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na Era do Rádio (1940-1950
Capítulo 17
Antonio Maurício Dias da Costa
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Do Nacional ao Local: O meio musical paraense na Era do Rádio (1940-1950)1
A chamada “Era de Ouro” do rádio no Brasil corresponde à fase de apogeu do empreendimento radiofônico no país.2 As décadas de 1940 e 1950 marcaram um período de disponibilidade de vultosas verbas publicitárias para o rádio, de aumento vertiginoso da contratação de profissionais e de ampliação do público ouvinte de um conteúdo variado nas programações. As atrações musicais e os programas de auditório ocupavam a maior parte do tempo das transmissões3 desde a década de 1940. Como decorrência, surge o rádio-espetáculo na década seguinte, no qual as transmissões musicais exerciam papel central4. A consolidação do rádio como meio de comunicação de massa, naquela última década, transformou o veículo em principal meio propagador da música popular no país.
1 Este artigo é resultado parcial do projeto de pesquisa “Na Periferia do Sucesso: rádio e música popular de massa em Belém nas décadas de 1940 e 1950”, financiado pelo Edital Universal 14/2013 do CNPq e vinculado à Faculdade de História da Universidade Federal do Pará. 2 Ver AZEVEDO, Lia Calabre de. No Tempo do Rádio: radiodifusão e cotidiano no Brasil, 1923-1960, Tese de Doutorado, História, PPGH, UFF, 2002; CALABRE, Lia. A Era do Rádio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. 3 ROCHA, Amara. Nas Ondas da Modernização: o rádio e a TV no Brasil de 1950 a 1970. Rio de Janeiro: Aeroplano / FAPERJ, 2007, p. 114. 4 Idem, p. 114-115.
As emissoras de alcance nacional divulgavam as principais estrelas da canção (cartazes) e os ritmos de sucesso massivo do período. Já, às emissoras de alcance regional, cabia o papel de conectar o cenário de recepção e difusão de música popular ao repertório de canções e ritmos de sucesso propagado pelo broadcasting nacional. É sobre esta conexão que trata este artigo. A imprensa paraense, de meados do século XX, em jornais e revistas de variedades, destacava a atuação de artistas da música popular em registros sobre o alcance e a repercussão da programação musical de emissoras da cidade. As fontes mais extensamente exploradas nesta pesquisa foram as revistas “Amazônia” e “Hiléia Magazine”, ambas publicadas por literatos locais nos anos 1950 e que cobriam um amplo raio de temas, como literatura, artes, cultura, ciência, economia, rádio, cinema e esportes. Eram também revistas ilustradas que tinham uma clara orientação para o público feminino, ouvinte majoritário de rádio. Neste campo, aliás, as duas publicações mantinham colunas permanentes voltadas para o rádio e para a música. A Hiléia Magazine, de subtítulo “do Pará para a Amazônia e da Amazônia para o Brasil”, foi fundada em 1954 e é de difícil acesso ao pesquisador, dada a existência de somente dois volumes no Acervo de Obras Raras da Biblioteca Pública do Pará. Já a Revista Amazônia, de subtítulo “revista da planície para o Brasil”, tem mais números disponíveis para pesquisa no referido acervo. Quase todos os números mensais de Amazônia, desde a sua fundação em 1955 até 1958, estão disponíveis na Biblioteca Pública. As fontes jornalísticas são aqui consideradas como representações dos profissionais de imprensa da época sobre mundo do rádio e da música popular. Aliás, literatos e jornalistas mantinham um trânsito considerável entre artistas da música e produtores radiofônicos da cidade. A noção de representação aqui adotada segue a perspectiva de Roger Chartier, enquanto “esquemas intelectuais”5 , que produzem sentidos mediados pelos interesses dos sujeitos envolvidos com os desdobramentos destas construções. Assim, o texto jornalístico deve ser lido perfazendo-se a busca, nas entrelinhas, das redes de poder que atravessam a produção6 , a divulgação e a repercussão do texto. Estes registros servem como pistas para a compreensão da formação de um mercado musical no período, considerando-se o cruzamento entre o lo-
5 CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990, p. 17. Sobre isto ver também CERTEAU, Michel de, A Invenção do Cotidiano: 1. Artes de Fazer. Petrópolis-RJ: Vozes, 1994, p. 82. 6 MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos Meios às Mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001.
cal e o nacional. Intercâmbios entre os dois níveis de desenvolvimento do chamado “sem-fio” envolviam atividades de produção radiofônica, de divulgação artística e de interação com o público. Tais atividades são aqui apresentadas no intuito de discutir a transformação do rádio em meio de comunicação de massa no Pará de meados do século XX, a partir de condicionantes locais e nacionais associadas à divulgação musical. O leque da produção radiofônica compreendia programas humorísticos, esportivos, jornalísticos, radionovelas, anúncios comerciais e apresentações musicais. A divulgação musical, em particular, exercia função destacada na programação mais ampla, tanto em programas especificamente musicais, como pano de fundo de outras apresentações. Mais ainda, segundo Azevedo, atuavam grupos e atores sociais diversos no campo musical cujas práticas e discursos revelam um sentido de disputa por poder e/ou prestígio.7 O estudo deste campo é amplamente revelador da visão de mundo de artistas, de profissionais dos meios de comunicação e do público consumidor da cultura de massa de sua época. Estes personagens, nos anos de 1940-50, estão situados em um intervalo pouco estudado da história da música popular do Brasil: a suposta lacuna entre a era “de ouro” dos sambas cariocas dos anos 1930 e os anos 1960-70, época da Bossa Nova e da conformação da MPB como movimento musical.8 Para Marcos Napolitano, os anos 1950 são considerados por seus críticos como um período de música de baixa qualidade, comparados às décadas imediatamente anteriores e posteriores.9 A época dos boleros, dos sambas-canções e dos seresteiros, segundo o autor, não teria sido uma “idade das trevas” musical para o país. Muito ao contrário. Como afirma Lenharo, foi o período intermédio do século XX tornado época das “fãs apaixonadas por seus ídolos, das canções conhecidas na ponta da língua, dos fãs clubes espalhados pelo país e dos discos vendidos em grande tiragem”.10 Vejamos como isto se deu numa realidade distante das sedes das grandes emissoras do sudeste do país.
7 AZEVEDO, op. cit., p. 25. 8 Ver LENHARO, Alcir. Cantores do Rádio: a trajetória de Nora Ney e Jorge Goulart e o meio artístico de seu tempo. Campinas-SP: Ed. UNICAMP, 1995, p. 08. 9 NAPOLITANO, Marcos. A Síncope das Idéias. A questão da tradição na música popular brasileira. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2007, p. 63. 10 LENHARO, op. cit., p. 08.
O CENÁRIO DA “ERA DE OURO” DO RÁDIO PARAENSE
O campo de produção radiofônica no Pará começou a formar-se em 1928 com a fundação do Rádio Clube do Pará11, primeira emissora da Amazônia. A PRC-5 surgiu no formato de emissora de associados, de acordo com a tendência mais geral.12 Funcionou a difusora até meados dos anos 1950 com um transmissor de pequeno alcance13, inclusive com dificuldades para atingir os bairros mais distantes da cidade. Os fundadores da PRC-5 mantinham laços importantes com a elite política local, como era o caso do bacharel em Direito e radioamador Roberto Camelier, do ex-governador do estado Dionísio Ausier Bentes, sócio-fundador da emissora; do telegrafista Eriberto Pio e do jornalista Edgar Proença, que ingressou na sociedade logo após sua criação.14 Estas ligações facilitaram com que o Rádio Clube fosse presenteado em 1937 pela prefeitura municipal com um terreno no bairro do Jurunas, numa localidade um tanto afastada do centro da cidade. A assim chamada “Aldeia do Rádio” foi erguida no terreno concedido. Lá foram instalados seus transmissores e um estúdio para produção de programas, inaugurados em 1939, permitindo-se assim a realização de apresentações musicais ao vivo com artistas locais. A programação musical tornou-se diversificada, com atrações voltadas para música clássica e música popular, esta última dividida entre músicas estrangeiras, nacionais e regionais. Vários músicos e cantores da PRC-5 foram revelados em programas de calouros da emissora nos anos 1940. O auditório da emissora foi inaugurado em 1945 na Aldeia do Rádio e comportava cento e cinquenta lugares. Neste período, conjuntos musicais “regionais” (de pequeno porte) e uma Orquestra passaram a fazer parte do Rádio Clube.15
11 Assim mencionado no masculino nas fontes jornalísticas consultadas. 12 Esta e as demais informações sobre a história do rádio paraense foram consultadas em VIEIRA, Ruth; GONÇALVES, Fátima. Ligo o Rádio pra Sonhar. A história do rádio no Pará. Belém: Prefeitura Municipal, 2003, p. 15-138. 13 O primeiro transmissor de 2 kilowatts funcionou até meados dos anos 1940, quando foi substituído pela “polaquinha” (denominação atribuída pela gente de rádio local), um transmissor de 5 kw. Em 1955, a emissora pôs em funcionamento um novo transmissor de ondas médias de 10 kw, que permitiu ao sinal da PRC-5 o alcance da maior parte da região amazônica. Ver Revista Amazônia, ano 2, n. 15, março de 1956. 14 Sobre a trajetória dos fundadores da Rádio Clube do Pará ver OLIVEIRA, Érito. Modernidade e Integração na Amazônia: intelligentsia e broadcasting no entre guerras, 1923-1937. Dissertação de Mestrado, História Social da Amazônia, PPHIST, UFPA, 2011. Consultar especialmente o Capítulo 1 “Uma proto-história do rádio na Amazônia, 1923-1929”, p. 18-85. 15 VIEIRA; GONÇALVES, op. cit., p. 57.
Outra doação de terreno público possibilitou à PRC-5 inaugurar em 1954 sua nova sede no Edifício “Palácio do Rádio”, erguido na Avenida Quinze de Agosto, centro da cidade. A falta de recursos para a construção obrigou os dirigentes da emissora a transferirem o terreno a um empresário local que deveria ceder, em troca, todo o segundo andar (de um prédio de quinze andares) à PRC-5.16 No mesmo ano de 1954 foi inaugurada a segunda emissora do estado. A Rádio Marajoara, ZYE-20, foi fundada como empreendimento dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand.17 Os profissionais fundadores da emissora vieram das rádios “associadas” do Rio de Janeiro e de São Paulo e seus equipamentos foram importados da multinacional RCA-Vitor. Seu estúdio e auditório (com capacidade para mil pessoas) foram instalados no centro da cidade, próximo à Praça Justo Chermont, também conhecida como Largo de Nazaré. Além destas, foram erguidas outras instalações da emissora no Largo de Nazaré, como o cassino “Rancho Grande” e o Teatro “Marajoara”.18 A “caçula associada” do Pará, como os jornalistas locais chamavam a Rádio Marajoara, iniciou suas atividades com um transmissor de dez kilowatts. Foram contratados locutores, radioatores, cantores e músicos locais para trabalhar na emissora, após seleção organizada por especialistas de rádios do sudeste. Entretanto, a maior parte dos ingressantes na nova emissora era proveniente da PRC-5. Cantores e músicos foram contratados, assim como na concorrente, para compor conjuntos vocais, regionais e a orquestra oficial. Os eventos musicais no auditório e no teatro da emissora mobilizavam parcela considerável da população da cidade, principalmente, durante o Carnaval e as festividades do Círio de Nazaré.19 As apresentações musicais eram comuns nestes eventos, exercendo o papel de carro chefe da atuação do cast das emissoras. Cantores e músicos paraenses ocupavam a vitrine artística local ao lado das atrações nacionais e internacionais que visitavam periodicamente a cidade. Esta movimentação artístico-cultural será esmiuçada adiante.
16 Ver O Pará nas Ondas do Rádio. Disponível em www.oparanasondasdoradio.ufpa.br, acesso em 05/05/2010. 17 A rede de empresas de Assis Chateaubriand compunha um total de vinte jornais, cinco revistas e nove emissoras de rádio em fins dos anos 1940. Ver ROCHA, op. cit, p. 43. 18 VIEIRA; GONÇALVES, op. cit., p. 100. 19 O Pará nas Ondas do Rádio, op. cit.
O UNIVERSO MUSICAL DAS PROGRAMAÇÕES DO RÁDIO PARAENSE
Antes de tratar da programação musical das emissoras locais é preciso discutir as condições infraestruturais que garantiriam algum sucesso para a produção radiofônica paraense. Neste campo, a questão da extensão das ondas sonoras foi tomada por jornalistas, ao longo dos anos 1950, como um grande problema da radiodifusão local. No primeiro mês do ano de lançamento da Revista Amazônia (1955), o colunista Edyr Proença informava que o transmissor de ondas de dez kilowatts da Marajoara seria substituído por outro de ondas curtas com dois kilowatts no aniversário da emissora em abril daquele ano. A expectativa era de impor forte concorrência ao Rádio Clube que alcançava com dificuldades o interior do estado.20 No entanto, o prometido novo transmissor da Marajoara não foi instalado naquele ano, nem nos seguintes. De qualquer forma, este não era um problema para a “caçula emissora associada”, como apelidavam os jornalistas da época. O sinal do Rádio Clube era mesmo sofrível21 dentro de Belém, como destaca em suas memórias o ex-diretor musical daquela emissora.22 Esta preocupação das emissoras se explicava, em grande medida, pelo interesse em alcançar os resultados prometidos aos anunciantes e de buscar superar o concorrente. Ao mesmo tempo, o efeito da expansão das emissões tendia a estimular o interesse pelo modo de vida urbano entre moradores das localidades do interior.23 Os programas de rádio alcançavam o público do interior do estado, apresentando-se como espécie de vitrine da vida na capital. As tramas das radionovelas e a carreira das estrelas canção, divulgadas pelo rádio e por revistas de variedades, faziam parte desta vitrine, que apresentava, à sua maneira, o modo de vida urbano. Isto acontecia, em grande escala, com a programação das emissoras cariocas e paulistas, cujo sinal alcançava grande parte do país através de ondas curtas. As emissoras paraenses só passaram a abranger a maior parte do estado em meados dos anos 1950, com a instalação de transmissores de ondas médias.
20 Revista Amazônia, ano 1, n. 01, janeiro de 1955. Coluna “Aqui se fala de rádio”. 21 No número III de março de 1955 da Revista Amazônia, o autor da coluna “Aqui se fala de rádio” reclamava do “som sofrível do Rádio Clube do Pará”. 22 BARROS, Manoel Guiães de. Ah! Essa gente de rádio e televisão. Belém: Sem Editora, 1980, p. 25. 23 TINHORÃO, José Ramos. Música Popular – do Gramofone ao Rádio e TV, São Paulo. Ática: 1981, p. 66.
A PRC-5, por exemplo, tinha um transmissor de cinco kilowatts (chamado pela imprensa de “a polaquinha”) que serviu à emissora durante toda a década de 1940 e início da seguinte. Seu campo de abrangência só seria ampliado em junho de 1955, com a chegada do novo transmissor de ondas médias de dez quilowatts.24 O equipamento, no entanto, foi somente instalado em março do ano seguinte.25 Mas mesmo com atraso, este foi um motivo de festa para imprensa local, já que seria possível “levar até muito mais distante a mensagem fraternal dos brasileiros da Amazônia”.26 Neste ponto é preciso perguntar: que mensagem era essa? Uma resposta possível é o destaque que se buscava dar à existência de atividade radiofônica naquela vasta região do país. O rádio paraense da época concorria de forma desigual com as emissoras do Sudeste, especialmente com a poderosa Rádio Nacional. A resposta particular das emissoras locais poderia ser também a sua programação musical, divulgando conjuntos e cantores locais, nacionais e internacionais. De fato, a programação musical era o carro chefe da grade das emissoras. Napolitano assinala que a Nacional, nos anos de 1940 e 1950, com seu alcance em todo o país, tornou a música popular um “lugar definitivo na cultura brasileira”. Sua programação “voltada para o lazer das massas, ancorada em programas musicais, radionovelas e programas de informação”27 tornou-se modelo para as diversas emissoras de alcance regional no país. A diferença entre as programações das emissoras seria não somente uma questão de escala, mas de nível de intercâmbio com as difusoras centrais. No caso das estações paraenses, a preocupação com seu desempenho, na visão da imprensa, situava-se tanto no conteúdo da programação quanto na excelência na montagem e organização dos programas. É este o alerta dado pelo colunista de rádio de Amazônia após o carnaval de 1955: “(...). Chegou a hora de apagar tudo e começar de novo, planificando, saindo do ramerrão de todos os dias, evitando que à noite dials se estejam virando para estações do sul onde os programas são mais atraentes, bem montados, bem feitos. (...)”.28 O carnaval era uma grande ocasião para as atividades musicais das emissoras e para buscar alto retorno com as rendas de anunciantes. Naturalmente, o sucesso da programação significava tornar a emissora mais atrativa aos anun-
24 Revista Amazônia, ano 1, n. 06, junho de 1955. Coluna “Aqui se fala de rádio”. 25 Idem, ano 2, n. 15, março de 1956. Coluna “Aqui se fala de rádio”. 26 Idem, ano 1, n. 5, maio de 1955. Coluna “Aqui se fala de rádio”. 27 NAPOLITANO, op. cit., p. 52. 28 Revista Amazônia, ano 1, n. 02, fevereiro de 1955. Coluna “Aqui se fala de rádio”. Grifos Meus.
ciantes29. As emissoras organizavam concursos de música de carnaval30, traziam cantores de fora para apresentar os “sucessos para o próximo carnaval”31 e criavam programas com o tema momesco, mobilizando seu cast artístico em atrações que faziam distribuição de prêmios. A opinião da coluna acima citada sustenta que o sucesso desta periódica reorganização da grade de programação das emissoras era principalmente responsabilidade dos produtores. Eles deveriam estar preparados para quando terminasse o carnaval. A fórmula de sucesso dos produtores seria promover a excelência na organização dos programas, seguindo o exemplo das grandes estações do Sudeste, e combiná-la com a feição típica das atrações do “sem-fio” local. Outro ponto alto da programação musical das emissoras de rádio ao longo do ano eram as festas de comemoração de seus aniversários de fundação. Eram elas grandes oportunidades para os produtores trazerem “cartazes nacionais” para apresentações nos palcos locais.32 Tais espetáculos compunham a fórmula de sucesso das emissoras locais para a conquista do público, constituindo momentos especiais de sua programação anual. No mais, ao longo do ano, a atividade musical das emissoras poderia ser pontuada por apresentações que também contavam com cartazes de fora entre cantores, comediantes, locutores e até mesmo equilibristas. Shows com este feitio eram a tônica das atrações das emissoras de rádio durante as festividades do Círio de Nazaré. Este formato de “grande espetáculo” foi regularmente promovido pela Marajoara nos primeiros anos de seu funcionamento mesmo fora de grandes datas festivas.33 Na sua esteira, o Rádio Clube realizava
29 Segundo Azevedo, a relação entre rádio e publicidade conduziu a expansão nacional das programações de rádio, ajudando a tornar nacionais “certas práticas culturais do eixo urbano do sudeste do país”. AZEVEDO, op. cit., p. 158. 30 A coluna “No mundo das Artes”, da Hiléia Magazine de maio de 1954 (ano 1, n. 01), destaca o sucesso do concurso de músicas carnavalescas e das batalhas de confete do Rádio Clube, realizadas com o “apôio de grandes firmas comerciais de nossa praça”. 31 Revista Amazônia, ano 1, n. 12, dezembro de 1955. Coluna “Aqui se fala de rádio”. Segundo Lenharo, o carnaval era o “celeiro” de novos compositores e novas canções de sucesso, que poderiam seguir cantadas durante o ano todo. Ver LENHARO, op. cit., p. 145. 32 A Revista Amazônia de abril de 1956 (ano 2, n. 16) anunciou a vinda de vários artistas de sucesso para o aniversário do Rádio Clube, como “oportunidade de ver, ouvir e aplaudir Ademilde Fonseca, ‘a rainha do chôrinho’, Dilermando Reis, ‘o maior violonista das Américas’, Isaurinha Garcia, a personalíssima ‘estrêla’ paulista, Antonio Laborda, a voz bonita que Recife nos mandou, Bené Nunes, ‘o poeta do teclado’, Antonio de Menezes, o tenor português intérprete sentimental das canções napolitanas, Nora Ney, ‘a voz mistério’ da nossa música popular, e Jorge Goulart, prêmio ‘Roquette Pinto de 1955’. 33 Como no “Big Show” promovido pela Marajoara em julho de 1956, que contou com a presença de artistas de rádios cariocas e paulistas. Revista Amazônia, ano 2, n. 19, julho de 1956. Coluna “Aqui se fala de rádio”.
apresentações com teor semelhante em seu auditório da Aldeia do Rádio, lançando mão de atrações nacionais e mesmo estrangeiras.34 O intercâmbio com o cast de artistas do rádio dos grandes centros do país, no entanto, não se limitava a eventos festivos locais de grande porte. Havia certo trânsito entre profissionais de rádio de diferentes regiões do país. A Rádio Marajoara, por estar inserida na rede de Diários e Emissoras Associadas, contava com maior facilidade de circulação de profissionais de fora.35 Em escala menor, o Rádio Clube contava de forma esporádica com a presença de locutores de outros estados.36 A ocorrência deste trânsito contribuía para a profissionalização das emissoras e, ao mesmo tempo, para a uniformização da organização dos programas37 e para o surgimento de um padrão de interação com o público38 em escala nacional. É certo que este padrão (recebimento de cartas de ouvintes, presença de público em programas de auditório, produção de programas voltados ao entretenimento etc.) poderia apresentar matizes diferentes nas programações locais, de modo a “atender satisfatoriamente aos desejos de seus milhares de sintonizadores”.39 É o caso do concurso de calouros criado pelo locutor baiano Lustosa Filho na PRC-5 em março de 1956.40 Seu programa de auditório “Atrações Lustosa Filho”, apresentado aos domingos, teria o concurso como um dos seus quadros, com o objetivo de revelar “novas intérpretes da genuína música popular brasileira”.41 A seleção nas fases iniciais da competição seria feita pelo público do auditório. Somente na última fase (a nona) é que viria a ser empregado um júri formado por gente de imprensa. Há neste caso uma substancial valorização da opinião do público do auditório, num concurso que oferecia prêmios vários e contratos com a
34 Uma apresentação em fevereiro de 1958 teve a presença de uma vedete, um tenor mexicano, uma rumbeira cubana, um conjunto musical carioca, dentre outras atrações. Revista Amazônia, ano 4, n. 38, fevereiro de 1958. Coluna “Rádio”. 35 Seu produtor geral de programas, J. Barroso, proveniente de Minas Gerais, atuou na emissora entre 1954 e 1957, após o que foi remetido ao seu estado natal pela rede associada. 36 É o caso dos locutores baianos cuja despedida foi noticiada pela imprensa local em 1956. Revista Amazônia, ano 2, n. 16, abril de 1956. 37 Para Azevedo, os programas de rádio sempre foram pautados na reação do público ouvinte e na fórmula de sucesso já empregada, ambos orientados pela lógica do mercado. AZEVEDO, Lia Calabre de. Op. Cit., p. 256-257. 38 Aqui entendido como construção midiática, equacionada pela sociedade abrangente. O público dos meios de comunicação é formado a partir de padrões de gosto e de consumo estipulados na sociedade num dado contexto histórico. Ver ROCHA, op. cit., p. 23. 39 Revista Amazônia, ano 1, n. 05, maio de 1955. Coluna “Aqui se fala de rádio”. 40 Idem, ano 2, n. 15, março de 1956. Coluna “Aqui se fala de rádio”. 41 Idem. Ibidem.
emissora.42 Esta valorização estava, na verdade, calcada no papel ativo dos espectadores como “sujeito[s] capaz[es] de alterar o curso da programação, capaz de, seja gritando, aplaudindo ou vaiando, realizar processos evasivos vetados em outros gêneros de produção cultural”.43 A programação musical, portanto, desempenhava este papel de termômetro do sucesso geral da emissora, em grande parte, pelo contato próximo entre os artistas e o público. Os programas musicais do Rádio Clube e da Marajoara tinham, na maioria, uma orientação para a diversão e o entretenimento. Exemplo disso é a atração “Cocktail de Ritmos”, transmitida em 1955 pela PRC-544 e que contava com o quadro humorístico “Travessuras de Pinduca”.45 O contrário também era possível. O programa humorístico “Cidade do Barulho”, também da PRC-5, reunia comediantes, cantores e jazz orquestra.46 Entre os diversos ritmos musicais presentes nestes programas, os boleros47, os ritmos dançantes latinos48 (especialmente o mambo e a rumba) e as variações do samba (chorinho, marchinha, samba de roda, samba canção) tinham a preferência do público. Estes eram apresentados não só como repertório de programas, mas como fundo musical dos anúncios comerciais. A popularidade destes estilos musicais pode ser deduzida da ênfase da imprensa local no sucesso de seus artistas representativos. A cantora Geruza Sousa, por exemplo, era comumente apresentada nas páginas da Revista Amazônia como típica intérprete do samba no cast da PRC-5.49 O mesmo ocorria com Ary Lobo, sempre apresentado na programação da C-5 como o “cidadão samba”. Outros artistas eram classificados como seresteiros, românticos, rumbeiros etc. Estes enquadramentos das atrações musicais atendiam não só ao repertório de preferência dos artistas, mas também ao perfil musical dos programas das
42 Referência importante neste tema é o estudo de João Batista Borges Pereira sobre o negro no rádio paulista nos anos 1950 e 1960. O autor aborda o fenômeno da revelação de cantores e radialistas entre negros e mulatos pobres que frequentavam programas de calouros no período. Ver PEREIRA, João Batista Borges. Cor, Profissão e Mobilidade – o negro e o rádio em São Paulo. São Paulo: Pioneira, 1967. 43 GOLDFEDER, Miriam. Por trás das ondas da Rádio Nacional. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980, p. 144. 44 Revista Amazônia, ano 1, n. 06, junho de 1955. Coluna “Aqui se fala de rádio”. 45 Que não era referência ao músico e cantor de carimbó que se tornou nacionalmente conhecido como divulgador deste gênero musical nos anos 1970. O nome do quadro humorístico se refere a um personagem infantil do ator Mário Barradas. 46 Idem, ano 1, n. 08, agosto de 1955. 47 Lenharo fala em “sucesso avassalador do bolero mexicano” no início da década de 1950 no Rio de Janeiro. LENHARO, op. cit., p. 74. 48 Tango argentino, rancheira mexicana e guarânia paraguaia também faziam sucesso em rádios cariocas nos anos 1950. LENHARO, op. cit., p. 146. 49 Idem, ano 2, n. 21, setembro de 1956.
emissoras. Programas com músicas mais ou menos dançantes, com conteúdo mais romântico ou mais humorístico, se baseavam na apresentação de artistas emblemáticos, representativos da atração. Isto era certamente definido pela tradução que os produtores de rádio tinham das expectativas do público, conforme as manifestações nos auditórios, nas apresentações dos cantores fora das emissoras e nas cartas enviadas pelos ouvintes às estações. A importância deste intercâmbio era destacada não só pelos produtores de rádio da época, mas também por jornalistas interessados no “sem-fio”. Nivaldo Frazão, autor da coluna de rádio da Revista Amazônica em 1957, por exemplo, se colocava à disposição do leitor tanto para responder perguntas quanto para receber críticas.50 A ação combinada da imprensa e dos produtores de rádio visava tornar mais efetivo este intercâmbio com o público, algo sempre alardeado nas páginas de colunas sobre rádio, especialmente no caso das atrações musicais. Exemplo deste intercâmbio é reportado pela coluna “Rádio” da Revista Amazônia de março de 1958 (ano 4, n. 39), que informava terem os fãs que frequentavam o auditório da Rádio Marajoara cognominado o conjunto musical “Os Iguanos” de “Campeões”. O relato foi aproveitado na coluna em favor da promoção do conjunto, pois seguia a matéria apresentando o perfil dos músicos. Além disso, um registro frequente da coluna sobre rádio da Revista Amazônia era o balanço de apresentações de cantores e conjuntos musicais de fora (do estado e do país) ao longo do ano. Isto era normalmente divulgado no final de cada semestre e servia como uma forma de medir o empenho (ou falta dele) das emissoras locais no atendimento da suposta expectativa do público local quanto às apresentações musicais. Quanto mais “espetáculos de linha” ou de “grande estilo”, isto é, quanto mais famosos os “cartazes” nacionais e estrangeiros trazidos à Belém, mais os diretores das emissoras ganhariam “a simpatia e a confiança” do público e dos profissionais de rádio locais.51 O objetivo claro dessas iniciativas de mobilização de público em torno de apresentações de estrelas nacionais e internacionais seria, na verdade, alinhar-se com o padrão de programação e de repercussão das grandes emissoras do país. Por isso foi tão festejada pela Revista Amazônia a criação do primeiro fã-clube52 da
50 Idem, ano 3, n. 39, outubro de 1957. Coluna “Rádio”. 51 Revista Amazônia, ano 4, n. 41, maio de 1958. Coluna “Rádio”. 52 Sobre o funcionamento dos fãs-clubes de cantores do rádio nos anos 1950 ver TINHORÃO, op. cit., p. 75-83. Lenharo afirma que o fã-clube era um meio de “disciplinar o assédio do fã”. Suas funções primordiais eram: dar contribuições em dinheiro mensais ao clube, buscar acompanhar as apresentações do ídolo, defendê-lo de fãs de outras estrelas, comportar-se como membro da família de fãs da estrela. LENHARO, op. cit., p. 142.
cantora Ângela Maria em março de 1956. A “crescente popularidade” da estrela da música no “extremo norte” foi atribuída pelo autor da coluna sobre rádio às duas excursões por ela feitas à Belém em 1956, o que teria aumentado “da noite para o dia” seu número de fãs paraenses.53 O fã-clube contaria com o apoio direto das emissoras locais de rádio: alguns dos seus artistas atuariam mesmo como padrinhos do fã-clube, que poderia ser batizado com o comparecimento de Ângela Maria num evento das emissoras locais. Mas o batismo com a presença de Ângela Maria não ocorreu (já que não foi noticiado), talvez por conta da competição entre as emissoras pelo privilégio de realizá-lo. De fato, os eventos musicais das emissoras eram estratégicos para a ampliação de sua popularidade e para a maior aproximação do público com os produtores radiofônicos. Desde os anos 1940 que o Rádio Clube promovia no programa “Navio Escola”, um concurso de calouros que contribuía para o ingresso de muitos novos cantores, músicos e radioatores na emissora.54 Eram também comuns concursos que envolviam as emissoras e que ritualizavam a concorrência pelo público (e pelos anunciantes), através das figuras de proa das programações: cantores, músicos, locutores, radioatores etc. É o caso do concurso de “Miss Imprensa e Rádio” de 1955, promovido pela Associação dos Desportos Recreativa Bancrévea. O evento foi organizado como um baile no Pálace Theatre, em que se fizeram presentes os candidatos dos órgãos de imprensa e das emissoras de rádio.55 Concursos como esse claramente se inspiravam naqueles que envolviam os artistas das emissoras do Sudeste. Eram frequentes as notícias na imprensa local da época sobre o resultado de concursos dos “melhores do rádio carioca”.56 Em 1956, a Associação de Rádio do Pará (ARP), fundada no ano anterior, promoveu o primeiro concurso de “Rainha do Rádio do Pará”, declarando na imprensa que tudo seguiria “os moldes (...) do certame que se realiza na capital do país, anualmente”.57 Mas uma peculiaridade deste concurso, nos seus primeiros anos, foi ter a competição envolvido cantoras, locutoras e radioatrizes. A divulgação dos resultados anunciava as vencedoras como “radialistas”, de modo a cobrir todas as suas pos-
53 Idem, ano 2, n. 15, março de 1956. Coluna “Aqui se fala de rádio”. Há aqui correspondência com o argumento de Michel de Certeau, de que o espectador-observador compreende que as criações dos meios de comunicação são aparências, mas ele se inclina, ao mesmo tempo, a tratá-las como expressões reais. CERTEAU, op. cit., p. 289. 54 VIEIRA; GONÇALVES, op. cit., p. 57. Programa apresentado pelo radialista Lourival Penalber. Segundo as autoras, o programa era realizado, de forma itinerante, na sede de clubes esportivos da cidade, já que a emissora ainda não tinha auditório. 55 Revista Amazônia, ano 1, n. 11, novembro de 1955. Coluna “Aqui se fala de rádio”. 56 Idem, ano 2, n. 13, janeiro de 1955. Coluna “Ronda Musical”. 57 Idem, ano 2, n. 21, setembro de 1956. Coluna “Aqui se fala de rádio”.
sibilidades de atuação profissional no rádio. Além disso, os profissionais da imprensa local eram os eleitores que definiam o resultado destes concursos, diferentemente do que ocorria no concurso da Rádio Nacional à época, no qual os votos das candidatas eram pagos por empresas privadas, muitas delas patrocinadoras da própria emissora.58 O resultado do concurso era apresentado num baile organizado pela ARP, no qual todos os ingredientes de uma aura “aristocrática” e de “realeza” eram destacados e, posteriormente, ressaltados na divulgação da imprensa. Os relatos da imprensa local mencionam a “coroação de Sua Majestade”, a “Rainha” do rádio; a presença de “graciosas princezas”; os “aristocráticos sorrisos”, tudo isso justificado pelo decantado propósito do concurso de “angariar meios para a construção de um hospital para os radialistas paraenses”.59 Mas para além dos “nobres propósitos”, concursos como estes serviam como forma de alavancar a carreira de profissionais do rádio. Embora com o campo restrito da atuação de duas únicas emissoras locais na segunda metade da década de 1950, cantores, músicos, locutores e radioatores premiados podiam sonhar com um contrato numa grande emissora do Rio de Janeiro ou de São Paulo. Os títulos de rainha e princesa do rádio, ou de melhor cantor, melhor instrumentista, melhor locutor, melhor radioatriz, dentre outros, serviam para promover o reconhecimento público destes profissionais e, também, para estimular a busca pelo estrelato em escala nacional.60 Havia uma tendência, após a fundação da Marajoara em 1954, que alguns artistas do Rádio Clube buscassem melhor remuneração e maior projeção para fora do estado, seguindo a rede de que fazia parte a emissora “caçula associada”.61 O próprio maestro da PRC-5, Guiães de Barros, e conjuntos musicais como os “Namorados Tropicais”62, transferiram-se para a “Taba”63 nos seus primeiros anos de funcionamento. Mas a movimentação dos artistas de rádio locais se fazia também em outras direções. Seguindo a prática dos artistas Rádio Nacional (e de outras emissoras do sudeste) que faziam excursões periódicas a outras capitais de estado e ao interior
58 LENHARO, op. cit., p. 70. 59 Idem, ano 3, n. 25, janeiro de 1957. Coluna “Aqui se fala de rádio”. 60 Nas grandes emissoras do país, segundo Azevedo, os vencedores de concursos de calouros, de desconhecidos, tornavam-se instantaneamente famosos, “passando alguns a contar inclusive com fãs-clubes”. Ver AZEVEDO, op. cit., p. 238. 61 Já que a rede “associada” promovia apresentações de cantores, músicos e locutores em eventos de outras afiliadas pelo país. 62 Revista Amazônia, ano 2, n. 22, agosto de 1956. Coluna “Aqui se fala de rádio”. 63 Apelido da rede de emissoras associadas na imprensa, em razão dos nomes indígenas de várias emissoras da rede dos Diários Associados.
do Brasil para complementar seus ganhos, cantores e conjuntos musicais paraenses se apresentavam regularmente no interior do estado e em estados vizinhos. A “melhor cantora de 1956”, Carmem Silva, foi convidada em 1957 para se apresentar no aniversário da Rádio Poty no Rio Grande do Norte, aproveitando para estender excursão a Fortaleza, onde se apresentou na “Boite Alabama”.64 O conjunto vocal “Namorados Tropicais” fez em 1955 uma excursão a São Luís do Maranhão para se apresentar na Rádio Timbiras.65 Naquele mesmo ano, Ary Lobo, ainda conhecido localmente como “cidadão samba” e contratado da PRC-5, vinha “de realizar uma excursão vitoriosa à vizinha capital maranhense”.66 O grupo musical “Os Iguanos”, do cast da Marajoara, ganhou destaque na Revista Amazônia em 1958 por sua trajetória de sucesso, que incluía apresentações em municípios do interior do estado e no Território Federal do Amapá.67 Outras excursões de cantores e músicos de rádios locais foram realizadas naquele período para apresentações em eventos públicos ou em programas de emissoras locais de outras cidades do norte e do nordeste. Há notícia também de uma excursão de artistas locais ao exterior: a turnê das irmãs Soares (Aline e Alzira), que se apresentaram com o cantor Alberto Yone e o baterista Beroca em um teatro e em programas de rádio em Paramaribo, no Suriname.68 A notícia ganhou destaque na Revista Amazônia, informando que os artistas foram recebidos pelo público estrangeiro como embaixadores do samba brasileiro no exterior. A notoriedade dos cantores e músicos de sucesso das grandes emissoras brasileiras havia sido capitalizada pelos artistas do Rádio Clube, anunciados na imprensa local como representantes do samba brasileiro naquela viagem. Mas não eram comuns turnês de artistas de rádio paraenses com destinos internacionais. Cantores e músicos locais tendiam a circular mais pelos municípios do interior do estado e se apresentavam habitualmente nos palcos dos auditórios de rádio da cidade e de lá seguiam para os clubes e os teatros. Sua atuação era comumente ofuscada pelas visitas dos cartazes nacionais de sucesso, cuja presença na cidade era sempre reclamada pela imprensa local da era do rádio.
64 Revista Amazônia, ano 3, n. 36, dezembro de 1957. Coluna “Rádio”. 65 Idem, ano 1, n. 5, maio de 1955. Coluna “Aqui se fala de rádio”. 66 Idem. Ibidem. 67 Idem, ano 4, n. 39, março de 1958. Coluna “Rádio”. 68 Idem, ano 3, n. 36, dezembro de 1957. Coluna “Rádio”.
CONEXÕES ENTRE O NACIONAL E O LOCAL
Os diferentes campos de abrangência do broadcasting nacional e local compunham, no terreno das atrações musicais, uma mesma cadeia de sistema estelar, no ponto de vista dos ouvintes e frequentadores de auditórios de rádio. Esta conexão concebida pelo público garantia o surgimento de estrelas locais da música que, por sua vez, eram promovidas pelo rádio de acordo com a fórmula de sucesso estipulada pelas grandes emissoras do sudeste (e em particular, pela Rádio Nacional). O sucesso da chamada “côr local” na programação musical de rádio pode ser considerado, a partir dos exemplos aqui apresentados, como extensão regional do repertório da cultura de massa veiculado pelo “sem-fio” por todo o país. Isto, particularmente, é aqui observado a partir do registro jornalístico, que cobria os acontecimentos correntes no meio radiofônico local. Muitos jornalistas eram ligados a produtores, empresários e artistas do rádio paraense. As entrevistas estampadas na coluna de rádio da Revista Amazônia, durante toda a sua existência, atestam estas ligações e o comprometimento jornalístico com o desenvolvimento do “sem-fio” local.69 Mais do que isto: relatos e opiniões jornalísticas sobre o rádio paraense refletiam sua interlocução com personagens deste meio, bem como sua visão crítica dos desdobramentos relativos à recepção de programas junto ao público. Jornais e revistas falam de um relativo intercâmbio entre o broadcasting nacional e local pautado em acontecimentos pontuais. No entanto, a conquista de um espaço cativo entre os fãs locais de rádio passava necessariamente pelo desenvolvimento de programação musical compatível com o padrão da que era veiculada nacionalmente. Isto, por seu turno, só seria alcançado com o cumprimento de algumas metas, almejadas por jornalistas e apreciadores do “sem-fio” local, como é possível deduzir das fontes discutidas anteriormente. Assim, as emissoras deveriam investir na ampliação do seu raio de alcance, de modo a atingir público maior em escala regional. Isto completaria o necessário esforço dos produtores em organizar programas de “boa qualidade”, o que pode ser traduzido por montagens sonoras e visuais (nos auditórios) bem-feitas e voltadas tanto para programas locais como para cartazes nacionais.
69 Exemplo disto é o compromisso assumido por Nivaldo Frazão, ao tornar-se responsável pela Coluna “Rádio” da Revista Amazônia, em outubro de 1957 (ano 3, n. 39): “(...) O nosso desejo ao assumirmos o compromisso de elaborar esta página, foi o de sermos o veículo, de darmos a nossa colaboração para o crescimento do rádio paraense. (...)”.
Outra meta importante era a valorização do intercâmbio entre produtores de rádio e público ouvinte, por meio da recepção de cartas, da realização de eventos em auditórios e do atendimento das expectativas do público em termos da programação musical. Neste último aspecto, a programação musical bem-sucedida deveria destacar os ritmos e cantores de preferência do público. As estrelas produzidas nas emissoras locais podiam tornar-se cartazes ocupando um espaço entre o modelo das grandes estrelas nacionais e a singularidade de suas performances e talento musical.70 Com isso, o surgimento de estrelas da canção popular na “Era do Rádio” paraense seguia um percurso à margem, mas conectado à lógica do broadcasting nacional. Este era um terreno comum tanto para os que atuaram unicamente nos microfones locais, como para os que (como Ary Lobo, Zilda Ferreira, Carrapêta e Sacy), saídos das rádios locais, tentaram o sucesso nas emissoras do Sudeste.
70 Um exemplo é o conjunto “Namorados Tropicais”, formado na PRC-5 no início dos anos 1950 e depois transferido para a Rádio Marajoara. O perfil do conjunto vocal de cinco integrantes foi sempre associado pela imprensa local (e pelos próprios artistas) a outros conjuntos vocais de sucesso como “Demônios da Garoa” e “Os Cariocas”. Informação obtida em entrevista com o cantor Tácito Cantuária, ex-integrante dos Namorados Tropicais. Entrevista realizada em 04 de dezembro de 2010.