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Ensaios para a apresentação no Centro de Ars Santa Mônica

Ensaios para a apresentação no Centro de Ars Santa Mônica

Entre este borbotão de ideias e vontades havia um inimigo tirano, o tempo. E dentro do curto tempo de experimentações, era necessário definir uma forma para a apresentação no Centro de Ars Santa Mônica, em Barcelona, que abriu suas portas para que pudéssemos apresentar nosso processo de residência.

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Optamos por um experimento tecnologicamente simples, mas dramaturgicamente complexo em que a interface proporcionada pela tecnologia de streaming de video e dispositivos audiovisuais, através de câmeras de vigilância e vídeo projetores, conectaram em um mesmo espaço físico cênico 4 performers (Andrea Melissa Salvador, Cinthia Mendonça, Thiago Hersan e Virginia Maria) que se encontravam distantes. São Paulo, Rio de Janeiro e Barcelona contracenaram em um mesmo espaço físico, rompendo não somente o espaço, mas também o tempo. Cinco horas de diferença no relógio complicavam tanto os ensaios quanto a apresentação e exigiram um esforço maior da equipe. Os ensaios, que deveriam ser realizados em horário comercial na Espanha, significavam, para os performers no Brasil, encontros entre 5 e 7 da manhã, evitando atrapalhar seus horários pessoais de trabalho. Essa fusão de tempos e espaços é traduzida no trabalho, onde a investigação sobre a qualidade de presença, ou da possibilidade de se criar presenças, começa com a própria equipe e desafios para concretizar o trabalho. Diferentes sotaques, humores, temperaturas, ambientes, personalidades, tempos. Assim o trabalho foi conceitualizado, executado e reverberado dentro da proposta poética do trabalho.

Os ensaios com os atores buscavam a qualidade da presença que não era fisicamente presente. A princípio, pensou-se em ações espetaculosas e mágicas, mas verificamos que eram os movimentos

cotidianos e simples os que mais tinham a capacidade de empatia com outros que não dividem espacialmente o mesmo lugar. Havia alguns jogos dramatúrgicos e truques, como Virgínia passar uma maçã para Cinthia, ou chamar o público como se esse chamado se destinasse a uma pessoa, utilizando “psiu, ei você”, por exemplo. Mas eram apenas algumas ações, todas as outras tentavam buscar essa precisão de movimento, um agir com muita verdade. Buscava-se o gesto pessoal de cada ator que ia ser capaz de detonar algo interno para transmitir algo concreto, afetuoso e verdadeiro. Foram pesquisadas imagens genuínas e cativantes que contivessem essas bases.

Havia uma necessidade da figura centralizadora de Cinthia como diretora, principalmente porque os atores não puderam ter uma visão geral da performance. O espaço de representação dos performers se limitava ao espaço que suas câmeras eram capazes de captar a partir de uma perspectiva fixa, assim como seu espaço de retorno sobre a cena era limitado aos pequenos quadrados de imagem relativos as câmeras dos outros performers. Se durante sua cena, o performer olhava para os outros performers significava que não estava conectado com sua própria cena, ou seja, os performers eram sempre impossibilitados de possuir uma visão geral das cenas. A única visão que os atores possuíam era a da perspectiva do streming, que de alguma forma dava uma ideia do espaço.

Thiago Hersan, em entrevista para este projeto, relembra algumas situações curiosas. Na época, o performer dividia o apartamento com uma amiga, que por vezes acordou de madrugada e o encontrou passando batom e colocando uma meia arrastão em frente ao computador, algumas ações de sua cena. Outra vez, percebeu que seu vizinho o observava varrendo a sala vestido de mulher, enquanto tomava o café da manhã às cinco da manhã.

O deslocamento do local de ensaio de um lugar próprio para o local privado requer atenção e foco redobrados na incorporação da cena. Romper a rotina do ambiente caseiro demanda também dos que circulam por este ambiente uma forma de

participação, seja ao ignorarem o companheiro com quem divide o apartamento ao se maquiar na frente do computador de madrugada, seja com ações mais simples, como não atender um telefone próximo, manter o som da televisão baixo, entre outras privações. No local privado, há as interferências comuns a esse lugar, que não cessam completamente por alguns ensaios.

Ademais das interferências, há outros fatores que demandam da performer maior força de presença. Um desses fatores são os problemas técnicos. Pelo menos 40 minutos diários eram dispensados para resolver: rede de internet, câmera, áudio, conexão com o sistema. Cada um com um computador e sistema operacional diferentes, com provedor de internet e velocidade de banda distintos, e a maioria usuários comuns de tecnologias digitais. Era necessário um tempo até descobrir e sanar os problemas.

Problemas técnicos resolvidos, todos se comunicando, começava o ensaio, mas antes, era sempre necessário um tempo até que cada um se encontrasse diante da câmera. Tenho a sensação de que não importa o quão acostumados estejamos a ver nossa imagem diante de câmeras, parece sempre que o reflexo da própria imagem traz consigo certa magia e estranhamento.

Quando trabalhamos com uma equipe que não está presente fisicamente, temos outro tempo de preparo do ambiente. Quando chegamos a um espaço de trabalho, cumprimentamos as pessoas, damos bom-dia, perguntamos como vai a vida, um certo papo furado que nos prepara para começarmos o trabalho. Quando trabalhamos em rede, não é diferente, mas existem ruídos durante esse intervalo que começam pela resolução dos problemas técnicos mencionados e vão para os auto-ajustes de câmera e uma curiosidade natural em saber quem são seus colegas de trabalho – dentro desta equipe, até o presente momento, algumas pessoas ainda não se conhecem pessoalmente.

Thiago foi o único homem a participar do projeto. Sua participação se deu ao insistir com Cinthia, que dirigiu o projeto, para ter algum tipo de