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As incógnitas das eleições em Portugal

Pedro de Souza

Fonte: Agência Brasil

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Oatual primeiro-ministro português, António Costa, inventor da famosa geringonça, que permitiu incluir, no jogo democrático português, a extrema esquerda, o Partido Comunista Português e o Bloco de Esquerda pela primeira vez desde o 25 de Abril, será, muito provavelmente, o próximo primeiro-ministro português. O Partido Socialista (PS) conquistou a maioria dos deputados na Assembleia da República nestas eleições legislativas de 30 de janeiro último, fato relativamente raro na história política portuguesa recente. O presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, terá de chamá-lo a formar governo.

Mas é uma história inacabada, na sua narrativa e no seu desfecho. O presidente dissolveu a Assembleia no dia 5 de dezembro de 2021 devido ao fato de os partidos de extrema-esquerda não terem aprovado o Orçamento de Estado para 2022. A maioria da gerigonça teria assim soçobrado, o país ficava acéfalo no momento crucial das negociações da União Europeia para o relançamento da União, passada a pandemia .

Os partidos de extrema esquerda poderiam ter aprovado o orçamento na “generalidade”, e depois ter negociado na “especialidade”, capítulo por capítulo, como tem acontecido. Mas não foram por esse caminho. António Costa poderia também ter negociado à exaustão um outro orçamento, mais palatável para a extrema esquerda, sobretudo no que respeita o Serviço Nacional de Saúde, a educação e o salário-mínimo. Nenhum dos partidos cedeu, o espírito da geringonça não vingou.

É verdade que as eleições autárquicas (locais) de outubro não correram muito bem para o PS, sobretudo pelo fato de o presidente da Câmara de Lisboa (prefeito), sucessor de António Costa nesse posto, ter sido vencido pelo candidato da direita. Esse acontecimento inabitual pode ter entusiasmado a direita e o presidente da República, sonhando que a vitória estava à mão. Ou talvez Costa tenha concluído que estava na hora de tentar ganhar a maioria absoluta, evitando o desgaste do poder, quando as sondagens lhe eram altamente favoráveis.

Talvez o presidente Marcelo tenha achado que devia se desembaraçar dos partidos de extrema esquerda e tentar favorecer um governo de centro, de “grande coalisão PS/PSD” (PSD é o seu partido), quando os fundos europeus iam começar a “jorrar” pelas artérias dos negócios. Talvez os partidos de extrema esquerda tenham concluído que essa longa associação com o PS arriscasse diluir a sua imagem. O conjunto desses fatores acabou com uma experiência que trouxe algumas vantagens para a população portuguesa, depois da pílula amarga da Troika orquestrada pelo primeiro-ministro de direita, Pedro Passos Coelho, em uníssono com a União Europeia de Merkel e Macron, que vendeu metade de Portugal.

Na última semana da campanha, em

janeiro, alguns institutos de pesquisas de opinião deram como possível que o PSD, aliado a outros partidos de direita, criasse uma “geringonça de direita”, incluindo o partido Chega, xenófobo, de extrema-direita. Com base em que cálculos esses institutos lançaram essas ideias na praça pública, é um mistério, visto que o PSD ficou 14 pontos abaixo do PS. Possivelmente, eram movidos por alguma dessas manipulações digitais teleguiadas pelas oficinas obscuras que estão minando as democracias ocidentais.

O desfecho de todas essas interrogações é que o PS de António Costa ganhou as eleições, com dois deputados acima da maioria absoluta (117/230, faltando ainda contar os quatro deputados dos portugueses do exterior, que, de hábito, se repartem igualmente entre PS e PSD). A extrema-esquerda perdeu metade do número de deputados com que contava na precedente legislatura, e a extrema-direita avançou.

A população, com receio do radicalismo da direita, provavelmente optou pelo voto útil, que beneficiou o PS, autor de um trabalho louvável na luta contra a pandemia, e sobretudo ao evitar a “quebradeira” das empresas mais frágeis e o desemprego em massa.

Resta saber o que acontecerá doravante. Irá o Partido Socialista manter as opções políticas que têm sido as suas nos mandatos de António Costa, ou procurará acordos de geometria variável, consoante às perspectivas e às orientações europeias, atavicamente liberais? A conclusão mais clara da pandemia, e suas consequências, é que, num momento de crise grave, sanitária, social e econômica, quem segura as nações não são as empresas privadas, e sim o Serviço Nacional de Saúde, e o Estado. Efetivamente, não são as empresas privadas. Mas não será por isso que o capital deixará de se concentrar na mão de cada vez menos pessoas, sobrando as migalhas para as classes médias, trabalhadores e indigentes.

Infelizmente, o mais certo é que nada mude. O momento é de grande perplexidade, pois, à pandemia, que não será certamente a última, se soma a crise climática, e o summit de Glasgow deixou claro que os governos não sabem “por que ponta” pegar esse problema avassalador. A esses dois desafios, se sobrepõem-se as fragilidades econômicas bem conhecidas, as migrações em massa, e um aroma de Guerra Fria que vai pôr em causa qualquer política bem-sucedida localmente.

Portugal é um país cuja dimensão não afeta a Europa e, menos ainda, os rumos do mundo. O país dispõe apenas de um recente e frágil soft-power, que se dissolve velozmente na boca dos que guardam, ainda, alguma esperança de que algo mude.

Pedro de Souza é editor, pesquisador e ex-superintendente executivo do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento.