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CULTURis elogia Guimarães Património da Humanidade

CULTURis elogia Guimarães Património da Humanidade

Isabel C. Viana CIEC, Instituto de Educação, Universidade do Minho

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Nota de abertura

Sinto-me muito hesitante, sem saber por onde iniciar para poder acabar. É com muita seriedade e vontade de dizer, mesmo que com a amargura de não ter ido muito para além da ideia, que procuro organizar um registo em torno do CULTURis com a objetividade que me é permitida e com vontade de responder a mais um desafio com história de OsmusikéCadernos3 e cantar Guimarães com letra de vivência. CULTURis é uma ideia-projeto que nasceu em 2010 e começou a ganhar visibilidade em 2011. Uma ideia que iniciou ao percebermos que era muito bom e quão claro estava a convicção do seu contributo para construir o ser bom viver em Guimarães, com a amizade que sentíamos pela cidade e as suas gentes. A permitirem-nos ser parte sem culpa, antes com gratidão, com reconhecimento de valor da generosidade que descobríamos em cada lugar sempre carregado de história. É apaziguador pensar o quanto aquela generosidade nos libertou de tantos receios, talvez até de sentimentos de derrota impostos por tantas rivalidades em que tropeçamos ao revelarmos o CULTURis. Sentimentos estes que nos levaram a pensar o CULTURis como mensageiro de uma missão misteriosa repleta de humanidade, que nos encheu de júbilo e esperança. Tratou-se de um Projeto muito apreciado pela Vereadora da Educação da Câmara Municipal de Guimarães de então, Francisca Abreu, que prontamente o procurou mobilizar no Quadrilátero, embora sem eco. Aproveito para deixar uma palavra em jeito de elogio à Dr.ª Francisca Abreu que, de forma repentina, iniciou uma viagem pela eternidade. É com dificuldade em aceitar esta viagem repentina que procuro agarrar memória no património imaterial que canta Guimarães e que assegurou a possibilidade do CULTURis nascer num espaço pátrio repleto de simbolismos vários à escala de elevação a Património da Humanidade pela UNESCO.

No recorte de memória que constitui este registo, procuro ir além de tantas “outras pobrezas” e descobrir lições aprendidas, sem palavras, ao pensar o tempo de tão boa vontade e descoberta curiosa, isto é, o tempo CULTURis. Agora, com o propósito de cantar Guimarães através deste OsmusikéCadernos3, que constitui mais um desafio poderoso, agora para celebrar e afirmar 20 anos de elevação do Centro Histórico de Guimarães a Património da Humanidade pela UNESCO.

Motivação CULTURis

No âmbito do CULTURis, a Universidade do Minho envolveu diversas áreas do conhecimento, representadas na constituição de uma equipa multidisciplinar que integrou investigadores provenientes da Escola de Engenharia e do Instituto de Educação. A coordenação científica foi assumida por Isabel C. Viana (Departamento de Estudos Curriculares e Tecnologia Educativa, Centro de Investigação em Educação) e por Ricardo J. Machado (Departamento de Sistemas de Informação, Centro de Investigação Algoritmi). Para o realizar propôs-se uma parceria com a Câmara Municipal de Guimarães, com intenção de potenciar os princípios que regem uma Cidade que se propõe Criativa e Inovadora, capaz de contribuir para a nação/sociedade do conhecimento. Este entendimento legitimou-se na integração do saber teórico e da experiência vivida/prática, enquanto espaço valioso e atrativo para as empresas, para os espaços culturais/formativos/de solidariedade social e para os habitantes do município, através do recurso às tecnologias do intangível para tornar tangível os conceitos Cidade Criativa e Cidade Educação. Para dar conta da intenção que acima se enunciou, o CULTURis propôs dotar as cidades/municípios de meios para responder às suas responsabilidades no plano educativo, cultural, tecnológico, da ciência e do empreendedorismo, de forma partilhada, crítica, inovadora e inclusiva, entendidas como parte de um sistema organizacional, onde o processamento do conhecimento, da informação, a produção de bens e serviços surgissem interligados, para promover o desenvolvimento sustentável das cidades/municípios e capaz de reinventar o espaço público.

Objetivos CULTURis

Guimarães, enquanto “espaço e tempo pátrio” envolto de simbolismos vários, constitui uma força cultural simbólica com projeção universal que reclama responsabilidades várias, nomeadamente as que advêm de ser cidade Património da Humanidade; as que derivam da necessidade de

responder aos princípios que estão associados ao facto de ser membro da UCCLA (aberta a cidades com dimensão histórica ou cultural lusófona significativa); as que resultam da vontade de construir o conceito Guimarães Cidade Capital Europeia da Cultura 2012, naquele tempo, muito expectante para a Europa e para Mundo. O CULTURis surgia como contributo significativo para responder a necessidades de uma Guimarães singular confrontada com desafios múltiplos, implicados nos princípios de uma cidade plural, que se propunha criativa, inovadora e líder de desenvolvimento glocal sustentável. Focado em Guimarães e nas suas gentes, nos seus produtos de excelência e na descoberta de formas de evidenciar a sua relevância na vitalidade da cidade/município globalizados, o CULTURis apresentou os seguintes objetivos: - Conceber modelos organizacionais (reference models, ontologies) para suportar o conceito de cidade criativa como espaço relacional privilegiado do desenvolvimento sustentável; - Desenvolver serviços de informação ubíquos para catalisar a criatividade dos cidadãos como agentes ativos na valorização da cultura e da educação criativa na cidade, capazes de reinventar o espaço público; - Promover a utilização de tecnologias de interação digital (human-computer interaction, usabilidade, web 2.0) para estimular o conhecimento, a ciência e mediar o diálogo intergeracional plural; - Desenvolver os conceitos de Cidade Criativa e Cidade Educação como motor de inovação e sustentação da coesão social, cultural e económica, com um sentido de respeito pela diversidade e de defesa dos direitos humanos, capaz de promover o bem-estar dos cidadãos. Surge com o propósito de contribuir para um processo de aprendizagem participatório e colaborativo, usando uma abordagem de “learning-as-a-part-of-a-community” (Barab, Barnett & Squire, 2002), relacionando a resposta local e experiência global e com a vantagem em se constituir mais valia na promoção de um sistema aberto de saberes. Desta forma, constituiu um projeto que se propôs como contributo para a criatividade, a inovação, o desenvolvimento das regiões e para a qualidade e apoio a novos estilos de vida, com visão internacional e em articulação com as políticas de desenvolvimento territorial.

Nota final

O brilho e intensidade do CULTURis consubstanciaram-se, de forma autêntica, em congressos nacionais e internacionais e artigos em coautoria com Ricardo J. Machado, Ana Maria Serrano e Miguel Brito. Em verdade, para Guimarães e para a Universidade do Minho, não galgou para além da inspiração de outros feitos dissimulados entre roupagens com linhas soltas e a falta de financiamento, mesmo que, ao longo do tempo, viesse a mobilizar o interesse de parceiros nacionais e internacionais. Às tensões que se sentiram em espaços municipais, tentou-se envolver o Quadrilátero, constituído por Guimarães, Famalicão, Braga e Barcelos, que não aconteceu por equívocos, quer pessoais, quer científicos ou talvez até de preconceito. As certezas são sempre questionáveis, mas as vontades, quando autênticas, não. O desassossego gerado por inúmeras tentativas de implementação, de autêntica adoção pelo município de Guimarães, fez com que, ao longo dos anos, se fossem costurando diversos subtemas ao CULTURis, fazendo-me pensar e sentir que se gastaram partes de vida que encontramos a descobrir confusamente a melhor oportunidade. Foram criadas muitas narrativas à persistência com sensações únicas de querer um CULTURis vencedor e não vencido. Indiscutivelmente, o CULTURis foi vencedor no ser vontade, no sentir que, de forma inequívoca, foi uma caminhada em progresso e capaz de construir aprendizagem e (re)conhecimento. O CULTURis pretendeu transformar as pessoas e os lugares de vida, sem qualquer tipo de tédio que lhe pudesse ser imposto ou ausência, em ruas cheias de vaidade porque as pedras que compõem a calçada sabem contar segredos e jorrar narrativas com histórias do “Aqui Nasceu Portugal”. Narrativas estas que formam a alma vimaranense e alicerçaram o valor do CULTURis, que nasceu e se ampliou na afirmação da elevação de Guimarães a Património da Humanidade pela UNESCO e, aqui e agora, a celebra. Com júbilo invertido de não ser o que verdadeiramente é e faz acontecer os constructos Cidade Criativa e Cidade Educação, com emoção, que perspetivam ser bom viver em Guimarães, uma realidade construída com e pelas pessoas nos territórios de hoje e amanhã.

Este estado de memória e de vivência não pode deixar de aqui evocar Edgard Morin, “o avô dos franceses”, diria que “avô de todos nós”, que completou 100 anos no passado dia 8 de julho e lançou um livro, em França, intitulado “Lições de um século de vida” (“Leçons d’un siècle de vie”, editora Denoel). Muitos jornais nacionais e internacionais assinalaram o feito e, embora com primazia do Jornal Libération de 8 de julho, são unânimes em referir que Morin, nesta publicação, realça a dificuldade em compreender o presente e a importância da autocrítica para a vida em sociedade. O autor declara o livro como registo de “lições sobre si mesmo”. Este é um registo que nos inspira com a lucidez da cegueira que experimentámos quando nos deixámos levar pela vontade de acreditar que Guimarães, o Quadrilátero, abraçariam o CULTURis. Na altura, em minha opinião, ainda à procura de ressignificar o conceito de território à escala dada pelos quatro concelhos

envolvidos, sem esquecer a conexão autêntica entre eles, que entendo necessitar projetar-se para além dos “naipes políticos” que lideravam os executivos dos quatro municípios. O CULTURis é envolvido por um compromisso público fortalecido com a educação e a cultura, em rodopio tecnológico sofisticado e inclusivo, como bem comum plural e universal. A terminar, uma lição aprendida a partilhar é que, as decisões tomadas hoje no contexto da educação, cultura e tecnologia, terão consequências de longo prazo para o seu futuro. As escolhas importantes, as decisões de hoje, devem ser guiadas por princípios e visões partilhadas de futuros coletivos desejáveis e capazes de, para Guimarães, fazer jus à elevação do Centro Histórico de Guimarães a Património Mundial pela UNESCO, em particular, ao que essa elevação traz e é bom para as pessoas que a habitam e vivem.

Referências Bibliográficas

Barab, S., Barnett, M., & Squire, K. (2002). Developing an Empirical Account of a Community of Practice: Characterizing the Essential Tensions. The Journal of the Learning Sciences, 11 (4), 489–542. Morin, E. (2021). Leçons d’un siècle de vie. Paris: Editora Denoel.

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