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“Os Fabelmans”

Corajoso e emocionante, Longa traz a alma de Steven Spielberg

Ao longo das duas horas e meia de duração de “Os Fabelmans” (2022), de Steven Spielberg, eu não conseguia parar de exibir um sorriso de ponta a ponta no rosto. E não é para menos. O próprio Spielberg aparece no início da projeção e diz que aquele filme é uma carta de amor à sua família e à arte de fazer filmes, e também seu trabalho mais pessoal. Após produzir diversas histórias, Spielberg decidiu contar agora a sua própria história.

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Para além dos dramas que vivenciou e que o inspiraram diversas vezes em suas obras, Steven decide nos fazer entender o que leva alguém a se apaixonar pela sétima arte. Impossível não se identificar.

No longa, um coming of age (filme de amadurecimento) situado no pós-Segunda Guerra Mundial, acompanhamos a trajetória de Sam “Sammy” Fabelman, que cresce apaixonando pelo cinema e trocando de casa com a família sempre que seu pai, um obstinado engenheiro elétrico, consegue ascender profissionalmente. O protagonista é vivido por Gabriel LaBelle com muita energia e carisma quando jovem adulto e com uma graça infantil tipicamente spielbergiana quando criança por Mateo Zoryan (um parêntese: como Spielberg é bom em encontrar excelentes atores-mirins!).

Filme marcado por fortes traços autobiográficos, a magia de “Os Fabelmans” já começa pelo sobrenome do personagem principal. A pronúncia de “Fabelman” é muito próxima, senão idêntica, à de “fable man”, ou “homem de fábula”. Spielberg aqui é justamente isso. O diretor se inspira e referencia o suprassumo do que o cinema já foi e pode ser. Tudo com uma inocência que é própria do cinema estadunidense dos anos 1930, 40 e 50. Entretanto, se por um lado o cineasta se entrega ao que o cinema tem de fabuloso (em vários sentidos da palavra), por outro ele se mantém com o pé no chão para dizer que a sétima arte também é algo concreto, um meio de comunicação e de transformação na vida das pessoas. Esta parece ser a tese principal do filme: o cinema muda a vida das pessoas. Nos dois momentos que considero as principais cenas catárticas do filme, Spielberg mostra que, mais do que um hobby, uma diversão ou puro entretenimento, fazer e ver cinema modifica vidas, sentimentos, concepções e trajetórias.

Claramente se inspirando em “Blow-Up – Depois Daquele Beijo” (1966), de Michelangelo Antonioni, no primeiro desses momentos Spielberg demonstra como certas realidades só são realmente percebidas à luz da projeção cinematográfica. A velha máxima de que uma imagem fala mais do que mil palavras. As várias imagens do cinema, então, desconhecem limites. No segundo instante de catarse, o diretor expõe todo o poder político e simbólico da arte cinematográfica.

As imagens são capazes de fazer voar até o maior dos idiotas, e modificar radicalmente, para o bem ou para o mal, a visão que as pessoas têm de um indivíduo ou de um acontecimento. E, no filme, não deixa de ser morbidamente irônico e crítico quem produz essas imagens e quem é elevado.

Mas, para além das ideias que guiam o projeto, o filme é deslumbrante enquanto espetáculo, no mais puro sentido da palavra. Spielberg cita algumas vezes o diretor Cecil B. DeMille (1881-1959), cujo apelo popular e as produções de grande escala espelhariam, em muito, a carreira que o próprio Spielberg construiu.

Concorre também para esta perfeita ambientação a majestosa fotografia em uma paleta lindíssima de azul (e em película 35mm!) de Janusz Kaminski e o rico design de produção de Rick Carter, ambos colaboradores de longa data do cineasta. Porém, do ponto de vista técnico, chamo a atenção para a montagem do filme. Há pelo menos dois cortes que, ancorados na fala, promovem saltos temporais. Seja na continuidade de uma palavra, ou na repetição sucessiva de uma mesma frase em dois contextos ligeiramente diferentes, a montagem de Michael Kahn e Sarah Broshar, também experientes parceiros de Spielberg, deixa claro como o filme consegue construir elipses eficientes sem perder a inventividade e o estilo característico dos filmes da Velha Hollywood.

São grandes as chances de Steven Spielberg ganhar o Oscar com sua cinebiografia. O resultado é impecável. Inspirador e emocionante. É muito bem montado, flui em um ritmo agradável e tem pinceladas de homenagens a tantas obras deste extraordinário diretor – com direito a uma incrível participação surpresa nos minutos finais.

O grande diferencial de “Os Fabelmans” é permitir compreender o que se passa na mente de alguém que, genuinamente, ama a arte dentro de si – e não a si próprio dentro da arte, como já dizia o grande diretor teatral Constantin Stanislavski. Este longa era o diamante que faltava na coroa de Spielberg.

NOTA 9.5