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Bandeiras à sacada; olhar no futuro
Casimiro Silva
1. Pode parecer estranho para os vimaranenses, mas o primeiro português a esboçar a candidatura de Guimarães a Património Mundial da Humanidade da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) foi um bracarense - um senhor chamado Francisco Salgado Zenha. É verdade! Enquanto ministro das Finanças no VI Governo Provisório, Salgado Zenha promoveu contactos com o município de Guimarães e com a UNESCO testando a possibilidade de serem iniciadas conversas que levassem à “promoção, conservação e reabilitação do Centro Histórico de Guimarães”. Fruto desta iniciativa, aquele organismo das Nações Unidas acabaria por enviar à cidade-berço da nacionalidade portuguesa um perito que, no terreno, se elucidaria do que estava em causa naquele desafio do ministro português.
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Estava dado o pontapé de saída para que Guimarães avançasse na “conservação e reabilitação” do miolo mais importante do bairrismo vimaranense, numa decisão que envolveria os moradores e os proprietários daquele sítio de “casas antigas”, algumas com origem “na época medieval”. Mas só em 1994 assumiria, de facto, a candidatura a cidade património cultural da Humanidade. E a 13 de dezembro de 2001 chegava a notícia tão almejada: a UNESCO classificava o Centro Histórico de Guimarães como Património Mundial da Humanidade. Guimarães rapidamente percebia a beleza e a importância do coração da urbe afonsina que mudaria muito. Vinque-se a retirada dos carros, “uma obrigatoriedade” assumida pela autarquia vimaranense para beneficiar do programa Polis, instituído pelo governo português para as cidades portuguesas classificadas pela UNESCO. Obrigado Salgado Zenha pela abertura de uma enorme janela no futuro de Guimarães!

2. A aposta na afirmação e valorização do património cultural e patrimonial vimaranense não parou mais. Abrindo horizontes e olhares sobre um recanto esquecido e sitiado sobre si mesmo: Couros. Fabulosa decisão! Sair das pequenas muralhas da burguesia medieval, atingindo as fronteiras pestilentas dos muros dos vimaranenses malcheirosos, era um reconhecimento fundamental dos trabalhadores sofridos e desgastados com todo o tipo de atropelos vindo do interior das muralhas. E a verdade é que logo depois da festa do reconhecimento e inscrição do Centro Histórico de Guimarães na Lista de Bens Património Mundial as apostas do município vimaranense direcionaram o foco para o “melhoramento de toda a zona tampão” – considerada “faixa de transição entre o centro histórico e o resto da cidade” –, “parcela antiga da cidade, onde os imóveis de habitação se misturam com as unidades industriais de curtumes”. E os frutos desta aposta estão bem visíveis naquele território, cada vez mais de excelência. Recentemente, a aposta foi mais longe na vitalização de toda a zona, com o Bairro C. que não para de dar pistas, ideias e já algumas realizações de monta para devolver aquele espaço urbano às pessoas. Se olharmos para os equipamentos ali existentes então estaremos todos de acordo com o atual reitor da Universidade do Minho, Rui Vieira de Castro: “o projeto do Bairro C é muitíssimo relevante para a Universidade”, desde logo porque “se projeta num espaço no qual a Universidade se encontra fortemente implementada, no Campus de Couros – onde está a licenciatura em Teatro e a licenciatura em Artes Visuais”. Ou seja, pequeno território onde a “interação forte e produtiva com a cidade” são uma extraordinária realidade. Acredito que era nisto que os responsáveis autárquicos pensavam quando decidiram avançar para a recuperação de Couros e do seu património.

3. 20 anos depois, para além de ter saído da penumbra, o que ganhou Guimarães? E os vimaranenses? Desde logo, a noite – é, pelo menos já foi, uma referência nacional. Em jeito de rodapé, vale a pena recordar que já se falou em diluí-la pelo antigo mercado, hoje a Plataforma das Artes. Mas a ideia morreu. Sendo certo que o centro histórico de Guimarães é uma referência – e não é vaidade bairrista, antes a
constatação de uma realidade linda e o reconhecimento de um trabalho discreto, mas incisivo que catapultou Guimarães para a referência na conservação do património – importa que todos pensemos no que poderão ser as dores de crescimento. A começar pelo risco de que o centro histórico se torne num tabuleiro para alguns donos do património contra o Património que devia, era suposto, ser de todos. Ou seja, o que se espera, vinte anos depois de Guimarães se tornar uma referência, no Património mundial, é que esse estatuto não se perca em desejos desenfreados de uma construção destruidora das boas realidades sociais, humanas e históricas como aconteceu em Liverpool, no Reino Unido, recentemente, cidade que alterou “significativamente” a zona histórica das docas.
Notas: O resultado dos Censos 2021 não augura um bom futuro para o centro histórico de Guimarães; o seu envelhecimento a cada dia que passa faz perder Humanidade e Identidade e abre caminho às motivações especulativas.