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Luís Amorim

Luís Amorim Oeiras, Portugal

Sair para a rua

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Pensou em sair para a rua e de pronto aproximou-se, revelando firme intenção no abrir de porta. Mas como sentiu vizinhos na conversa pelas escadas ali mesmo no patamar adiante, fez uma pausa que se prolongou nos minutos impacientes que, pelo seu relógio, dezenas de vezes consultado lhe pareceram bem mais numerosas. Com a saída enfim dos homens supostamente residentes em andares superiores seria finalmente a sua vez de pisar as escadas e sair do prédio com forte vontade de fazer uma longa caminhada. Só que alguém tocou a uma campainha e acabou por refrear seus intentos de pronta evasão para a rua. Como deixou de ouvir barulho, pensou que teria havido nula resposta por ninguém estar na residência ali solicitada. Estava mesmo a preparar-se na decisiva abertura da porta quando apareceu uma vizinha a descer em grande velocidade. Ficou de sentinela e depressa percebeu que o intercomunicador não estaria a funcionar, razão pela qual ela teve de descer ao invés do senhor, eventualmente um estafeta, poder subir. Ainda se passaram mais alguns instantes com eles no diálogo relativo ao que proporcionara aquele encontro, com a senhora a retomar o percurso que antes fizera, apenas então subindo devagar e com uma visível encomenda debaixo do braço. Pensou que seria a sua grande oportunidade para escapar rapidamente, quando do apartamento ao lado, alguém estava a sair e ainda por cima entrando mais gente no prédio, numerosa talvez pelo ruído. Cruzaram-se e era ouvi-los em amena cavaqueira, apanhado mesmo a jeito o vizinho morador na casa ao lado, parecendo que estivera ausente há demasiado tempo. Mas não demorou muito, pois os ruidosos subiram e lá pelo terceiro piso ainda se ouviam como se estivessem ali mesmo tão próximos. Prédio

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finalmente silencioso e seria ocasião de aproveitar sem hesitar mais, quando ligeiro som vinha mais para as redondezas da entrada do edifício. Foi depois de percorrer silenciosamente as escadas poucas que separavam a entrada do seu apartamento do acesso geral a vizinhos, todos e não só os residentes, que reparou em casal de namorados aos beijos pelo lado de fora do prédio, mas encostados ao mesmo. Ficou indeciso uns instantes até sentir balde e esfregona por perto, da empregada de limpeza por certo, o que o levou a descer escadas até à cave, pois não conseguiria regressar a casa sem evitar cruzar-se com a senhora a limpar, sonoramente cada vez mais perto. Ficou surpreendido consigo próprio, em não se ter apercebido no antes daquela presença, a menos que ela tivesse começado a limpar por ali em vez do habitual topo, no último piso. Resolveu esperar no patamar da cave, mas depressa se deu a visualizar hipótese da limpeza no breve prosseguir até onde se sentia barricado. Sem demoras, teve de improvisar no imediato, pois vizinho iria sair de casa, ali mesmo na cave, percebeu no rápido de execução ao se esconder atrás do grande mas estreito armário das limpezas. Poucos segundos depois e uma nova conversa, nessa situação entre o vizinho da cave e a empregada, parecendo esta fazer interrupção da limpeza para começar a falar quase sem fôlego nem qualquer paragem. Resolveu sair do esconderijo atrás do armário e acedeu rapidamente às salvadoras arrecadações, as quais permitiam o acesso colectivo por nunca estar fechada a existente porta. Mas teve de ficar no corredor pois que chave de seu espaço tinha ficado em casa, sendo que por certo ali estaria seguro até tudo passar a uma ansiada fase de menor agitação, preferencialmente de evidente calmaria. Puro engano, uma vez que portas de umas duas ou três arrecadações abriram quase em simultâneo e, num ápice, mais audível conversar de circunstância acontecia, numa aparente troca de impressões que já estaria prevista e relativa ao que estariam por ali a vistoriar. Novamente o pronto refúgio atrás do armário, mas com maior intranquilidade pois aproximava-se gente aos beijos, nem mais do que o casal a namorar, então rumo a sítio

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mais discreto ao efeito. Talvez conseguisse sair dali sem notado ser e até tentou, mas teve de recuar para o constante armário esconderijo pois dava aproximação a utilizadora da protectora barreira de altura, condizente para guardar escondido quem nada apreciava dos encontros fortuitos com vizinhos ou talvez bem mais do que isso. Iria ela abrir o armário por eventual necessidade de algo mais, assim foi antecipado mas quem dialogava com ela também estaria nas imediações tal como os que saíam das arrecadações, juntando-se de imediato gente imensa em patamar de cave. No entretanto, os barulhentos dos instantes recentes, já desciam enquanto mais acesso ao interior do curioso prédio tinha lugar de destaque a quem conversava na cave e o recíproco também dava nota, visto que cada grupo ouvia o ruído dos outros. Os que desciam e aqueles que entravam foram todos ver o que se estaria a passar na cave e depressa chegaram à conclusão deveras curiosa de que estavam ali quase todos os moradores da edificação, a qual não interrompia sequer os secretos beijos demasiado apaixonados, escapados num ápice com aplaudida total oportunidade para o discreto corredor das arrecadações, caso tivessem sido notados nessa evasão. Quando alguém entrou de repente no prédio, depressa aquela dezena de pessoas ou mais começou a fazer conjecturas do que seria feito de um certo vizinho, quase desaparecido há meses pois que não havia quem o visse sequer por breves instantes. Mas era apenas falsa dedução, em poucos segundos vista pelas senhoras, da ínfima vizinhança que faltava, as quais ao descer aperceberam-se de alguém escondido atrás do armário, para espanto geral, mas também no alívio de finalmente se ver o pensado como quase desaparecido vizinho.

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