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Regresso às origens

Quase todos os dias de manhã, depois de deixar os filhos na escola, Cristina Rodrigues passa pela sua horta para confirmar se as sementeiras que tinha feito já podem ser transplantadas ou se há alguma alface pronta a colher para o almoço.

Cristina tem 49 anos, é da zona de Viseu, onde os pais tinham terrenos. Desde que veio para Loures, há 22 anos, perdeu completamente o contacto com a terra. Quando soube que iriam ser criadas as hortas urbanas comunitárias, no Infantado, em Loures, local onde reside, achou que seria “uma boa oportunidade para retomar esta atividade” e proporcionar aos filhos a experiência do contacto com a terra: “De mexer, semear, de ver crescer, apanhar. É muito importante que eles perceber como é que as coisas funcionam e que demoram o seu tempo”, conta-nos.

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Cristina trabalhava em teatro, na parte da produção, o que lhe ocupava bastante tempo, mas com os filhos pequenos não era fácil. “Quis dar-lhes mais apoio, acompanhá-los mais” e, por isso, agora dedica todo o seu tempo à família e à horta.

“Estou aqui há um ano e já comi muitas coisas daqui. Couves, alho francês, morangos, salsa, coentros… Nunca mais comprei alfaces. E depois o engraçado disto é que dá para mim e para oferecer”, sustenta.

Espírito de entreajuda

A partilha, o espírito de entreajuda e até as novas amizades que se criam entre os hortelões são uma parte fundamental deste tipo de projetos.

“Ajudamo-nos todos uns aos outros. Se compro sementes, não vou semear um pacote inteiro e por isso partilho. Trocamos plantinhas que temos a mais. E no verão, quando vou de férias, há sempre algum vizinho disponível para me regar a horta, dizendo: ‘vai descansada’. E depois até mandam fotos”, refere, sorrindo.

Além disso, Cristina revela que tem aprendido muito, nomeadamente sobre a produção em modo biológico, um dos conceitos associados a estas hortas. Recorda que, quando era jovem ajudava os pais num terreno que tinham, mas revela que “o engraçado aqui foi fazer tudo de raiz, ver crescer, cuidar”.

Também Francisco Correia, na sua juventude, “trabalhou muito” com o seu avô nos campos, mas “depois dos 20, nunca mais quis nada com isso”, confessa. Agora com 53 anos, designer de profissão, voltou a “aparecer aquele bichinho”.

Francisco candidatou-se e conseguiu que lhe fosse atribuído um talhão nas hortas urbanas comunitárias da Quinta da Parreirinha, na Bobadela.

Uma atividade para toda a família

Enviou um email a todos os vizinhos do prédio, dizendo que “estavam todos convidados a participar”. Nem todos aceitaram o desafio, mas Francisco mostra-se satisfeito com o facto de, pelo menos dois ou três casais, irem à horta com alguma regularidade. “E também o Tomás, um miúdo que vai fazer seis anos, que adora vir à horta”.

“Mais tarde vieram também os filhos de outro casal lá do prédio, já o Tomás tinha dois ou três meses de ‘estágio’. E só a maneira de se movimentar na horta, de lidar com as plantas, ou de as arrancar, já se diferenciava das outras crianças”, recorda Francisco, que considera muito importante este contacto das crianças com a natureza e com animais.

Por tudo o que ali tem vivido, Francisco revela que “gostava de transformar isto numa quinta pedagógica, durante um dia ou dois. Montar aqui umas cercas e trazer umas ovelhas, umas galinhas, uns patos, uns porcos, e até fazer uns workshops de conservas de tomate ou de doces”.

“Ter as crianças a vir à horta, na companhia dos pais e dos avós. A horta consegue fazer isso. Um evento de família, com várias gerações.”

Para Francisco, “a horta sempre foi muito mais do que um sítio para cultivar. Sempre gostei muito do campo, da natureza e do cheiro. Gosto de estar ali sentado, no banco que eu fiz. Só isso já vale”, relata.

Tem conseguido tirar alguns produtos da sua horta. Tomates, batatas, feijão, alface e cebola são os produtos mais cultivados entre os hortelões e que, quando são demais para consumo próprio, se trocam com ‘os vizinhos’, num espírito de partilha e entreajuda, que está na base deste projeto, e que Francisco define: “não são hortas comunitárias, são hortas em comunidade”.

Conselhos e dicas que passam de mão em mão

Uma ideia partilhada também por Alexandre Santos, reformado, e ‘vizinho‘ de Francisco na horta da Bobadela.

“Muitas vezes estou em casa, sem saber o que fazer. Aborrecido… E venho para a horta. Convivo com os que aqui andam. Já fiz muitos amigos! Partilhamos coisas uns e com os outros e é muito bom”, afirmou.

Alexandre lembra que sempre que vai à ‘província’ tomam-lhe conta da horta. “e quando alguém precisa eu faço o mesmo”. Além disso, recorda que existem por ali muitos hortelões que estão a iniciar-se nesta área. “O casal da horta ao lado estava sempre a perguntar: agora é altura de plantar o quê?”. Alexandre vai dando conselhos e algumas dicas aos mais novos e menos experientes porque, apesar de na sua vida profissional ter trabalhado numa refinaria e depois no abastecimento de aeronaves, até ir para a tropa trabalhou muito no campo, com os pais e os avós, na região da Guarda, de onde é natural. Mas depois da tropa, “vim para Lisboa e a agricultura acabou”. Depois de reformado, teve vontade de “voltar a andar na horta”. Assume agora a função de gardeniser Faz a ponte com os técnicos da Câmara Municipal de Loures, entidade responsável pelas hortas comunitárias do concelho.

Quando foram atribuídas as hortas, houve também uma formação. “Ensinaram-nos como matar os bichos”, que produtos usar e ainda “como fazer compostagem”, para preparar e manter uma horta em modo biológico.

Uma terapia diária

Ana Lúcia Silva é natural de Loures e também lhe foi atribuído um talhão, mas na horta do Infantado. Tal como Alexandre, aprendeu com o formador todo o processo de compostagem. Contudo, como gosta “de estar sempre a aprender e a evoluir”, ao fim de menos de ano de ter a sua horta, já está a fazer uma experiência de compostagem ao ar livre, “como é natural na natureza”, afirma.

“Estou a adorar! Desde agosto, já tirei alho francês, morangos, entre outras coisas. Mas a minha ideia é fazer rotatividade de culturas, para o solo nunca perder as suas propriedades”, revela.

Ana Lúcia é food stylist. Tem uma profissão ligada à cozinha, mas na parte editorial, e tem também um grande fascínio por nutrição.

“As pessoas não fazem ideia do que andam a comer. E apesar de saber que não terei aqui comida para o ano inteiro, tudo o que puder comer daqui, é bom”, sugere, “até porque tenho muito cuidado com a minha alimentação”.

Assim que soube que havia um projeto para hortas urbanas no Infantado, quis logo conhecer o local. Inscreveu-se, mas numa primeira fase nem se quer foi selecionada. Contudo, nunca perdeu a esperança.

Quando foi contactada devido a uma desistência, ficou muito entusiasmada. Agora, com as primeiras culturas deste ano a brotar, Ana Lúcia recorda o seu primeiro dia na horta. “Não tinha nada.

E a primeira pessoa que conheci aqui colocou logo todo o seu material à minha disposição, dizendo que não precisava de comprar nada.

Fiquei mesmo sensibilizada e agora somos amigas”, revela.

“É uma partilha muito interessante. Fiquei a conhecer muitas pessoas, sempre dispostas a ajudar com dicas sobre coisas que já me ultrapassaram”, refere, acrescentando ser este, na sua opinião, também um dos principais objetivos destes projetos. Apesar de não dispor de todo o tempo que gostaria, Ana Lúcia faz questão “de vir cá dia sim, dia não, ao fim do dia”. Por causa das regas, para detetar alguma praga a tempo de a tratar e, “porque me faz bem”, afirmou, “é uma terapia”.

Ana Lúcia afirma estar “muito grata pela oportunidade”, sustentando que vai “fazer o melhor possível por este pedacinho de terreno”.

Tal como estes quatro hortelões, são cada vez mais as pessoas a querer passar por esta experiência.

Muitas para recordar a ‘terra’ onde cresceram e tudo o que por lá aprenderam. Outros, porque nunca tiveram qualquer ligação com esta área, e gostavam de experimentar ou proporcionar essa experiência aos próprios filhos.

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