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LITERATURA PARAENSE: A CENA DO LIVRO

A CENA LITERÁRIA PARAENSE

QUANTOS LIVROS VOCÊ LEU NESTA PANDEMIA? O USO DAS REDES SOCIAIS ALIADO À FALTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS E INCENTIVO À LEITURA TEM AGRAVADO A SITUAÇÃO NO SETOR LIVREIRO E AFASTADO OS LEITORES DOS SEBOS E DAS LIVRARIAS.

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Por WANDERSON LOBATO Fotos: DIVULGAÇÃO

ABanca do Escritor Paraense e os sebistas que comercializam na Praça da República, em Belém, são exemplos de iniciativas que aproximam o escritor, o livro e o leitor. “É importante ter um espaço, em que todo final de semana que a pessoa for levar o filho pra passear, o livro esteja nesse momento de lazer, isso é fundamental no sentido pedagógico. No sentido de estimular que o livro seja uma prática cotidiana ligada ao prazer”, diz Dhara Alhadef Cardoso.

Ao lado do saudoso marido, o poeta, cordelista e grande incentivador da literatura paraense, Cláudio Cardoso, Dhara sempre esteve presente nos eventos literários do estado. Na editora do companheiro, trabalhava na revisão das publicações. “No trabalho, fui me apaixonando pelos livros. Hoje, sigo lendo e incentivando nossa literatura”, conta.

Depois da morte de Cláudio, ocorrida em maio do ano passado, Dhara ficou responsável pela Banca do Escritor Paraense, montada aos domingos na Praça da República. Espaço único da literatura local, ela conta que a manutenção do espaço tem sido cada vez mais difícil.

Dhara Alhadef

Cardoso, da Banca do Escritor Paraense

“Não tenho nenhum tipo de apoio. Saio de minha casa às 6 da manhã, monto a banca, mas em relação à ajuda eu não tenho. Inclusive, eu pago um aluguel de R$ 500,00 para guardar os livros. Tô levando até onde der”, conta.

Hoje, ela aguarda um contato do prefeito Edmilson Rodrigues que, em visita ao espaço, prometeu chamá-la para uma conversa sobre a compra de livros. “Tenho esperança que nessa conversa as coisas melhorem”, concluiu Dhara.

EM CRISE HÁ ANOS

A crise de leitura ou literária é um fenômeno que já se arrasta no Brasil por anos e envolve vários aspectos, como o avanço das compras virtuais, dominadas por multinacionais, sobre o mercado das livrarias físicas. Recentemente, o pedido de recuperação judicial e o fechamento dos pontos das redes Saraiva e Cultura em todo o país chamou a atenção para a crise no setor.

“O livro está em crise desde 2014. Primeiro, disseram que era o avanço do livro virtual, mas nunca cresceu o número de leitores dele”, destaca Débora Miranda, sócia-fundadora da Livraria Fox, a única livraria genuinamente paraense em atividade. Para a empresária, há um outro motivo para o número cada vez menor de leitores.

“O que acontece é que houve avanço tecnológico absurdo nos últimos anos e com a pandemia isso teve uma aceleração absurda. Quem não usava passou a usar, passou a aprender. As pessoas passaram a comprar o título, mas em maior intensidade é o tempo das pessoas, que hoje é totalmente direcionado para as redes sociais”, explica.

A chegada da pandemia só veio aprofundar a crise que se reflete também no número cada vez menor de leitores. Segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro, entre 2015 e 2019, o país perdeu cerca de 4,6 milhões de leitores. Na metodologia, um leitor é aquele que leu um livro (inteiro ou em partes) nos últimos três meses do levantamento.

A sócia-proprietária da Livraria Fox viveu um turbilhão de emoções em meio à crise no setor. Recentemente, a livraria, que ameaçava fechar logo após o lockdown decretado em março pelo Governo do Estado para conter o avanço do contágio pelo coronavírus, viu surgir de maneira espontânea uma campanha de mobilização nas redes sociais em favor do empreendimento. “Era uma quarta-feira e começou a aparecer gente e a gente viveu um Natal no meio do ano”, conta Débora, emocionada.

O retorno das pessoas garantiu um fôlego para a livraria continuar aberta, mas a crise ainda está presente. “Acima de tudo é um compromisso moral com as pessoas que estiveram aqui. Saber que estamos lutando. Eu quero lutar enquanto eu puder. Até em resposta ao abração que a cidade nos deu”, afirma.

Débora também chama a atenção para o fato da Fox ser uma livraria que sempre destacou a literatura paraense, não só nas estantes, mas também realizando eventos de aproximação do escritor e dos leitores. “Somos a única livraria papa-xibé. As outras redes de fora não estão preocupadas em valorizar literatura de lugar nenhum. Querem vender best-seller”, destaca.

A literatura é o escritor e o público. Se você não consegue criar uma rede que coloque este escritor em contato com o público e a obra, fica difícil”.

— CLEI DE SOUZA, ESCRITOR

O LIVRO INDEPENDENTE

Recentemente, os editais da Lei Aldir Blanc injetaram pouco mais de R$ 2,8 milhões na área de Livro e Leitura no estado. Contemplando propostas em duas modalidades - Bibliotecas Comunitárias e Literatura Paraense - a premiação aqueceu o mercado.

O escritor Clei Souza chama a atenção para o fato de que, mesmo com a entrada de recursos, os escritores ainda têm dificuldade em fazer circular as suas publicações. “A grande dificuldade nossa é fazer a obra circular. Já escrevo há 20 anos e a alternativa que encontrei de divulgar minha escrita é confeccionar meus próprios livros e lançá-los. E tenho que vender a preço simbólico”, conta.

Para ele, a falta de circulação é a pedra no meio do caminho entre o livro e o leitor. “Quem é do estado não tem ainda a percepção de que a literatura não é o escritor. A literatura é o escritor e o público. Se você não consegue criar uma rede que coloque este escritor em contato com o público e a obra, fica difícil”.

Ele lembra do escritor Rubem Fonseca que, quando indagado sobre o possível fim da literatura, respondeu que ela nunca acaba, porque o escrever é uma necessidade para o escritor. “O que pode acabar e está acabando é o público leitor”, lamenta.

Livraria Fox

Clei de Souza

CENA DE MARABÁ

Se Belém abraçou a Fox, garantindo um espaço para a divulgação da literatura paraense, em outros centros urbanos do estado a situação ainda é pior. Com quase 300 mil habitantes, Marabá, no Sudeste do Pará, não possui nenhuma livraria. “O que acontece é que a gente mesmo tem que ficar vendendo os livros. Em eventos ou nas redes sociais”, explica Airton Souza.

Marabaense que já possui 40 livros publicados, Airton é um ativista da literatura e do livro. Ajudou a criar a Associação dos Escritores do Sul e Sudeste do Pará e coordena dois projetos importantes para o setor, a publicação do Anuário da Poesia Paraense, que deve chegar a sua oitava edição ano que vem e a realização do Prêmio Amazônia de Literatura, em sua terceira edição.

Ele explica que o acesso ao livro é muito difícil na região e que sente falta de políticas públicas contundentes voltadas para a publicação e incentivo à leitura.

“E a gente fica à mercê. Sente a falta, como se fosse uma orfandade, órfão desse aparato dos órgãos públicos que tem como investir na publicação, no patrocínio”, lamenta. “O estado do Pará carece de uma política pública séria. O que é uma política pública séria? Que de fato dê conta de alcançar as regiões do estado, de contribuir com o processo de produção”.

Airton Souza

CAMPANHA DE FINANCIAMENTO COLETIVO

Como reflexo desta falta de política para o setor, Airton conta que, pela primeira vez, está fazendo uma campanha de financiamento coletivo na plataforma CATARSE. O projeto consiste na publicação do livro infantil A menina que plantava corações, obra vencedora do prêmio ABRAMES 2019, promovido pela Academia Brasileira de Letras de Médicos Escritores.

O livro narra a história de uma menina catadora. Ela e sua mãe todos os dias atravessam as ruas da cidade catando materiais descartados para vender e sobreviver. O orçamento para a impressão dos 300 exemplares custa R$ 3.500,00 mais alguns custos para a entrega via Correios. n

LINK PARA CONTRIBUIR:

https://www.catarse.me/livro_infantil_a_menina_ que_plantava_coracoes_8258?ref=project_link

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