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Gira-discos

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Da amizade, dos homens e das mulheres

No meu hemisfério particular, um dia bom é um dia em que escrevo e um ano bom é um ano em que faço um amigo. Para quem só pode trabalhar na solidão, as ligações afetivas ganham uma dimensão quase de urgência, são oásis de carinho e de conforto para habitantes de um deserto quotidiano. Um ano bom não acontece todos os anos. Quando a vida me traz alguém que vale a pena, passo a chamar-lhe Mister ou Miss, seguido do ano em que o conheci. Não tem sido um ano fácil, porque ganhei uma Miss 2022 e perdi (ou dispensei) dois Mister, ambos pela mesma razão. Em 1938, nos Estados Unidos, uma mulher foi presa por se recusar a ir depor a tribunal de vestido. Helen Hulick tinha 29 anos e era educadora de infância. Três vezes foi de calças, três vezes o juiz Arthur Guerin se recusou a ouvi-la, acabando por prendê-la durante cinco dias. O caso Hulick ficou para a história como mais uma conquista das mulheres em relação à sua liberdade pessoal. Helen era bonita e bastante feminina, tal como Laureen Bacall, que popularizou as pantalonas tornando-as um ícone de moda simultaneamente chique e afirmativo. Talvez o juiz tenha pensado que ela estava a ousar equiparar-se a um homem, quando estava apenas a mostrar que tinha o direito de se vestir como queria. Os homens padecem de dois erros de perceção milenares: o primeiro é pensarem que queremos ser como eles. Não queremos. O que queremos é ser vistas como iguais e tratadas com os mesmos direitos. O segundo é acreditarem que uma amiga pode ser “partner in crime”, tal como um homem. Os dois amigos, que deixaram de o ser, eram machos de coutada, sedutores e inteligentes, com jeito para estimar as amigas e propensão para trair e enganar as mulheres com quem, ao longo da vida, se foram envolvendo. Em ambos os casos sentiram que “falhei” porque não me coibi de transmitir às respetivas o que sabia das suas vidas quando estas, também minhas amigas e contando com o meu habitual espírito de solidariedade feminina, me pediram que lhes dissesse a verdade. Perante as consequências que daí resultaram, ambos se sentiram traídos com a minha alegada falta de lealdade. A resposta foi igual para os dois: não sou um homem, portanto não contem com aquele corporativismo militante praticado pelas hostes masculinas que defende sempre o amigo, mesmo que seja um serial killer. E quem não quer ser lobo, não lhe vista a pele. Ao longo da vida já fomos quase todas, de uma forma ou de outra, vítimas de algum tipo de abuso. Nem todas as pessoas possuem ferramentas de defesa, estas adquirem-se muitas vezes a duras penas, aprendendo às nossas custas. O que continua a espantar-me é a atitude masculina de acreditar que um homem pode fazer tudo só porque é homem, porque tem tanto medo da dor que se deixa levar pelo prazer, e teme tanto a morte e a perda da juventude que engana a mulher ou a namorada para se sentir vivo e desejado. Não vale tudo, nem no amor nem na amizade. Ninguém gosta de perder amigos, mas, se for em nome de princípios dos quais não queremos abdicar, então que assim seja. E já agora, também uso pantalonas, graças a mulheres como Helen Hulick, por isso lhe presto a minha solidária homenagem.

Margarida Rebelo Pinto

NM

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