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Alberto Arecchi

Alberto Arecchi Pavia – Itália

Amor Sem Esperança

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Há muitos anos, eu estava ensinando em Argel, na Faculdade de Arquitetura. Conheci uma jovem, recém-formada, que tinha aviado um relacionamento por correspondência com um pintor espanhol. Os dois se encontraram em sintonia, trocaram fotos, e se conheceram durante umas férias na França, chegando a amar-se. Ele vinha a Argel para vê-la cada vez que podia. A menina pertencia a uma das famílias mais proeminentes de Argel e tinha um grande medo dos pais, porque sabia que eles nunca teriam aprovado, nem aceite, um relacionamento ou até um casamento com um estrangeiro. Naquele país, a igualdade social das mulheres mantinha-se um objetivo distante. O casamento de uma argelina com um homem estrangeiro não tinha nenhuma validade legal (enquanto o oposto era admitido). Para obter o seu passaporte, uma mulher devia apresentar uma garantia assinada por seu pai, marido ou um parente do sexo masculino, “responsável” dela.

Uma história corria naqueles dias em todos os lábios, havia mesmo sido publicada na imprensa internacional. Uma jovem argelina tinha-se casado com um jovem europeu, apesar da oposição de sua família. Seus irmãos tinham-na muito perseguida e haviam-na seqüestrado repetidamente, na França, na Bélgica e, finalmente, com a ajuda dos serviços secretos do país, até no Canadá, onde o casal havia-se refugiado sob um apelido falso. Uma vez reconduzida ao país em um avião privado, a menina foi obrigada a casar com um homem a quem sua família havia prometido, desde a infância dela.

Voltemos para as minhas memórias. A jovem recém-formada quis matricular-se em um curso de especialização. Assim, cada dia, o

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motorista da família a acompanhava até a Faculdade, indo do centro até à periferia leste da cidade. Ali estava o pintor apaixonado, à sua espera, quando vinha a Argélia por ela. De táxi, ou com outros meios, eles passavam a viver sua história de amor efêmero. Por parte da tarde ela voltava à universidade, onde o motorista vinha para levá-la para casa. O pintor alugava um quarto em uma pensão no centro da cidade, mesmo em frente à casa da amada, a fim de oferecer-lhe um último adeus da noite. Ela olhava por trás das persianas semicerradas da janela, com uma lâmpada acesa que dava vislumbres.

A menina era amiga de uma estudante que participava de minhas aulas. Eu não posso negar que entre essa estudante e mim intercorresse uma atração. Sua família, no entanto, estava também rigidamente ancorada na tradição. Nesse emaranhado de situações amorosas difíceis, várias vezes aproveitamos de algumas horas de liberdade para nos dedicar a “fugidas de quatro”. Saíamos com o meu carro para as mais belas praias a oeste da cidade, perto das ruínas de Tipasa, entre as memórias dos marinheiros fenícios, da colonização romana, do cristianismo primitivo.

Sob o céu limpo, as ondas espumosas do Mediterrâneo corriam a bater na areia, evocando mitos antigos. O riso de meninas felizes. Praias fabulosas, em que podíamos tomar sol nos dias da semana, longe de olhares indiscretos, no meio dos esqueletos fósseis de tartarugas gigantes petrificadas, como fossem navios no desembarque, atingidos pelos raios vingadores de uma divindade antiga. Eu estava deitado dentro de uma dessas tartarugas, cuja carapaça havia sido perfurada pelas vicissitudes do tempo. Era uma cama incômoda, pois na placa ventral ficava incrustada uma parte do esqueleto petrificado da tartaruga... Mas quanto charme, no sentimento de sentir-me “incorporado” em um ser, vivido quem sabe quantos milhares de anos antes.

No meio da tarde tínhamos que voltar para a Faculdade, onde a namorada do pintor podia esperar o motorista do pai dela. O pintor voltava à cidade comigo e jantávamos juntos. Ele me contou um

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pouco sobre sua vida. Era um homem bem-sucedido, que assistia a alta sociedade e conhecia o mundo, bem como era ardente prosélito da Maçonaria. Imbuído com racionalismo e com a fé no progresso humano, ele não podia perceber que uma brilhante família da sociedade argelina consideraria sua filha como uma propriedade, em vez de tratá-la como um ser humano, e respeitar sua própria vontade. Depois de jantar, íamos para uma caminhada ao longo da rue Didouche Mourad, a que os franceses chamavam rue Michelet, entre as mansões da era colonial, o tráfego que enfrentava rugindo a subida, as pessoas que saíam do restaurante para o cinema, a prostituta na esquina, vestida com um véu branco e seu rosto coberto pelo haik (que nos chamávamos de açaimo). No horário combinado, o pintor ficava sob a janela de sua amada, para oferecer-lhe um último adeus de despedida. Parecia reviver a fabulosa história de Romeu e Julieta.

Um dia, com a cumplicidade de uma irmã casada e do marido dela, a jovem argelina conseguiu obter um passaporte

e fugiu para a Europa, onde se casou com o pintor. Uma ação muito romântica, com o clássico recado deixado para os pais, sobre a mesa em seu quarto. Eu gostava de tentar imaginar o cheiro de pó de arroz que aquele bilhete de recado devia ter, e a moldura dourada, ou talvez rosa ou turquesa, como a dos bilhetes de outra vez. Naquela época eu estava de férias, então aprendi a notícia só quando voltei. Um oficial da inteligência veio para entrevistar a metade da faculdade de arquitetura. Eu estava entre os candidatos nessas entrevistas, e realmente não sabia se o casal tinha ido para França, Espanha ou para qualquer outro lugar. Eu nunca soube exatamente como acabou a história, mas poucos meses depois vi a jovem de regresso em Argel. Ela havia retornado sozinha. Eu não encontrei a coragem de perguntar-lhe o que tinha acontecido. Nunca mais vi o pintor. Ainda guardo, no fundo de uma gaveta, algumas fotos dessas escapadas românticas para a praia.

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