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A Trágedia do Desmonte

Marcos Costa Lima

Odesmonte da máquina pública no Brasil é um traço de destaque no governo Bolsonaro. Podemos verificá-lo em quase todos os setores das atividades centrais do Estado: Assistência Social, Previdência Social, Saúde, Trabalho, Educação, Cultura, Direitos da Cidadania, Urbanismo, Habitação, Saneamento, Gestão Ambiental, Ciência e Tecnologia, Agricultura, Organização Agrária, Indústria, Comércio e Serviços, Comunicações, Energia, Transporte, Desporto e Lazer.

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Abaixo, um quadro sobre os cortes dos investimentos públicos, sobretudo entre 2018-2021.

A cientista política Vera Alves Cepêda (2021, p. 87), analisando o fenômeno da nova direita no Brasil, sua emergência e motivações, nos chama atenção, entre outros pontos, para três deles que aqui seleciono: “(i.) a valorização da força, do conflito e da destruição como base da ação política. A violência é uma das chaves da Nova Direita: violência verbal, imagética, física, de opressão sobre o outro. A destruição é outra: destruição de instituições, de acordos sociais e políticos, de direitos, de valores consolidados na arena pública; e (ii) a visão privatista e patrimonialista do Estado, tomado como meio privilegiado para garantia de interesses particulares; (iii) a entronização do crescimento econômico como completamente desvinculado da questão social e nacional”

Mas, o meu objetivo central neste breve artigo é tratar do enfraquecimento da legislação promovido pelo governo federal desde 2019, quando foram assinados 57 atos enfraquecendo as estruturas de proteção ao meio ambiente, seja por meio da restrição da atuação dos órgãos fiscalizadores, seja permitindo o desmatamento em áreas de proteção permanente (APP), tidas como essenciais para a preservação de rios, solo e biodiversidade, mas

também pelo estímulo ao garimpo e aos madeireiros, que vêm invadindo sistematicamente as terras de indígenas, caboclos e quilombolas (Andrade, 2021, p.52:55).

Sênior das universidades de Oxford e Lancaster, na Inglaterra, integrante do Scientific Panel for the Amazon da United Nations Social Development Network (UNSDN), um braço da Organização das Nações Unidas (ONU), e sendo uma das coordenadoras da Rede Amazônia Sustentável, uma rede de pesquisa multidisciplinar, com 12 anos de experiência na Amazônia, e que tem realizado pesquisas que focam, sobretudo, nos impactos do fogo, da extração de madeira e das mudanças

Fonte: Brasil. Câmara dos Deputados, 2021

climáticas, nos estoques de carbono e na biodiversidade amazônica, a pesquisadora Erika Berenguer diz que os atos do governo incluem todos os biomas brasileiros e cita uma portaria de 25/06/2020, que determinou que nem todas as áreas de APP precisariam ser restauradas, mesmo tendo sido ilegalmente desmatadas. O estudo com a participação da pesquisadora é a legitimação governamental da degradação ambiental no Brasil. Ela informa, ainda, que 47 diferentes pesticidas, em ato de 22/06/21, foram classificados como de categoria menos danosa, sem qualquer respaldo em literatura científica. Revela, ainda, o aumento de exonerações de pessoal em cargos de coordenação em órgãos como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Para Berenguer, “uma das consequências mais nocivas e imediatas desse processo é a legitimação governamental da degradação ambiental no Brasil” (Andrade, Rodrigo de Oliveira, 2021, p.52:55).

Esse desmonte de órgãos públicos tem sido uma constante, não apenas no Brasil, o que altera a capacidade de proteção ambiental e manutenção da vegetação nativa na América do Sul, que encolheu 16% entre 1985 e 2018. As terras dedicadas à pecuária, à agricultura e ao plantio comercial de árvores cresceram, respectivamente, 23%, 160% e 288%. Durante esses 34 anos, 268 milhões de hectares, um território equivalente ao da Argentina em tamanho, foram modificados pela ação humana (Jokura, 2021).

Um estudo, coordenado pela boliviana Viviana Zalles, da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, e que contou com pesquisadores brasileiros, nos diz que, sobre o crescimento da agroindústria sobre antigas áreas de vegetação, foram modificados 55 milhões de hectares de paisagem natural, sem nenhuma finalidade devida. Segundo Jokura (2021), no Brasil, o crescimento da extensão de terras com uso alterado foi o mais elevado, chegando a 64%. Esses dados foram alcançados pelas imagens dos satélites Landsat, da Nasa e do Serviço Geológico dos EUA, mas contou ainda com os dados produzidos no Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura do Uso da Terra no Brasil (Map-Bioma) e pelo Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) da Universidade Federal de Goiás.

Também conhecido como a “savana brasileira”, o Cerrado é o bioma brasileiro que vem sendo mais impactado pelo desmatamento no País. Segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), em torno de 10 mil km² são devastados na região por ano — área equivalente a quase duas cidades de Brasília. O Cerrado está sendo desmatado cinco vezes mais rápido que a Amazônia, bioma com o dobro de extensão. Entre os fatores que favorecem essa exploração, está a vegetação de pequeno e médio portes do Cerrado, que pode ser retirada com maior facilidade.

O Cerrado perdeu 46% de sua vegetação nativa, e só cerca de 20% permanece completamente intocada, segundo os pesquisadores. Até 2050, no entanto, pode perder até 34% do que ainda resta. Isso levaria à extinção 1.140 espécies endêmicas — um número oito vezes maior que o número oficial de plantas extintas em todo o mundo desde o ano de 1500, quando começaram os registros.

A derrubada de vegetação nativa, a expansão rural e a baixa quantidade de áreas protegidas fazem com que o Cerrado seja uma das principais fontes de emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE) no Brasil: 7 bilhões de toneladas de gases nos últimos 30 anos. Atualmente, 45% da sua área original é ocupada por pastagens e cultivos agrícolas, enquanto apenas 7,7% do território possui áreas públicas com proteção integral para conservar habitats naturais. Essa devastação, a exploração desordenada do Cerrado, além de prejudicar a regulação climática, a preservação da biodiversidade, afeta fortemente

o equilíbrio hidrológico, uma vez que a região é berço das nascentes das principais bacias hidrográficas do País (INPE/2022). Alguns dos mais importantes rios do Brasil — Xingu, Tocantins, Araguaia, São Francisco, Parnaíba, Gurupi, Jequitinhonha, Paraná e Paraguai, entre outros — nascem no Cerrado. Trata-se da única savana do planeta dotada de rios perenes.

Concluo este breve artigo, trazendo a reflexão de um especialista sobre o Cerrado, Altair Barbosa (2017), que introduz a questão humana: “Nos tempos atuais (...) uma nova onda globalizada de invasões chegou e está se instalando, gerando forte impacto sobre o meio ambiente e ocasionando a desestruturação da população rural e urbana, num ritmo nunca visto na história da humanidade. Nosso futuro também dependerá da nossa habilidade e da nossa sabedoria em lidar com essa avalanche de problemas. Com o incremento da tecnologia e o avanço do capital, comunidades inteiras são desestruturadas e desabrigadas, criando o fenômeno da desterritorialização”. Esta traz, para a realidade atual, as categorias dos Sem (sem-terra, sem-teto, sem-emprego, sem-documentos etc). Esse fenômeno acentua ainda mais a sensação e a condição de alienação das populações ditas tradicionais do Cerrado. Expulsos de suas terras pelos poderosos, através da compra e falsificação de títulos (grilagem), os posseiros, que viviam, durante várias gerações, em suas posses não legalizadas, vão buscar abrigo nos centros urbanos ou nos postos de serviços implantados ao longo dos sistemas viários, que experimentam um repentino crescimento. Nesses locais, os sem-terra se transformam também nos sem-teto. Urgente, na reconstrução do País, uma ação afirmativa e coerente nessa direção.

Para inspirar essa ação pela reconstrução do país, VIVA A ETERNA ELZA SOARES.

Amaral, Nelson Cardoso, Dois anos de desgoverno – os números da desconstrução. Um ba-

lanço quantitativo do grau de destruição decorrente de diversas ações governa-

mentais, In: A Terra é Redonda. 08/04/2021. https://aterraeredonda.com.br/dois-anos-de-desgoverno-os-numeros-da-desconstrucao/?doing_wp_cron=1642267554.63253998 75640869140625

Andrade, Rodrigo de Oliveira, Legislação Enfraquecida. In: Pesquisa Facepe, junho 2021, nºp.52:55, 304. Barbosa, Altair Sales. “Cerrado. O laboratório antropológico ameaçado pela desterritorialização”. Caderno IHU Ideias, Nº. 257, vol. 15. 2017.

Cepêda, Vera Alves. A nova direita no Brasil: ideologia e agenda política” in: Democracia e Direitos Humanos no Brasil: a ofensiva das direitas (2016/2020) Marcelo Buzetto (organizador), CUT - Secretaria de Políticas Sociais e Direitos Humanos, 2021. 240 p.

INPE/ Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, “Supressão vegetação nativa no bioma Cerrado no ano de 2021 foi de 8.531,44 km²”, in: EcoDebate, 04-01-2022. Cerrado é o bioma brasileiro com maior taxa de desmatamento, diz estudo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU

Jokura, Tiago. Menos Floresta, mais Agropecuária, in Pesquisa Facepe, nº304, junho 2021, p.64:65.

Marcos Costa Lima é Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco.

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