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Considerações Finais

Nesta dissertação propôs-se a construção de um exercício de projecto que explora um conjunto diverso de

factores e ambições, nomeadamente a ligação entre o Homem, a Natureza, a identidade do lugar e a

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arquitectura. Este processo teve em consideração as expectativas dos promotores, que sublinham a

necessidade de uma imagem própria, as recomendações e imposições da entidade reguladora, que deseja

impulsionar o desenvolvimento urbano; as necessidades dos habitantes, e seus modos de habitar; e, por último, o papel da arquitectura, que deverá dar uma resposta coerente à actualidade.

A decisão de projetar um edifício de habitação plurifamiliar na freguesia de Canidelo conduziu este estudo

para as particularidades de habitar este lugar. Conclui-se que o conceito de tradição, vulgarmente associado

a uma continuidade material estática e formal, deve ser interpretado como um conceito de maior elasticidade. Ou seja, procura-se uma arquitectura “líquida” que mantém as suas propriedades, mas que

reage e se adapta à forma, lugar e condições externas do sítio.

No primeiro e segundo capítulos expõem-se condições e parâmetros que permitiram informar as opções

arquitectónicas a incorporar no projecto do edifício de habitação plurifamiliar proposto. Este capítulo conduziu a que o estudo das características e tradições construtivas locais tornasse mais evidentes as lógicas

do lugar, que simultaneamente se apoiam num conservadorismo legislativo, imaginário e construtivo.

Através da análise às condicionantes pré-existentes foi possível obter dados que clarificam as características

mais comuns e constantes na zona. A partir dos dados obtidos, entendeu-se que o exercício de projecto

deve contrariar lógicas estáticas que apenas garantem uma continuidade formal, e pelo contrário se vincular a arquitectura às lógicas da identidade e da relação com a natureza.

A Natureza assume uma condição de pré-existência, potenciando continuidades materiais e simbólicas. De

igual modo, o contexto cultural e as condições identitárias do local são factores relevantes. Recorreu-se à

reinterpretação análoga dos elementos que caracterizam a identidade local como matéria de projecto, procurando-se neste processo criar elos entre o “genius loci” e a nova intervenção.

O carácter local e as particularidades da paisagem natural envolvente foram os factores decisivos na seleção

de materiais, nas orientações do espaço, na definição do sistema de mediação entre o interior e exterior,

no controlo da luz e das relações dinâmicas entre o habitante e a natureza. Nesse sentido, entende-se que

a presença e a conjugação destes aspetos foi essencial no exercício de projecto que procurou de igual modo,

privilegiar a individualidade de cada Habitante.

Desde o imaginário do comum em contexto de preservação da paisagem, procurou-se reinterpretar valores

simbólicos, traduzidos em texturas, matéria e espaço. Incorporou-se o projecto de Arquitetura numa

relação que combina o artificial com o natural, de forma complementar, estabelecendo um equilíbrio motivado pelo valor da paisagem e traduzido no confronto das escalas urbanas, nesta lógica, o exercício de 88

projecto ambiciona uma resposta dinâmica e orgânica às necessidades tanto urbanas como do próprio

habitante.

Resumindo, o contexto local surge como o sistema base que suporta as opções de projecto, procedendo-se

a uma reinterpretação da condição contemporânea do valor da paisagem na materialidade, da arquitetura,

tornando operativos os significados e valores da memória do colectivo. Entende-se que por meio de uma reinterpretação de certos elementos de carácter local é possível compor uma linguagem “universal” ,

estruturante de intervenções futuras.

Os símbolos geram sentimentos através dos sentidos, sensações e percepções, mas apenas se possuírem a

capacidade de se transmutarem em materialidade. O projecto apoia-se nas circunstâncias primitivas do habitar a freguesia e revela os instrumentos que o capacitam para transpor a relação entre natureza e

criação humana, enquanto resposta a questões funcionais e estéticas.

Na procura de uma valorização e reconhecimento da relação com a natureza e a paisagem seguiram-se estratégias presentes nas obras de arquitectos como Álvaro Siza, Adalberto Dias, Aldo Rossi, Fernando

Távora, Alvar Aalto, Souto de Moura e Herzog e de Meuron. Estas estratégias, distintas entre si, evidenciaram a diversidade de abordagens e o valor da metáfora, da anamnese, da analogia e da memória

nesta relação.

Nos ensinamentos de Aldo Rossi, por exemplo, é possível evidenciar a epistemologia base que estabelece

um inventário consciente e fundamentado composto pelos fragmentos da cidade e que permite a sua reinterpretação mediante o imaginário pessoal.

Na arquitectura de Herzog e de Meuron, essa relação realiza-se mediante uma continuidade análoga entre

a paisagem natural e artificial, conseguida através de determinados dispositivos concretos, que

normalmente confinam aglomerados tipológicos compostos por mais de uma função, e que estabelecem afinidades com o carácter relativo das escalas, dos símbolos e da metamorfose da sociedade

contemporânea. Consoante o grau de confronto entre as qualidades simbólicas dos materiais, transpõe-se para o projecto uma “abordagem fenomenológica” , resultante do imaginário colectivo e pessoal que lhe

deu origem.

Na arquitectura de Adalberto Dias explora-se a relação entre arquitectura e contexto, tirando partido da análise de um sistema de acessos particular, a galeria, e o modo como determina configuração, organização

tipológica e orientação solar do edifício.

Na obra selecionada de Souto Moura verificou-se que existem várias formas de conjugar distintas tipologias

de usos, sem comprometer a simplicidade do contentor envolvente, que se pretende de carácter anónimo. Este edifício manifesta características de movimento e dinamismo, através de efeitos visuais que traduzem,

materialmente, um sentimento de actualidade e variedade, enquanto reflexo da constante incerteza e

disparidade utilizada na sua metodologia de projecto.

Nas obras de Álvaro Siza e Alvar Aalto deduz-se a importância do encontro da pesquisa e do contexto local

como parâmetros que relacionam a arquitetura e natureza. Esta relação estabelece-se através da

diversidade e complementaridade mediante analogias conceptuais, muitas vezes intuitivas, mas sempre baseadas em processos formulativos da memória do colectivo e do natural oriundos de uma visão da cidade

lida como um conjunto de fragmentos, partes de cidade.

Em todos os projectos analisados, pode evidenciar-se um aspecto recorrente, nomeadamente a percepção

do edifício enquanto elemento organizador do espaço no qual se insere.

Nesta conjuntura, os exemplos e inspirações indicadas servem como os fragmentos da composição final

que é traduzida no exercício de projecto de arquitectura desenvolvido nesta dissertação, como se fosse uma obra de “arte collage” . A colagem de fragmentos de influências como uma ferramenta de composição

arquitectónica permitiu estabelecer um diálogo de continuidade entre o passado e o presente considerando

as necessidades e ambições contemporâneas. Nesta lógica o novo edifício de habitação condiciona o lugar que o envolve, criando assim, uma circunstância futura.

Ao nível do desenho, procurou-se no exercício de projecto incentivar uma flexibilidade perceptiva em vez

de física, pois entende-se que a ambiguidade (perceptiva e espacial) potencia a adaptabilidade do espaço

do Habitar. Organiza-se o espaço mediante uma lógica de polivalência que permite equilibrar o desenho arquitectónico com a variabilidade da necessidade e dos modos de habitar

Em suma, na presente dissertação desenvolveu-se um exercício de projecto que ambicionou regular a

relação entre o interior(artificial) e exterior (natural ou construído), partindo de uma base contextual onde

a valorização das qualidades paisagísticas e identidades locais originam uma arquitectura que se define pela capacidade de metamorfose e adaptabilidade, princípios coerentes com a própria condição humana.

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