/SP Tel.: +55 11 3340.2000 /sescipiranga sescsp.org.br/ipiranga