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A Maravilhosa SOFONISBA ANGUISSOLA

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ROMILDA PASTEZ

ROMILDA PASTEZ

A Maravilhosa

SofonisbaAnguissola

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Sofonisba Anguissola

Foi uma pioneira da pintura que alcançou reconhecimento e notoriedade entre seus contemporâneos. Foi uma das primeiras mulheres artistas a estabelecer uma reputação internacional com um substancial corpo de trabalho existente.

Suas circunstâncias são incomuns considerando que seu pai não era um artista, mas um nobre da cidade de Cremona no norte da Itália. Ela sabia como quebrar os estereótipos sociais atribuídos às mulheres em relação à prática artística, nos quais havia um ceticismo profundamente enraizado sobre suas habilidades.

Sofonisba pertencia a uma grande família de origem nobre, cujo pai, Amilcare Anguissola, promoveu e colheu a formação artística de suas filhas como parte da educação humanística considerada adequada para as mulheres jovens. Proveu uma educação de qualidade às suas filhas — Sofonisba, Elena, Lúcia, Europa, Anna Maria e Minerva — que tiveram a oportunidade de aprender latim, música e pintura. A família também incluía um filho, Asdrúbal, nascido mais tarde e o único dos filhos que não se tornou pintor.

Sofonisba Anguissola iniciou sua educação artística entre 11 a 13 anos, seguindo as recomendações formativas das classes aristocráticas. Ela recebeu quatro aulas de música, dança, literatura, desenho e pintura; Destacou-se como cartunista e, principalmente, como retratista, praticando repetidamente com o próprio rosto e o de sua família. Sofonisba e Elena estudaram com Bernardino Campi, um artista de retrato. Quando ele se mudou da cidaS de, Sofonisba passou a ter aulas com Bernardino Gatti. Este treinamento a preparou para ensinar três de suas irmãs mais novas — Lúcia, Elena e Anna Maria. Isto também abriu um importante precedente, encorajando outros pintores italianos a aceitarem estudantes mulheres. Amilcare Anguissola continuou a encorajar sua filha mais velha em sua arte e até mesmo enviou uma carta a Michelangelo falando sobre ela. Em resposta Michelangelo enviou alguns de seus desenhos a Sofonisba, os quais ela copiou em óleo, retornando a ele para que fossem criticados. Seu treinamento completo é demonstrado em seus numerosos autorretratos (até então, nenhuma mulher havia produzido tantos), nos quais refletia os ideais femininos do momento: discrição, pudor, modéstia ou prudência. Ela fez pequenas obras de busto ou meia figura que serviram para espalhar sua imagem e suas várias virtudes. Graças ao destacamento diplomático de seu pai, esses autorretratos se tornaram cartas de apresentação e raras peças de colecionador que forjaram sua fama inicial como pintora.

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Por volta de seus vinte anos, Sofonisba já era suficientemente bem conhecida para ser convidada a juntar-se à corte de Filipe II em Madrid. Lá chegou em 1560 e ficou pelo menos dez anos. Em 1570, casou-se com um lorde siciliano, Fabrizzio de Moncada, em uma cerimônia elaborada pelos monarcas espanhóis que também forneceram um generoso dote. Mas, apenas quatro anos depois, Fabrizzio morreu e Anguissola foi chamada de volta à Espanha. No caminho da Sicília para Madrid, ela decidiu visitar sua família e, durante a viagem, apaixonou-se pelo capitão do navio, Orazio Lomellino, com quem casou-se logo após desembarcarem. Foram viver em Palermo onde Sofonisba foi visitada por um jovem pintor, Anthony Dyck. Anos depois, foi encontrado um desenho no portfólio do pintor que mostrava uma mulher mais velha, cega, mas ainda ativa, juntamente com anotações dos conselhos profissionais de Anguissola. Antes de chegar à Espanha, Sofonisba Anguissola fez alguns retratos de personagens ilustres de sua época que atestam sua fama e seus dotes para um gênero em que a importância das escolas venezianas e lombardas é apreciada. Sofonisba praticou, acima de tudo, o retrato e alcançou uma fama que, graças às suas origens aristocráticas e à sua auréola de mulher virtuosa, levou à sua chegada à corte espanhola, onde era dama da rainha Elizabeth de Valois, além de retratar quase todos os membros da família real.

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Nenhum dos retratos feitos na Espanha é assinado. Sua posição oficial no tribunal não era a de uma pintora e, de fato, suas pinturas eram recompensadas com ricos tecidos ou joias. Nas cópias atualmente reconhecidas por sua mão, nota-se sua adaptação aos modos de retrato da corte espanhol.

A pintora produziu um grande número de autorretratos. Uma razão citada para o fato é que, sendo a primeira mulher pintora amplamente reconhecida em sua época, ela tornou-se uma celebridade e sua imagem estava em alta. Ela variava o tamanho e o formato de suas pinturas, retratando a si própria tocando um instrumento musical, segurando um livro, pintando um tema religioso e até mesmo sendo retratada por Campi, seu professor.

É difícil avaliar a obra da pintora como um todo, pois a maioria de suas pinturas no período espanhol foram destruídas em um incêndio no século XVII. Mesmo assim, está claro que ela era uma inovadora retratista do final do período Renascentista, cuja exposição internacional inspirou muitas jovens mulheres a tornarem-se pintoras profissionais. Relativamente pouco se sabe sobre as cinco irmãs artistas de Sofonisba. Elena, a segunda irmã mais velha, parou de pintar quando ficou enclausurada em um convento. Minerva morreu cedo. Europa e Anna Maria casaram-se, e ambas pintavam temas religiosos e também retratos. Lúcia, a terceira irmã, viveu apenas até meados dos vinte anos, mas sua habilidade artística é consiS derada equivalente à de Sofonisba. Uma prova da notável fama de Sofonisba foi a visita que ela recebeu alguns meses antes de morrer do jovem Antonio van Dyck, em Palermo. Uma página do diário de viagem desse pintor e seu retrato da dama anciã lembram o emotivo encontro entre os dois artistas.

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A N N A BELLA GEIGER

A ARTE QUE NOS SITUA

Por Ana Vitorino

A obra de Anna Bella Geiger tem a influência do seu casamento de 60 anos com o geógrafo brasileiro Pedro Geiger. No final dos anos 1970, ela se dedicou à geografia, cartografia e mapas e suas questões sociais, políticas e ideológicas. A ideia em realizar obras com estes signos foi se amadurecendo por mais de 20 anos até se concretizar nas grandes obras cartográficas. A cartografia é a ciência que trata da concepção, produção, difusão, utilização e estudo dos mapas. Inventando um mundo e seus lugares, interpretando à sua maneira o espaço, há casos em que ela é aplicada como método de acompanhamento para traçar percursos poéticos, sendo aquilo que força a pensar e ver o todo do processo do artista pesquisador, dando-se como possibilidade de caminho a ser traçado no trabalho, como uma atenção voltada ao processo em curso. Entendendo que o método cartográfico convoca a um exercício cognitivo peculiar do pesquisador, uma vez que, estando voltado para o traçado de um campo problemático, requer uma cognição muito mais capaz de inventar o mundo do que reconhecê-lo. A cartografia recebe a atribuição de método em Gilles Deleuze e Félix Guattari, este que visa acompanhar um processo, e não representar um objeto. A cartografia atribuída como método, cria seus próprios movimentos, seus próprios desvios. É um projeto que pede passagem, que fala, que incorpora sentimentos, que emociona. É um mapa do presente que demarca um conjunto de fragmentos, em eterno movimento de produção. Para a Arte, a cartografia é a experimentação do pensamento ancorado no real, é a experiência entendida como um saber-fazer, isto é, um saber que emerge do fazer , com base na construção do conhecimento e da atenção que configura o campo perceptivo do processo em curso. O sentido da cartografia poética é de acompanhamento de percursos, aplicação em processos de produção, conexões de rede ou rizomas. O método cartográfico não tem regras a seguir, é um movimento concentrado na experiência, na localização de pistas e de signos do processo em curso.

Durante o regime militar o que se lia nos escritos de Anna Bella Geiger era uma total falta de perspectiva e grandes limitações pois a arte contava apenas com um golpe de sorte. Em uma outra reflexão sobre o sistema cultural e artístico Anna Bella envolve o uso de mapas. Em “Sobre a arte”, de 1976, por exemplo, sobre o mapa-múndi, ela escreveu a frase “correntes culturais dependentes”.

Orbis-Descriptio-série-Fronteiriços-1995

Também em “O Novo Atlas e O Novo Atlas II”, ambos de 1977, a artista utilizou mapas, demonstrando os espaços que representavam a política hegemônica e dominante do Primeiro Mundo. Anna relacionou espaços geográficos aos artísticos, sobrepôs textos e mapas, exagerou as proporções e demonstrou que a cartografia também é uma representação ideológica.

Os mapas tornaram-se imagens comuns na mídia no período devido as reconfigurações políticas. Inúmeros artistas a partir da década de 1960 começaram a usar os mapas, mais por uma opção política até mesmo do que uma opção como arte. Cildo Meirelles4, em Arte física: cordões/30km de linha estendidos, de 1969, procura sugestões que tem relação com os mapas: escalas, proporção, distância, delimitações de áreas e de limites, estes muitas vezes imaginários. Peter Wollen pesquisou o uso de mapas nas obras de artistas que retratavam a situação política e social de um pais e artistas conceituais e concluiu que “mapas podem servir não apenas como instrumentos políticos, mas também como estimulantes para a imaginação; ligados entre si, podem delinear uma forma de visão utópica compartilhada igualmente pela visão de ambos artistas, visão que nos oferece novas formas de pensar sobre o mundo em que vivemos e, em consequência, novas formas de pensar sobre a sua transformação. É exatamente nos anos de 1970 que Anna estabelece uma ruptura importante em sua trajetória, a partir da superação do conceito de arte como expressão do seu eu mais profundo, ela assume uma postura crítica em relação à arte, a sua natureza e as suas conexões com o momento sociopolítico brasileiro e internacional. Nesse período, porém, em que a artista passa a operar a ruptura de uma linha conceitual, percebe-se que, ao pensar a arte como sistema inserido no âmbito do capitalismo internacional, ela não deixa de refletir sobre si mesma e sobre a sua circunstância, agora dentro de uma linha crítica que leva em conta a sua situação de brasileira de primeira geração, vivendo em um país repleto de contradições políticas e sociais, sob um regime de exceção.

O trabalho de Anna Bella Geiger passeia com muita facilidade e leveza pela pintura, desenho, gravura, fotografia, vídeo e publicações, a pluralidade de procedimentos e materiais é uma das principais características do trabalho de Anna, enquanto faz uma crítica a ideia de brasilidade ou identidade nacional, ela utiliza a cartografia como recurso para problematizar a correlação entre fronteiras geográficas e territórios culturais, como foi apresentado na 8ª Bienal do Mercosul realizada em Porto Alegre em 2011.

Geiger, Anna Bella · Variáveis -1978 Serigrafia e bordado à máquina sobre linho - 80 x 80 cm.

No livro "Novo Atlas 1", Anna primeiramente apresenta cinco intervenções em imagens do mapa-múndi, inserindo nelas textos datilografados, sempre de caráter crítico, relativos à dominação cultural. Na sexta página do livro, ela reproduz quatro imagens de mapa-múndi. A primeira segue os padrões de proporções convencionais entre os continentes e sob a imagem, a artista coloca a legenda "O Mundo". Nas demais, ela segue a estratégia de repetir a imagem convencional. Mas, ela dá uma conotação diferenciada daquelas convencionais da carta geográfica, alterando a proporção dos continentes, a partir de pressupostos de dominação econômica (legenda: "Do petróleo"), política (legenda: "Desenvolvimento e Subdesenvolvimento) e cultural (Do Domínio Cultural Ocidental) que regem as relações de poder entre os países e os continentes. Nessas relações e suposições, refletem representações do mundo e concepções de arte que, assim como os mapas, também produzem uma realidade, na medida em que o representam. Anna Bella Geiger reúne em linhas datilografadas diversos topoi sobre arte, às vezes legíveis, outras vezes encobertos pelas formas de continentes ou obscurecidos por superposições parciais de letras e grupos de palavras. Esses topois determinam os até onde é possível alcançar a percepção, na medida em que funcionam como asserções paradigmáticas sobre a relação entre as supostas orientações dominadas e marginais, estilos internacionais e nacionais ou sobre a distinção entre centros e periferias, províncias e metrópoles, recepções, heranças, tradições, influências e esferas de validade, dependências e espaços livres.

O falso sentido de objetivo da cartografia, que em sua representação estabelece critérios, é desmascarada nos quatro mapas-múndi subsequentes. A imagem do mundo aparece determinada por diferentes indicadores: na trama do quadriculado regular do espaço, como divisão das reservas de petróleo, na relação entre regiões desenvolvidas e subdesenvolvidas e na dependência da primazia cultural da Cultura Ocidental. O confronto de diversos sistemas de orientação deixa claro que orientação, como a própria língua denuncia, tem sempre uma direção determinada, que estabelece a imagem da realidade, na medida em que se torna a perspectiva da percepção. No mapa a realidade aparece como relação ou atitude e, deste modo, relativa às diversas relações que se estabelecem. Assim como a suposta neutralidade do mapa é pura ficção, sua representação espacial não passa de uma projeção. A realidade deixa de aparecer como ilusão, passando a ser uma falsa simulação. As outras sequências do “Novo Atlas I e II” e outras obras-padrão, seguem o modelo do abecedário, em que o cruzamento de textos, mapas, quadros, imagens são construídas e reunidas sob o título comum de “Iniciações Primárias”.

O processo de criação de realidades imaginárias baseia-se em processos de seleção e identificação em que se transmite e desenvolvem identidades. As leis desta criação são analisadas pela artista desde o começo dos anos 60, em sua discussão com o abstracionismo geométrico e informal, sobretudo no trabalho que realizou no Atelier do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, de que é um dos representantes que mais se sobressai. A passagem da mancha amorfa e anônima para o contorno novamente reconhecível de um determinado continente, como mostra a estampa borrada do “Novo Atlas I”, é um jogo com os esquemas de percepção, que desdobra seu potencial no âmbito de um determinado contexto, através da transformação, metamorfose e alteração.

Na última página do livro, a artista apresenta dois mapas da América Latina, sobrepondo textos também de caráter crítico às imagens. Neles, os limites atuais entre o Brasil e os países vizinhos são alterados ou realçados, quer pela alusão gráfica ao Tratado de Tordesilhas, quer pelo realce e consequente exclusão da imagem do Brasil dentro do contexto da América Latina. Esses dois mapas, como será visto, são importantes para as transformações da poética da artista, pelo fato de apontarem, pela primeira vez, para a preocupação de Anna Bella Geiger com a arbitrariedade das linhas de fronteira, questão gráfica/formal que ressurgirá em suas pinturas dos anos 1980. Os mapas também podem ser pensados como objetos estéticos, abertos por diferentes métodos, conectáveis e modificáveis, que se prestam a interpretações poéticas, incorporam valores culturais e crenças políticas ao figurarem e reconfigurarem o espaço, como definem Deleuze e Guatarri.

Os anos 1990 são marcados por séries como a “série Fronteiriços”, em que novos materiais foram usados. As formas cartográficas reaparecem vazadas em metal dentro de caixas de ferro ou gavetas de mapotecas preenchidas por encáustica. No limite entre gravura, pintura e objeto, essas obras são o emblema perfeito de toda sua produção na medida em que atualizam as séries anteriores.

Esse universo dividido, visível nos mapas e nas pinturas, permanecerá como questão crucial nas peças de metal e cera que Geiger produzirá a partir dos anos 1990. Situando-se, como bem lembrou Cocchiarale no texto citado, “entre os territórios consagrados do objeto, da gravura, da pintura, ao mesmo tempo em que continuam a representar aquela cisão, essas peças são a encarnação desse limite, onde se constituiu e se constitui a obra de Geiger”.

Nessa peça, e em todas as outras da série, Geiger opõe à lógica das arbitrariedades geopolíticas a dimensão do afeto e da memória que insistem em resinificar os dispositivos do poder a partir de um olhar singular, marcado pela História coletiva e individual.

Na exposição individual “Em Gavetas de Memórias”, a artista explora os sentidos e significados do mapa-múndi em suas representações e construções. A exposição é formada por um documentário com todas as etapas de produção de 12 gavetas, durante um período de 25 anos, e seis gravuras com mapas. A Gavetas de Memórias foi inspirada nas lembranças de quando o pai da artista usava latas de aveia para fazer objetos e formas de biscoito. Após ver uma gaveta de arquivo velho à venda em uma loja de antiguidades, Anna Bella Geiger idealizou o suporte para seus mapas. Marcas que eternizam as suas obras e valorizam ainda mais a sua personalidade forte e inquieta.

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