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Porta-Retratos ensaios, artigos, história, reportagens

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ENSAIO POETA MÚCIO TEIXEIRA

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Das “brasas” às “cinzas”

Janet Zimmermann - poeta *

CONSIDERAÇÕES INICIAIS Um ramo genealógico

Quis o destino que eu fizesse parte de um ramo familiar do mais inspirado, produtivo e esquecido poeta brasileiro do século XIX. Vim de Tenente Portela/RS para Campo Grande/MS em 1980, com meu irmão Bonemar Zimmermann, para estudar e trabalhar, e aqui formei família. E vim tomar conhecimento da existência do grande poeta MÚCIO TEIXEIRA, através do meu marido Múcio José, filho de Mário Lopes Teixeira, filho de Júlio Manuel Lopes Teixeira, filho do poeta. “Seu Mário” (meu sogro), órfão de pai e mãe, veio, com quatorze anos de idade (1942) do Rio de Janeiro para Campo Grande, onde viveu, até se casar, sob a guarda do falecido professor Múcio Teixeira Júnior “ , o tio Ninito” , filho do poeta (que foi diretor da Escola Normal Dom Bosco – hoje Joaquim Murtinho – e do Colégio Estadual – hoje Maria Constança de Barros Machado –, que fundou o Colégio Ateneu Rui Barbosa e é o patrono da Escola Municipal Professor Múcio Teixeira Júnior). Em 19 de setembro de 1953 o jovem e alegre Mário se casou com Evilásia Ramos, com a qual teve três filhos e uma adotiva: Mário Márcio Ramos Teixeira, Marly Rita Ramos Teixeira, Múcio José Ramos Teixeira (pai da minha filha Valentine Zimmermann Teixeira, trineta do poeta), e a filha do coração, Elisabeth Ramos Teixeira. Segundo o “seu Mário” , quando havia festa na casa da “tia Maria José” (filha do poeta) era ele próprio quem levava a “vovó Tetéia” (viúva do poeta) para passar o dia com a filha...

Mário Lopes Teixeira e família Múcio José Ramos Teixeira e família

Mas eu só vim me interessar, de fato, pela fantástica obra do vate gaúcho, quando a poesia, há mais de dez anos, assenhoreou-se do meu ser, tempo em que ousei escrever e publicar poemas em antologias, revistas e livros, o que levou-me a ampliar o olhar sobre a vasta e bela poesia brasileira. E, cada vez mais atraída pela vida e obras de Múcio Teixeira, o “Barão Ergonte” , iniciei a leitura investigativa de parte da sua obra e da sua vida. Para tanto busquei adquirir seus raros livros e pesquisar, com paixão, sua fantástica história, lançando mão de guardados de familiares – a mim confiados –, de depoimentos documentados nos seus próprios livros, de artigos de antigos periódicos, de lembranças do “seu Mário” e de ricas informações recebidas diretamente da neta do poeta, a Maria de Lourdes Teixeira, filha do “professor Múcio” , que emprestou-me arquivos e fotografias, bem como relatou-me passagens interessantes da história do avô poeta. E, através de escritos & ditos, teci, a miúde, esta biografia do poeta da família, a qual transcrevo com orgulho, satisfação e honra neste artigo exclusivo para a Piúna, revista da União Brasileira dos Escritores de Mato Grosso do Sul, administração da escritora Sylvia Cesco. E uma pergunta, desde então, assombrame e convoca-me a compartilhá-la: — Por que não se encontra o nome de Múcio Teixeira – autor de vastíssima produção literária – em coletâneas, livrarias e, principalmente, em bibliotecas escolares, como sendo, ao menos, um dos cinco maiores vultos da literatura brasileira? Machado de Assis, em crônica de 1895, asseverou: “São migalhas da história, mas as migalhas devem ser recolhidas.” Ora, se as migalhas da história devem ser recolhidas, muito mais devem ser recolhidos os pães eternos para bem alimentarem as futuras gerações! E foi exatamente por isso que eu me senti na obrigação de resgatar, e levar à claridade, parte da história de

M ú c i o S c é v o l a L o p e s T e i x e i r a

Nasceu em Porto Alegre (RS) em 13 de setembro de 1857, às 19 horas. Filho do Tenente Coronel D’Engenheiros Manuel Lopes Teixeira Junior e de Maria José de Sampaio Ribeiro Teixeira (irmã do Marechal Frederico Solon de Sampaio Ribeiro e do Coronel João Sabino de Sampaio Mena Barreto), recebeu esse nome do pai em homenagem a Caio Múcio Cévola (Gaius Mucius Scaevola) que, segundo o historiador da Roma antiga Tito Lívio em sua “Ab urbe condita” , Caio Múcio foi um jovem soldado de família nobre romana que, na guerra contra Lars Poersena, em 508 aC, ofereceu-se para assassinar o rei. Porém, como ele nunca o tinha visto, matou, com um punhal, uma pessoa diferente e, para se punir, queimou a mão direita num braseiro. Recebeu como recompensa ao ato de coragem a liberdade e o cognome "Cévola" que em latim significa "canhoto" , um epíteto conservado pelos seus descendentes.

Órfão de pai aos três anos, Múcio Teixeira parte com sua mãe e sua irmã Dolores para a Corte, onde estudou no Colégio Vitório. Um fato inusitado aconteceu quando, com sete anos, Múcio foi levado, pelo Conselheiro Ferraz, ao Palácio do Paço da Boa Vista onde conheceu D. Pedro II, com o qual teve o seguinte diálogo:

Dom Pedro II:— Como se chama?

Múcio Teixeira: — Múcio Scévola Lopes Teixeira e venho me apresentar para seguir para a guerra.

DP II: — É filho do coronel Manuel Lopes Teixeira?

MT: — Sou... mas o que me trouxe aqui não foi para dizer de quem sou filho. O que eu quero é ir para o Paraguay com o meu Imperador.

DP II: — E não tem medo de balas?

MT: — Qual nada! Balas não são almas do outro mundo... que é só do que eu tenho medo!

DP II: — Tem, então, muito medo das almas do outro mundo?

MT: — Pudera não! Se a gente nem as vê...

DP II: — Mas não sabe que os paraguayos são muito valentes?

MT: — Valentes são os Rio-Grandenses e o Senhor que vão brigar com eles!

DP II: — Ainda é tão pequenino, não pode com o peso de uma espada...

MT: — O Senhor tem muito dinheiro, pode mandar fazer uma espadinha para mim, mas que não seja de folha, quero uma de verdade.

DP II: — Pois sim, iremos juntos para a guerra!

Conforme consta no livro “Raízes de uma Família” – de Múcio Eduardo dos Santos Pereira (filho de Ada Teixeira, filha de Múcio Teixeira Júnior, filho do poeta) – o próprio poeta contou, com ótimo humor, que o Conselheiro Ferraz mandara um oficial acompanhá-lo até a sua casa, comprometendo-se de nada dizer à sua família. Mas, à noite, ele próprio contou. E ficou decidido que ele “não assentaria praça antes de saber o ABC”.

Mais tarde voltaram para Porto Alegre onde Múcio completou os estudos no Colégio Gomes, uma das escolas mais conceituadas daquele tempo, onde o poeta, em plena juventude, conviveu com Apolinário Porto Alegre (que foi seu professor particular), Demétrio Ribeiro, Assis Brasil, Júlio de Castilhos, Amália Figueiroa e diversos outros escritores gaúchos.

Revelando forte inclinação às letras, começou a escrever com onze anos e, ainda menino, fez parte do “Parthenon Litterario” , a associação de intelectuais que difundiu a literatura gaúcha e brasileira do século XIX. “Entre os moços do Parthenon destacavam-se um velho e um menino: o velho era o venerando Dr. Caldre e Fião, o menino era Eu. ”

Aos quinze anos escreveu “Vozes Trêmulas” , seu primeiro livro – publicado um ano depois – que foi, segundo Fagundes Varela, “uma verdadeira revelação” . Seu filho Álvaro Teixeira deixou documentado que seu pai “foi um dos primeiros a escrever versos alexandrinos com toda a perfeição” , no que reafirmou Lins de Albuquerque no almanaque “O Metrequefe” , em 1882: “caindo-lhe os alexandrinos do bico da pena valentes, sadios, vestidos de preto e branco.” Foi lançado no universo literário pelo poeta gaúcho Carlos Ferreira.

Em uma viagem à cidade de Rio Grande/RS (1874) em que o vapor Guaíba naufragou, Múcio Teixeira – com dezessete anos –, além de sentir por uma semana o terror de um naufrágio, sofreu a profunda dor de perder os originais de “Ondas e Nuvens” , seleção de 54 novos poemas...

Com 18 anos assentou praça no 5º Regimento de Cavalaria e seu batismo de fogo aconteceu em São Leopoldo, durante a Rebelião dos Muckers. E, cadete da Cavalaria, desgostoso por ter sido preso por ter recitado, no Teatro São Pedro e na presença do General Comandante das Armas, seu poema “Aos Inconfidentes", pediu baixa do exército.

Fundador da Loja Grande Oriente do Rio Grande do Sul, foi o primeiro Venerável GrãoMestre.

Com vinte setembros retornou ao Rio de Janeiro onde fez amizade com escritores renomados, como: Artur e Aluísio Azevedo, Sílvio Romero, José do Patrocínio, Oscar Pederneiras, Quintino Bocaiuva, Teófilo Dias, Joaquim Serra, Joaquim Nabuco, Luís Delfino, Francisco Otaviano, Alfredo d'Escragnolle Taunay e outros tantos daquele tempo de “oiro” da literatura brasileira. Dos quinze aos vinte e três anos, dono de um efervescente estro e de rara fecundidade, já havia publicado os livros: “Cérebro e Coração” , “Violetas” , “Novos Ideais”(prefaciado por Sylvio Romero), “Sombras e Clarões”e “Flor de um dia” . Era, pois, considerado o maior poeta da sua geração.

Em 1900 (42 anos)

AMAR!

AMAR aos vinte e dois anos

E ser poeta, mulher, É um desvendar de arcanos

Que os não desvenda qualquer!... É um desfiar de bagas

De um colar feito de chagas

Abertas no coração...

Um fulgir de vagalumes,

Com tantos brilhos, tais lumes,

Que nos deslumbra a razão!...

Assim, em louca cegueira,

Nessa voragem fatal,

Noss'alma vai de carreira

Bater às portas do mal...

E como a leve falena

Queimando as asas sem pena

Em derredor de uma luz

Em busca de primaveras,

Vai, tropeçando em quimeras,

Cair nos braços da cruz...

Amar — é viver, sozinho,

Tendo alguém perto de si;

Ser pombo, fazer o ninho:

E a rolinha sempre ali!... É um nunca fechar de braços,

Que se trocam em abraços

Que estreitam dois corações;

Um turbilhão de desejos

Que se desmancham em beijos...

E passam como ilusões!... Amar — é fechar os olhos

E ver-se o que não se vê... É caminhar entre abrolhos,

Colhendo grinaldas!... e ...

Depois... não sei; mas, eu penso

Que a gente fica suspenso

Por asas de um querubim!

E vai voando... voando...

Por entre estrelas passando...

N'aquelas plagas sem fim!

Amar — assim como eu amo

É um delírio talvez!

Uma loucura não chamo,

Pois louco não sou, bem vês;

Mas... há por força um mistério

Nesse não sei quê de etéreo

Que não sei d'onde há de vir

Umas atrações de abismo,

Uns fluidos, um magnetismo

Que sentimos... sem sentir!...

Em 27 de maio de 1880 (com vinte e três anos) Múcio Teixeira casou, no Rio de Janeiro, com Maria Henriqueta Pinto Peixoto Velho – a quem dedicou o poema AMAR, composto por cinco décimas –, cujo avô Marechal do Império Brasileiro, José Maria Pinto Peixoto, fora trazido de Portugal para o Brasil pela comitiva de D. João VI. Viveu com “Tetéia” por vinte e cinco anos.

Teve sete filhos: Álvaro Teixeira, Múcio Teixeira Júnior, Maria José Teixeira, Júlio Manuel Lopes Teixeira, Alfredo Teixeira, Ada Teixeira e Anna Emília Teixeira. E sofreu a grande dor de perder os filhos Alfredo, Ada e Anna Emília... De 1880 a 1882 foi Secretário da Província do Espírito Santo.

Ativo colaborador da imprensa, fundou e dirigiu a “Revista do Novo Mundo” , o “Brasil Literário”, “A Cidade do Bem” e a “Revista dos Estados” . Dentre os vários periódicos com os quais colaborou foi, a partir de 1884, diretor da “Revista Illustrada” (hebdomadário ilustrado e legendado com manuscritos góticos e cursivos), que contou com a colaboração de André Rebouças, Escragnolle Taunay, Arlindo Fragoso, Silva Romão e outros.

E foi num domingo de 1884, no salão lotado da tribuna da Glória e na augusta presença do Imperador Dom Pedro II, que Múcio Teixeira apresentou José de Anchieta como o “verdadeiro fundador da poesia nacional” . Foi, em seguida, nomeado orador oficial do Grêmio Literário “Álvares de Azevedo” .

De 1885 a 1888 residiu, como hóspede do Imperador, no Palácio do Paço de São Cristóvão, tempo em que foi chamado de “O Poeta Imperial” .

A “inesquecível Tetéia” , esposa do poeta

Ao saber da morte de Victor Hugo, em 22 de maio de 1885, Múcio associou-se às homenagens de Joaquim Nabuco, Machado de Assis, Euclides da Cunha e de vários outros escritores que prestaram ao magnânimo autor do “Os Miseráveis” , organizando e publicando “Hugonianas”(poesias de Victor Hugo traduzidas por poetas brasileiros), livro reeditado depois de quase cento e vinte anos pela Academia Brasileira de Letras, Coleção Austregésilo de Athayde, prefaciado por Sergio Paulo Rouanet. Abaixo uma estrofe do poemadedicatória:

Em 18 de abril de 1888 foi nomeado, pela Princesa Isabel, Cônsul Geral do Império na Venezuela. Ficou no cargo até ter conhecimento da queda do Império. Retornando da Venezuela para o Brasil, foi eleito Presidente do Banco Brasileiro, no Rio Grande do Sul. Depois foi transferido para o Estado da Bahia onde tornou-se amigo particular da família “Castro” por ter publicado, em 6 de julho de 1896, “Vida e Obras de Castro Alves” (25 anos após a sua morte), livro dedicado à Adelaide de Castro Alves Guimarães, irmã do “Poeta dos Escravos” , por quem fora presenteado com os originais de “Espumas Flutuantes” .

“Por isso, Victor Hugo, o Homero do presente, O fantasma dos reis... curvou-se altivamente Diante de ti, Senhor! – que dupla majestade!...”

[Múcio Teixeira]

A Múcio Teixeira

Do negro chão, do amálgama profundo Do grande nada — onde Potente assoma — Tirado enfim o mundo, Forjada a luz e a noite alma e discreta Feita a Mulher — de flores, mel e aroma — Criou Deus — o Poeta. Nesse período e local, faleceu, aos sete aninhos, seu filho Alfredo Teixeira que, por consideração de parte de Adelaide, foi enterrado ao lado do túmulo de Castro Alves.

Em Salvador participou do “Movimento Simbolista Baiano” , de 1896 a 1899, ano em que regressou ao Rio de Janeiro e que passou a colaborar para o jornal “Correio do Povo” na seção “Poetas do Sul” , juntamente com Apolinário Porto Alegre, Zeferino Brasil, Mário Totta, Damasceno Vieira e outros consagrados da literatura gaúcha do século XIX.

Em 1905, homenageado numa Faculdade de Direito de São Paulo, fez um discurso tão acalorado que, pela grandíssima audiência, provocou uma explosão de entusiasmo ao ponto de o catedrático Pedro Lessa solicitar ao orador da turma que acalmasse os estudantes para “impedir o desmoronamento do prédio” .

Em 7 de setembro de 1922 (primeiro centenário da Independência), em cerimônia oficial de lançamento da pedra fundamental do monumento à Isabel, a Redentora, o “Sr. Barão Ergonte” foi convidado a interpretar o sentimento da Mulher Brasileira. E, revestido de forte sentimento patriótico, leu um poema de sua autoria em homenagem à princesa. E o povo seguiu cantando o “HINO DA REDENTORA” , letra do poeta e música da Viscondessa de Sade:

“Coroemos de palmas e louros A memória da excelsa Princesa Que há de altiva chegar aos vindouro Numa auréola de estranha grandeza!

Dos cativos a enorme desgraça Entornou-se no seu coração: E por ter libertado uma raça, Viu seu trono lançado no chão!

Mas um trono maior, sobre as almas, Conquistou essa grande Senhora, Que entre bênçãos e louros e palmas Se tornou Isabel – A REDENTORA!

Digna filha de D. PEDRO SEGUNDO, De seu pai recebendo as lições, Foi a glória de um século e de um mundo, Semeando as mais altas ações!

Chovem bênçãos do céu sobre a que era Nobre e boa, magnânima e pura; Foi-lhe a vida uma acesa cratera... Mas, na morte, mais viva fulgura!

Exilada e banida -, mais bela Se ostentou nesse rasgo viril Que mostrava encerrar dentro dela Toda a glória do nosso Brasil!”

Entre peças teatrais, ensaios, romances, dramas, poesias, antologias, traduções e biografias, publicou mais de 70 obras, dentre as quais, em ordem alfabética, destaco: Álvaro, o Farrapo; Brasas e Cinzas; Brasileñas y Lusitanas; Calabar; Campo Santo; Cantos e Contos; Celajes (em língua castelhana); Cérebro e Coração; Fausto e Margarida; Hugonianas; Intermezzo Lyrico; Leviandes de Clímene; Memórias Dignas de Memória; Montalvo; Novos Ideaes; O Brasil Marcial; O Girafa; O Imperador Visto de Perto; O Kaiser perante a História; O Negro da Quinta Imperial; O Tribuno-Rei; Os gaúchos; Os Inconfidentes; Os minuanos; Parnaso Brasileiro; Poesias de Don Múcio (traduzidas por poetas da Venezuela); Poesias e Poemas; Poetas do Brasil; Prismas e Vibrações; Sombras e clarões; Terra Incógnita; Vida e Obras de Castro Alves; Violetas; Vozes Trêmulas.

EVOLUÇÃO O SONHO DOS SONHOS

Morri no mineral, para nascer na planta Fui pedra e fui semente; Brilhei no diamante e no cristal luzente, E fez em mim seu ninho o pássaro que canta.

Na planta adormeci, e despertei um dia No animal, que move os músculos e anda; Percorri apressado uma senda sombria, Vendo indistintamente uma luz na outra banda.

Do animal passei para as formas do homem, E sendo homem estou muito perto do Anjo; Só assim chegarei aos círculos que abranjo Com a razão, que ainda as dúvidas consomem.

Poderei amanhã voar, batendo as asas Pela vasta amplidão constelada dos céus: Faísca, que desceu às cinzas e às brasas, Ascenderei mais tarde a eterna luz que é Deus. Quanto mais lanço as vistas ao passado, Mais sinto ter passado distraído, Por tanto bem — tão mal compreendido, Por tanto mal — tão bem recompensado!...

Em vão relanço meu olhar cansado Pelo sombrio espaço percorrido: Andei tanto — em tão pouco... e já perdido Vejo tudo o que vi, sem ter olhado!

E assim prossigo, sempre audaz e errante, Vendo, o que mais procuro, mais distante, Sem ter nada — de tudo que já tive...

Quanto mais lanço as vistas ao passado, Mais julgo a vida — o sonho mal sonhado De quem nem sonha que a sonhar se vive!..

EVA E AVE

Vi-a num sonho... E nunca mais na vida Pude esquecer-lhe a imagem vaporosa; Mas de sua voz a música sentida Ainda hoje vibra na minh’alma ansiosa...

Quando já nem ao menos me restava A esperança sequer de vê-la e ouvi-la, Minh’alma, sempre desse sonho escrava, Reanimou-se, no anseio de possuí-la!

É que não mentem os pressentimentos: E eu, que só me embalava na saudade De um ser, corporizado em pensamentos, Como se fosse uma realidade;

Logrei por fim a glória de encontrá-la, Ela! A visão de um sonho distante... Quase caí-lhe aos pés, em plena sala, Assim que a vi, palpável e radiante,

Altiva, esbelta, ideal, dominadora, No soberbo esplendor da formosura! Balbuciei, então: — Minha Senhora... — Poeta! — Pois é tal minha ventura,

Que até sabe quem sou?... — Noites e dias, (Disse-me) ao ler seus livros, enlevada Na poesia de suas poesias, Via-o sempre, em meus sonhos de acordada! O que então se passou — foi um idílio: Sente-se tudo... e nada se define... Empresta-me as tuas éclogas, VERGÍLIO! ANACHREONTE, onde estás? Vem cá, RACINE!...

Num ambiente de aromas, linda rosa, Ou viva estrela em nuvens de harmonia, Ela impera, soberba e majestosa, Numa esfera de sonho e de poesia!

E assim, não envenena de ciúmes Seu amor, que nem roça pela terra, Sempre a livrar-se em asas de perfumes, A voar por cima das paixões em guerra!...

Sua imagem reflete-se num lago Manso como os seus olhos sonhadores, Onde nem treme a onda de um afago Ao mais leve reflexo de uns fulgores!...

Enquanto que a minh’alma, arrebatada Pelos tufões violentos de um oceano, É a tempestade desencadeada Pelos desejos, num tumulto insano!...

Como há de, assim, a luz unir-se à treva? E o beijo, em fogo, a um seio tão suave? Vem nos meus braços aninhar-te, ó EVA! Basta de voar de sonho em sonho, ó AVE!

Além de poeta, Múcio Teixeira foi romancista, contista, cronista, dramaturgo, ensaísta, tradutor, orador, jornalista, folhetinista, folclorista, memorialista, historiador, etnógrafo, astrônomo, quiromante, ocultista e, por natureza, polemista. Foi, num só tempo, lírico, épico/patriótico, dramático, satírico e erótico, e foi o iniciador da poesia teosófica: “Coube-me a satisfação de ser o primeiro, no Brasil, a descerrar as portas diamantinas desse palácio maravilhoso, até hoje inteiramente fechado a todos os nossos poetas, convidando-os assim a penetrar comigo dentro desses salões povoados de visões e fantasmas, debruçando-nos nessas janelas abertas para a escuridão, na esperança de ver ao misterioso clarão de raios sem luz, ou antes, à serena claridade dos eternos fluídos astrais, a imagem puramente espiritual de DEUS.”

Dotado de múltiplo talento literário, elegante na metrificação (a corrente predominante da época), caprichoso ao extremo com a estética e de poesia firmada sobre a razão do coração, foi classificado, ao longo da sua vida, como: condoreiro, realista, parnasiano, decadentista, universalista (por Sílvio Romero) e, por fim, simbolista.

De grande erudição, falava e escrevia em francês, inglês, alemão, italiano, castelhano e esperanto. Conhecia latim, grego e hebraico.

Traduziu, além de Victor Hugo: Heine, Shiller, Byron, Goethe, Pitágoras, Teócrito, Campoamor e outros de menor fama, e teve obras traduzidas para o inglês, o italiano, o castelhano e o francês.

“(...) Múcio Teixeira, - voilá um poète a qui je dois une si belle et si grande émotion.”

[Sara Bernhardt, Paris, 1886] O poeta com o filho Múcio Teixeira Junior, a nora Maria Rita de Cássia Pontes Teixeira (“D. Sinhá”) e os netos José e Ada, em 1925

Membro de institutos científicos e literários de vários países e sócio titular da “Sociedade Propagadora das Bellas-Artes” , foi condecorado com as insígnias: “Cavalleiro da Rosa” , “Commendador de Christo” e “Grã-Cruz do Libertador Simon Bolívar” .

É patrono da cadeira número 15 da Academia Rio-Grandense de Letras (hoje ocupada por Maria Eunice Barbieri), e da cadeira número 35 da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras (hoje ocupada porRubenio Marcelo).

Em 1901, após o lançamento do livro “Poesias completas”de Joaquim Maria Machado de Assis, publicou uma série de artigos com ásperas críticas à poesia do grande prosador. Resumiu a coletânea dizendo que Machado de Assis “encheu 376 páginas de versos sem poesia e de uma monotonia soporífera. ”

Mas a vida literária de Múcio Teixeira, desde os verdes anos, não foi somente de homenagens e aplausos. Sofreu “inveja vampiresca” pelo seu coroado talento, ataques desleais e por mais de vinte anos estenderam em torno do seu célebre nome a sombria “conspiração do silêncio” ...

Nos seus últimos anos, estudando ciências herméticas, previu a morte de políticos e escritores, além de grandes tragédias no Brasil e no mundo afora. Possuiu, no Rio de Janeiro, um consultório de quiromancia e de cura de mazelas físicas e morais. E, conforme relatos, suas receitas começavam com a nota: “Rua Visconde de Itaúna, 194, à sombra das sete palmeiras do mangue. ”

Foi com o livro “Terra Incógnita” , de 1916, que Múcio Teixeira, “elevando o olhar aquilino e ajustando o monóculo” , declarou-se e passou a assinar “Barão Ergonte” . Talvez tenha sido a partir dessa nova e forte inclinação literária que ele passou realmente a fazer parte do simbolismo brasileiro. E foi nessa derradeira fase que escreveu poesias que são consideradas joias místicas de grandíssimo valor.

Relegado ao esquecimento e autoexilado em seu mágico pequeno grande mundo, ficou, por cinco meses, cego e paralítico. Faleceu no domingo de 08 de agosto de 1926 – à 1 hora e 15 minutos da madrugada – e foi enterrado no Cemitério João Batista, tão modestamente como foi o seu final de vida, embora tenham acompanhado o féretro, além de familiares, amigos e ilustres homens das letras, diplomatas, parlamentares e altas patentes das Forças Armadas.

Além de Barão de Ergonte, teve os seguintes pseudônimos: Manfredo, Felício Fortuna & Cia., Muciano Tebas, Montalvo e Boêmio. MÚCIO SCÉVOLA LOPES TEIXEIRA morreu bruxo, mas nasceu poeta. Sim, um POETA “na mais ampla acepção da palavra”, como eternizou Félix Ferreira (1882) em artigo para “O Cruzeiro”. E quem desceu a este mundo de morte com o condão da poesia, só poderia ter subido à Vida empunhando o condão da magia... Não se tornou imortal por academia, mas, à luz do Livro Eterno, é imortal pela magnitude de sua obra.

GÊNESIS ESPIRITUAL

1 No princípio DEUS me fez poeta: e tanto isto é verdade que eu nasci em Setembro, que é o mês em que nascem as flores da primavera: e as flores da primavera são as poesias da Natureza. 2 E meu Pai era justo e bom, e forte e generoso, e morreu cedo; e minha Mãe era bela e virtuosa, e sofredora e resignada, e também morreu cedo. 3 E a orfandade, ao embalar-me no berço, viu na minha mão a palma da poesia na direção da falange do dedo anular, que é o dedo de Apolo. 4 E o dedo de Apolo é o que corresponde ao coração, que é o ninho onde se emplumam e palpitam as aves do Amor. 5 E na idade em que os outros sorriem, já eu chorava, de saudades; e era bem funda a minha tristeza, porque partia do âmago do coração ferido.

6 E atravessei a infância, a juventude e a mocidade cantando, para disfarçar as lágrimas que chorava na minha solidão. Assim também cantam as mães, quando acalentam os filhinhos, muitas vezes com os olhos rasos d'água. 7 E cheguei à virilidade sempre a cantar, porque cantar é a missão do poeta; até que enfim DEUS quis um dia que eu fosse vidente. 8 E eu, que tive os sonhos da poesia desde que saí do berço, tenho as visões do iluminado antes de entrar na cova. 9 E para ver o que os outros não podem ver, tive de fazer o sacrifício da alma, do espírito e do corpo. 10 E vejo que os outros não teriam a coragem que eu tive, para sofrer resignado tão longas e tão profundas provações. 11 E foi assim que eu fiquei cego durante cinco meses e durante cinco meses fiquei paralítico. 12 E a minha convalescença ainda foi mais prolongada que essas duas penosas enfermidades, penando eu duras penas durante dezessete meses.

13 E nunca me queimaram os lábios as lamentações de Jó; nem nunca me irritaram os nervos as iras de Saul. 14 E dentro do meu coração a Esperança se abraçava com a Fé; e de meus lábios para fora só saiam versos e orações. 15 E ante tamanha resignação o Senhor se dignou de expor-me a novas e mais variadas provas, exigindo da minha demonstrada fortaleza de ânimo, o sacrifício do espírito e o sacrifício da alma. 16 E o meu retiro espiritual durou quatorze meses, e o meu sacrifício da alma há de durar enquanto a minha alma não se desprender do meu corpo. 17 E como não há mal que sempre dure, nem há bem que não se acabe, o que fez o sacrifício do corpo e do espírito e da alma, começou finalmente a ter a recompensa que só é galardoada aos bons, aos justos e aos santos. 18 E foi assim que eu, que sempre amei os bons, admirei os justos e venerei os santos, consegui aninhar no meu coração a bondade, no espírito e na justiça, e na minha alma a santidade. 19 E não tenho feito mais do que cumprir os Mandamentos da Lei de DEUS, começando por não desejar para os outros o que não desejo para mim; e acabando por pensar na morte, como se tivesse de morrer hoje mesmo, seguindo o preceito oriental que também nos manda pensar na vida como se fôssemos imortais. 20 E foi assim que eu, que tive os sonhos da poesia desde que saí do berço, tenho as visões do acordado, agora que vou me encaminhando para a cova. 21 O Criador não perde de vista as suas criaturas. Há tantas dores na terra, quantas são as estrelas do céu. 22 E eu, que podia contar as minhas agonias pelas areias do mar, encontrei na vida mais invejosos e traidores do que todas as serpentes que se escondem nas florestas virgens da minha terra natal. 23 Mas, eu já entendia, como Heine, a linguagem das estrelas; e a minha Boa e Poderosa Estrela disse-me que não tirasse a vingança por minhas mãos, que sairia incompleto; e uma vez que os homens eram surdos às vozes dos que imploram, que levantasse as minhas súplicas ao trono do Todo Poderoso, e assim seria ouvido. 24 E sempre que eu entreguei a Deus as provas da minha inocência, por maiores que fossem as calúnias e injúrias dos meus inimigos, a justiça foi tão certa e pronta, que cheguei a me compadecer de todos eles. 25 Sei que há muitos homens que se dizem meus inimigos, e que atiram sobre o meu nome toda a lepra que lhes corrói o coração e o caráter; mas confesso que lhes não voto o mínimo rancor, e, para dizer a verdade, de muitos eu até nem sei o nome, embora me apertem a mão e até me abracem. 26 Tornei-me assim um forasteiro na minha própria terra, sem nunca mais desviar os olhos de céu, que é a minha pátria ideal. 27 E foi olhando para o céu que eu aprendi a ver certas coisas, que os outros não sabem ver, ora no voo dos pássaros, ora no brilho dos astros. 28 Uma noite, em que o luar no alto da Tijuca era mais triste que na areia da praia de Copacabana, a minha Boa e Poderosa Estrela alongou um dos seus raios até a escuridão das minhas Dúvidas. 29 E uma voz, que ninguém mais ouvia senão eu, disse-me ao ouvido umas coisas tão estranhas, que eu todo estremeci. Ainda sobressaltado por aquilo, que me parecia ser uma alucinação tecida pelos mistérios da Meia Noite, mais espantado fiquei por ver que continuava a ver o que ninguém mais podia ver. 30 De então por diante, leio nas mãos de qualquer pessoa todo o destino humano, porque “quem mostra a palma mostra a alma”; e com a mesma clareza interpreto todos os Segredos da Natureza, tanto o murmúrio das águas como no rumor da folhagem, no ciciar do vento no leque das palmeiras. 31 Tanto é verdade isto que digo, que tudo quanto eu já disse que havia de acontecer, mais tarde aconteceu; assim como tudo quanto eu hoje antevejo, amanhã todos hão de ver. 32 Entre numerosas revelações e repetidos vaticínios, que que correm de boca em bica, com o escárnio de uns, a admiração de outros, e a surpresa de todos, eu já disse tantas e tais coisas, que nem preciso repetir agora as que provocaram mais assombro. 33 E o que procura poder profetizar (diz BulwerLytton), é necessário que primeiramente entre em uma espécie de idealismo abstrato; que se eleve, por uma solene e sagrada escravidão, às faculdades que contemplam e creem.

Septem palmarum lentus in umbra. Barão Ergonte

“A poesia alimenta nossa sensibilidade alimenta a Poesia.” (Janet Zimmermann)

Natural de Catuípe/RS e residente em Campo Grande/MS, Janet Zimmermann tem, publicados, três livros de poemas:‘Asas de jiz’ (Life Editora); ‘Pétalas Secretas’(Editora Patuá) – vencedor do Prêmio Guavira de Literatura/Poesia/2017; e ‘três / poetas / uma / via / : / aldravia’(Life Editora), em parceria com os poetas Paulo Robson de Souza e Sylvia Cesco. É colaboradora das revistas literárias “Pixé” e “Piúna”/UBE/MS. É filiada à União Brasileira dos Escritores de Mato Grosso do Sul.

ENSAIO A LITERATURA E O ISOLAMENTO

Cássio Rodrigues *

Uma vez um amigo me disse que a literatura é a arte mais solitária de todas. Nem sei se é uma frase de sua lavra ou se ele citava alguém, mas aí a conversa continuou: o escritor de um romance, por exemplo – o caso dele – passa um ou mais anos escrevendo uma história, revisando, trabalhando sozinho, concentrado, sem qualquer interferência externa, colocando sua arte “à prova” raramente, apenas quando uma boa alma atende ao apelo de ler uma primeira versão incompleta, fazendo-se de cobaia (bendita seja), lendo um tomo que nem sabe se vai chegar ao final e será um best-seller, correndo o risco de terminar uma amizade (ou casamento) de anos somente pela sua opinião sincera (quando leu uma porcaria). Daí o livro vai para uma prateleira e fica lá, de ladinho, no meio de um monte de outros livros de tantos outros artistas solitários, esperando que algum leitor o adquira e finalmente aquela obra de arte seja admirada por alguém do mundo real. Partindo da premissa de que para ser artista é necessária uma certa dose de vaidade (ouvi também, por aí), ser escritor não é fácil, optar pela literatura é sujeitarse a muitas “frustrações artísticas” .

Assim há de se pensar que o isolamento, de certa forma, é um aliado de quem escreve, o mundo criativo perfeito. Ledo engano: como todo o trabalho artístico, a literatura, na maioria das vezes, é figurativa, precisa da realidade, da vivência, para que exista; a habilidade do escritor está em mostrar a realidade de outro ângulo, inspirar-se nas histórias reais para criar histórias imaginárias mais interessantes que as originais. Não nos esquecendo, obviamente, que um bom escritor, antes de tudo, precisa ser um bom leitor: viver rodeado de livros, num período de ostracismo, para ele nunca é viver completamente alheio ao mundo. A literatura se retroalimenta.

É impossível falar sobre isolamento e produção literária sem que nos recordemos da grande escritora Emily Dickinson. A senhorita Dickson viveu por 56 anos numa pequena cidade norte americana no final do século dezenove. Nunca se casou e viajou raramente, nunca por mais de 150 quilômetros fora da sua cidade natal; seus biógrafos afirmam que nos últimos 20 anos de sua vida, praticamente não saiu da residência paterna, passando o tempo cuidando da mãe doente, das suas flores... e compondo alguns dos mais belos poemas da literatura universal.

Sobre Emily, escreveu Jorge Luís Borges: “não há, que eu saiba, uma vida mais apaixonada e mais solitária que a desta mulher” . Não se sabe ao certo os motivos que levaram a poeta ao autoexílio – especulam-se paixões platônicas, saúde frágil, doenças raras. O certo é que Emily Dickinson, independente de quaisquer outros motivos mais “palpáveis” , necessários ao senso comum, foi isolada pelo mundo onde viveu. Um mundo machista, preconceituoso, onde uma mulher tão talentosa, tão à frente do seu tempo, incomodava e era silenciada de todas as formas. A senhorita Dickinson nunca se sujeitou a convenções, questionava a religião dos pais, as regras morais e hipócritas da sociedade em que vivia, com um agravante imperdoável: era mulher.

Sua genialidade incomodava e nunca foi compreendida na época em que viveu. Publicou somente 10 poemas em vida, em periódicos de divulgação literária e foi por mais de uma vez desaconselhada a continuar sua carreira literária por escrever de forma digressiva e inadequada, conforme o cânone poético vigente. Após sua morte, a irmã encontrou mais de 1.800 poemas guardados em gavetas, de forma desordenada, que revelaram ao mundo essa escritora única e original. Emily Dickinson criou um estilo criativo único e simplesmente antecipou em mais de 60 anos aquilo que convencionou-se chamar de poesia moderna do século XX, brincando com os sentidos das palavras em versos repletos de inusitabilidade e transcendência, usando rimas dissonantes, alterando grafias, incluindo pontuações em momentos surpreendentes da poesia. Revelou-se uma das maiores poetas da história ocidental.

Surge a questão: até que ponto o isolamento de Emily influenciou sua obra? Não é possível saber, obviamente, até porque este assunto quase nunca está presente em seus poemas, não faz parte da sua matéria-prima criativa. Ela simplesmente escrevia suas impressões sobre o mundo, de forma lírica, filosófica, até satírica, influenciada sim por grandes nomes da literatura em língua inglesa. Certo é que, caso certas barreiras sociais não existissem, provavelmente sua história de vida fosse outra – talvez as portas se abrissem mais facilmente para um poeta homem, por exemplo. O reconhecimento do talento - tanto naquela época como ainda hoje - leva em consideração o gênero do artista.

Muitos são os motivos que levam autores ao isolamento – sendo que raramente este motivo é uma pandemia, como atualmente. Mesmo que uma certa dose de quarentena (involuntária ou não) não seja fator determinante na qualidade literária de um autor, não se pode deixar de levá-la em conta quando observamos a sua vida e sua criação. Por mais sutil que possa parecer, o processo introspectivo deixou ali suas marcas.

Uma dessas causas que isola as pessoas, sejam artistas ou não, é a deficiência física – talvez a mais amarga delas. Nosso mundo, em momento algum de sua história, facilitou a inclusão social de pessoas com limitações motoras, cognitivas ou sensoriais: eles que não deem seu jeito, que corram atrás dos seres humanos perfeitos para acompanhar a marcha da civilização (ou vivam à margem dela). Entretanto, para um escritor brasileiro em particular, isso nunca foi impedimento para que ele se tornasse um dos maiores poetas em atividade na face da Terra, utilizando a ferramenta mais adequada à sua produção literária e disseminação de toda a sua competência artística: a tecnologia.

Seu nome? Glauco Mattoso.

Mas aí é outra história.

SOBRE O AUTOR Entre períodos mais e menos produtivos, Cassio Rodrigues escreve poesias desde a adolescência. Com a popularização dos blogs e das redes sociais, começou a publicar seus trabalhos na internet, utilizando a internet para divulgar sua poesia e verificar as reações que elas causavam nos leitores. A partir das impressões destes leitores e até de grandes poetas brasileiros alcançados pelo seu trabalho, atestou a qualidade literária de seus poemas, resolvendo publicar seu primeiro livro no formato de e-book. O presente livro se origina dos seus trabalhos compostos durante o período da quarentena, que buscam tratar do tema do isolamento com leveza, lirismo e humor. O autor ainda é o criador da Cabide de Poesia, uma grife de camisetas estampadas com suas poesias. Contato: cassiojosems@gmail.com

HISTÓRIA A DIVISÃO DE MATO GROSSO

* Maria Madalena Dib Mereb Greco cadeira n. 34 – IHGMS

O grande prazer de manipular uma hemeroteca (coleção de periódicos) é encontrar artigos sobre determinadas épocas, registros de um momento, expressões acaloradas de quem está presente em situações que, posteriormente analisadas, refletem todo o “filtro” a que foram submetidas. A publicação da revista Veja, de 4 de maio de 1977, cinco meses antes da assinatura da Lei Complementar n. 31, de 11/10/1977, faz um relato da “fervura”que teve início ainda nos idos de 1823, quando figurava nos planos da Constituinte a preocupação com os vazios demográficos do Pará, Mato Grosso e Goiás. Essa preocupação foi encampada pelos tenentes em 1930, retomada nos anos de 1950 por três oficiais da Escola Superior de Guerra: Rodrigo Octavio Jordão Ramos, Golbery do Couto e Silva e Ernesto Geisel. No II Plano Nacional de Desenvolvimento, em 1974, a divisão foi novamente defendida pelo Ministro do Interior, Mauricio Rangel Reis, e torna-se simpática ao presidente Ernesto Geisel no ano seguinte que, em visita a Campo Grande, pergunta aos cinquenta prefeitos sulistas reunidos na sua recepção: - O que vocês acham da divisão? - Somos a favor! - Este é também meu ponto de vista, pessoal! Não obstante, a posição do presidente, segundo o artigo mencionado acima, era a de que a divisão era mais estratégica do que mera simpatia para com a causa sulista: o desenvolvimento de um estado com as dimensões do Mato Grosso – 1 231 549 quilômetros quadrados, cinco vezes a área de São Paulo, menor apenas que o Amazonas, Bolívia e Argentina, no continente sul-americano, exigia duas máquinas administrativas. Outro peso importante foi a doutrina de segurança naquele momento político – a existência de duas fronteiras secas – Bolívia e Paraguai. O General Carlos Meira de Mattos advertia os antidivisionistas: - Já pensou se dentro de vinte anos aparecer por ali um Fidel Castro? Nas argumentações pró e contra a secessão do território, valeram todos os tipos de retóricas: “a grande imprensa está sendo subvencionada pela gente de Campo Grande” , exclamava o secretário do Interior e Justiça Edward Reis Costa; “grupinho que pede a divisão revela uma demência de idiotia” , segundo o padre Raimundo Pombo, defensor ferrenho do antidivisionismo. De outro lado, os divisionistas apelaram até para teorias eugênicas para justificar as diferenças, segundo Roquette Pinto, “o cuiabano é braquicéfalo, abugralhado, de cor parda, já o sul, nitidamente influenciado pela chegada dos primeiros migrantes do sul do país com os trilhos da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil em 1916, os traços fisionômicos traem a presença de paulistas, gaúchos e, cada vez mais, das colônias estrangeiras espalhadas pela região, atraídos pela vertiginosa agricultura sulista” .

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Nessa discussão, entre argumentos cabíveis onde o PIB do sul justificaria sua subsistência e até a escolha dos possíveis nomes para o novo estado – não dividido, mas criado: Estado de Caraíbas, Estado de Maracaju ou mesmo Estado de Campo Grande. Um entusiasta da causa divisionista, Alfredo Perez Almeidinha*, se empolgou e criou até uma bandeira, profeticamente, nas cores: verde, azul e branca. Paixões e argumentos à parte, fica agora a difícil missão desempenhada em coro por todo sul-mato-grossense, quando nos chamam de Mato Grosso – somos MATO GROSSO DO SUL, aprendam comunicadores da mídia televisiva, escrita e artistas!!!!!!!

*Alfredo Perez Almeidinha mandou confeccionar a bandeira, arriada em Brasília no plenário do Congresso, quatro dias antes da criação do Estado de Mato Grosso do Sul. (Acervo IHGMS)

* Maria Madalena Dib Mereb Greco, Historiadora, bacharel e licenciada em História pela UCDB, especialista em História Regional pela UFMS, Mestre em Desenvolvimento Local pela UCDB. Escritora, membro efetiva do IHGMS, atual diretora Executiva.

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