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4º Domingo de Advento (18-12-05) – Rm 16
from Proclamar Libertação 31 - 2005-2006
by Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
“Mas os seus não o receberam” – aqui temos a tragédia do Natal. O Logos era como alguém que retorna para casa, e agora seus próprios familiares fecham-lhe a porta. Será que a verdadeira luz resplandece em vão?
Não. Há pessoas que o “recebem”. “Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus...”. Eis aí a chance do Natal. Cada um de nós pode “ver” essa luz e agarrar com alegre avidez essa “vida”, acolhendo aquele do qual e para o qual ela foi criada. “E Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai.” Assim, Deus revelou-se genuinamente. Tornouse verdadeiramente um de nós, numa solidariedade plena.
Essa é a história do Natal no horizonte do pensamento do Evangelho de João, a qual Mateus e Lucas descrevem de uma maneira bem diferente: plástica e concretamente como nascimento de uma criança em circunstâncias dramáticas. Onde os outros evangelhos nos oferecem figuras e imagens para ver e contemplar, nós achamos em João termos teológicos e filosóficos. João deixa de lado tudo o que Mateus e Lucas informam sobre o nascimento e a infância de Jesus. Por quê? Isso já é do conhecimento da igreja. Mas ainda não é essencial e decisivo, que deve ser dito sobre o mistério da pessoa de Jesus. É preciso circunscrever mais ainda o mistério da pessoa de Jesus Cristo, sua natureza e sua importância.
No fundamento de nossa religião está, pois, a doutrina da encarnação. E o motivo para festejar o nascimento de Cristo não veio de fora, mas surgiu de reflexões cristãs sobre o significado teológico do fato salvífico de que Deus se tornou gente em Cristo e se humilhou, a ponto de descer até nós e igualar-se conosco.
2 Cremos em Jesus Cristo, o Deus humano
Tema básico da teologia luterana são Deus e o ser humano em seu relacionamento mútuo: Deus, manifesto em Jesus de Nazaré, e o ser humano, salvo unicamente por causa de Cristo. Cristo personifica a graça de Deus. Em Jesus Cristo, Deus abre seu coração para nós. Jesus Cristo é o Deus por nós, que quer entrar no todo de nossa existência. Enquanto a nossa tendência é buscar a própria divinização, a tendência de Deus é a valorização do humano.
3 O poder de Deus na fragilidade do mundo
“Deus é grande demais para poder passar pelas portas do templo. Aliás, Ele nem cabe no templo, nem em qualquer catedral, igreja ou capela. Por
causa disso, as pessoas só podiam crer que Ele morasse numa alta montanha distante, como o Sinai, ou mesmo na imensidão do céu.
“Deus, porém, quis revelar-se, mostrar-se, chegar perto de suas criaturas, pois as amava. Apesar de sua desobediência, apesar de seu pecado, apesar de sua maldade, Deus amava e ama profundamente as suas criaturas. Já não podia ver seu sofrimento, nem ouvir o seu clamor. Por isso, desceu. E desceu tanto que se foi revelando nas coisas fracas, frágeis, insignificantes.
“Subitamente já não estava na alta montanha. Estava numa sarça, num pequeno arbusto que quase não se notava. Estava numa brisa leve, quase inaudível. Estava no chão do sofrimento, em meio a escravos e escravas de costas lanhadas pelos chicotes. Estava no deserto, caminhando com seu povo, por muito, muito tempo, até chegar na terra prometida.
Contudo, esse Deus queria chegar ainda mais perto das pessoas. Tão perto, a ponto de tornar-se um igual. Igual a quê? Igual ao ser humano mais sofrido e triste que pudesse existir. E, então, se fez carne! Armou uma tenda no meio de nós. Fez-se imagem de ser humano...
“Mais tarde havia uma cruz, numa cinzenta tarde de sexta-feira. Pregado nela, alguém gritava desesperado: ‘Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?’. E morreu, frágil, banhado em sangue e dores. Emanuel!
“Na manjedoura e na cruz, Emanuel, Deus conosco. Para sempre, Deus conosco. Grande demais para caber num templo. Pequeno e frágil como uma criança recém-nascida. É difícil entender um Deus assim. É difícil compreender um amor tão grande. Mas é assim o nosso Deus, Emanuel. O seu poder se torna forte nas coisas fracas e pequenas. Ele está presente nas pessoas fracas e pequenas, nas crianças, nos pobres, nos sofridos. Solidário.
“Assim é Natal: o poder de Deus na fragilidade do mundo!
“Por isso, Glória a Deus nas maiores alturas, e paz, paz na terra, paz entre os seres humanos a quem Ele tanto ama. Emanuel”. (P. Dr. Carlos Dreher em: A Palavra da Vida, faz escuro, mas eu canto, pp. 25-26).
4 Pistas para a prédica
Os vv. 11 e 12 do primeiro capítulo de João são uma possibilidade muito significativa de desenvolvimento da prédica. A primeira parte do v. 11 –“veio para o que era seu” – fala do milagre do Natal. O primeiro a cumprir o mandamento do amor ao próximo é o próprio Deus. A Bíblia apresenta Deus como uma pessoa boa. Pessoa generosa, grande em misericórdia. Ligeira para nos acolher e perdoar e demorada para se irritar conosco. Interessa-se por nossas dores, canseiras e mortes. Muito fiel com a gente. Preocupa-se conosco. Cuida de nós. Perdoa-nos. Acolhe-nos. Um salmo diz: Deus tem compaixão e muito amor. Ele é bondoso e fiel (Sl 86).
Em Jesus Cristo, Deus se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade. A luz brilha na escuridão. Deus procura a sua criatura. Procura-nos em nossas dúvidas. Em Jesus de Nazaré, o amor de Deus torna-se pessoa humana, gente. Esse amor traz ânimo aos cansados, esperança aos desanimados, solidariedade aos aflitos e injustiçados. Visões podem tornarse realidade.
A segunda parte do v. 11 – “e os seus não o receberam” – fala da tragédia do Natal. O amor de Deus é rejeitado. Não há lugar para o Filho de Deus neste mundo. Jesus vem ao mundo numa estrebaria e, no final, é crucificado. Estrebaria e cruz marcam a vida de Jesus.
Acontece que não queremos mudar para mais amor e justiça. Priorizamos o egoísmo. Tememos o risco do verdadeiro amor. A fome de muitos e a abundância de poucos, a nossa indiferença e a nossa incapacidade de nos deixar envolver por esse amor de Deus mostram que o Natal é festejado, mas não assimilado.
A partir da Bíblia, a inclusão é um princípio básico para o relacionamento humano. O espaço terrestre, o espaço da vida, é o espaço do crescimento, da troca, da evolução. Nesse espaço há lugar para todas as pessoas, com suas virtudes e deficiências. Negar esse espaço a alguém significa negar a possibilidade de uma vida mais ampla, mais plural, mais significativa para todo o mundo.
A globalização prometeu o fim da miséria. Prometeu trazer bem-estar às nações e ao mundo. Mas o que vemos é que ela divide o mundo, suscita novas guerras e retaliações e produz mais pobreza ainda. A globalização está destronando o mundo. É preciso que o nosso planeta terra seja um espaço aberto de todos e para todos. Nele não pode haver discriminações sociais, raciais, religiosas e culturais. Só podemos clamar: Deus, em tua graça, transforma o mundo!
Há forças que querem destruir em nós a capacidade de sonhar o sonho de Deus. Querem nos fazer acreditar que o mundo não tem jeito para que, sem ânimo e sem alento, aceitemos passivamente os fatos.
O v. 12 – “Mas, quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus...” – fala da chance do Natal. Tudo pode ser mudado. A miséria humana não é irreversível. Também nós podemos mudar para mais amor e mais justiça. Bondade, amor, justiça, paz, salvação são possibilidades concretas. A verdadeira luz brilha. Não nos deixemos, pois, enjaular pela desesperança e nem pelo desespero.
Somos desafiados, isto sim, a viver o Natal com intensidade. Vamos compartilhar abraços solidários, vamos celebrar o Natal com luzes, glórias e aleluias. Cantos abrem espaços em torno do coração. Novos horizontes se abrem. O entusiasmo e o acendimento ajudam-nos a olhar para frente.