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Desfolhada
por José Händel de Oliveira
Havendo necessidade de trocarmos impressões sobre o tema de Direito Criminal – Punição do Concurso de Infracções, sobre o qual o nosso Professor Eduardo Correia fizera um estudo denominado “Pena Conjunta e Pena Unitária”, reuni-me com dois colegas, no café Internacional, um dos poucos cafés da Baixa de Coimbra, em que era permitido estudar. A nós, juntou-se pouco depois o Dinis, numa altura em que fizemos um pequeno intervalo no estudo e em que discutíamos o que se tinha passado com a Simone de Oliveira, que representar Portugal no Festival da Eurovisão e na qual muitos portugueses mantinham a esperança de uma boa classificação, não só porque aquela cantora era uma estrela no mundo do espectáculo, mas também porque a canção denominada “Desfolhada”, era tida como muito boa. Contudo as coisas não decorreram nada bem. Os críticos espanhóis denegriram a canção com o argumento de que em castelhano, desfolhada significa desflorada – mulher que perdeu a virgindade. Depois Simone actuou adoentada, embora para nós tivesse cantado muito bem. Porém, a votação foi catastrófica e ficámos muito mal classificados. Apesar disso e em desagravo, milhares de fãs da Simone, vitoriaram-na à chegada a Lisboa e em sinal de protesto não nos fizemos representar no Festival do ano seguinte. Interrompeu-nos o Dinis que disse: Já que estamos a falar da desfolhada, vou-vos contar o que me aconteceu nas últimas férias de verão. Depois de jantar, como de costume, fui ao encontro de antigos colegas da escola que sentados na borda de um grande tanque existente à frente da então Fábrica de Tecidos da Carreira, onde jorrava de um cano metálico, uma fresca água vinda de uma mina ali perto e que nos consolava, conversávamos sobre os mais diversos assuntos que iam desde o futebol e o ciclismo até às “conquistas” que cada um dizia que fazia. Quando eu cheguei, um deles avisou que na casa de lavoura do Sr. Francisco de Caparim, ia haver uma desfolhada, pelo que decidimos ir até lá. Quando chegámos fomos bem recebidos pelo Sr. Francisco, a quem interessava que houvesse muitas mãos a trabalhar. Na eira, iluminada por petromaxes, formou-se uma grande roda de homens e mulheres, sentados no chão ou em pedras, mais ao menos encobertos pelos molhos canas com espigas que o lavrador ia distribuindo por todo o espaço. Procurei sentar-me onde tivesse uma boa companhia e ao lusco-fusco divisei uma jovem bonita e elegante. Pedi licença para me sentar ao lado dela ao que me respondeu com um sorriso e perguntou-me o meu nome. Disse-lhe que era o Dinis que significava o enviado de Deus. Ela riu-se com vontade e exclamou: Não me diga que foi Deus que o mandou para o pé de mim? Ao que eu respondi, já bem pertinho dela e aspirando-lhe o suave perfume que exalava: Não há dúvida que Deus me guiou até à sua beleza, à sua elegância, aos seus lindos olhos azuis e ao seu cabelo cor de ouro que preso no pucho lhe fica muito bem. Ela, pareceu-me que corou, mas bem-disposta, disse-me: Já que sabe o significado dos nomes, diga-me o que significa o meu que é Armanda? Significa que deve ser amada. Ela ficou sem palavras, mas à medida que íamos metendo as espigas no cesto as nossas mãos começaram a tocar-se e depois, a agarrarem-se durante alguns segundos. Encantado como estava, continuei a fazê-la rir-se, contando-lhe algumas das partidas que os estudantes faziam em Coimbra.
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Subitamente, o Sr. Francisco bradou bem alto: Vamos fazer um pequeno intervalo, para beberem uma caneca de vinho verde e provarem o chouriço assado, as iscas de bacalhau e outras especialidades que a minha cara-metade preparou. Toda a gente se levantou. A minha mão segurava a da Armanda. Deslocamo-nos para trás de uma meda de palha, abraçamo-nos e beijamo-nos demoradamente até que ela se afastou um pouco e disse: Dinis, não diga a ninguém o que se passou. Olhe que eu tenho namorado. Não me estrague a minha vida. Disse-lhe que estivesse descansada, mas ainda lhe perguntei se tinha gostado de estar comigo. Ela não proferiu uma palavra, mas envolveu-me o pescoço com os seus braços roliços e deu-me um amoroso e grande beijo, deixando-me na boca um delicado sabor inesquecível.
Quando recomeçou a desfolhada, reparei que ao lado da Armanda já se sentara uma matrona. Assim, disse aos meus companheiros que não me estava a sentir bem, dispensei a sua companhia e caminhei para casa, revendo aquela noite maravilhosa.
Ouvimos o Dinis com toda a atenção e no final um disse: Dinis, tu ainda sabes pouco de Direito Criminal, mas és um sortudo.