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Defender o Património é preparar o futuro

José João Torrinha Presidente da Assembleia Municipal de Guimarães

A ideia de que quem se dedica à defesa e conservação do património está à frente do seu tempo pode parecer contraditória. Mas só o é de forma aparente. Na verdade, é assim mesmo: valorizar o que nos foi legado é sinónimo de ver mais além. É perceber que só quem conhece profundamente as suas raízes, só quem sabe verdadeiramente de onde vem está em condições de projetar e construir o futuro. Esta ideia não é, nos dias de hoje, nem original nem polémica. Felizmente, a esmagadora maioria da população revê-se neste cruzar de olhares permanente entre passado e porvir de que a preservação do património é símbolo maior. Mas nem sempre foi assim. E nem me refiro a tempos mais recuados em que verdadeiras atrocidades contra o património foram perpetradas com a participação ativa, conivência ou mera indiferença da população. Crimes patrimoniais de que a nossa cidade também foi vítima e dos quais não se recupera. Património que foi perdido para sempre e de que só restaram registos fotográficos, documentais ou nem isso. Quero, antes, referir-me ao momento em que Guimarães decidiu apostar fortemente na requalificação do seu património edificado. Na altura, exemplos havia de outros municípios em que uma ideologia mais desenvolvimentista parecia aceitar sacrificar o património no altar de um progresso que se media em metros cúbicos de betão armado. Felizmente que por cá se seguiu pelo caminho menos trilhado, mas que se viria a revelar aquele que melhores frutos daria. E a isso chama-se visão. Isso é o tal “ver mais além” a que acima se aludiu. E é graças a quem a teve que hoje o centro histórico de Guimarães é a joia da nossa coroa. A menina dos olhos de todos e que ninguém, na atualidade, aceitaria pôr em causa. Mas essa visão tinha conteúdo, pois que se soube entender que as paredes dos edifícios, o chão das nossas praças ou os monumentos semeados pelo centro histórico seriam sempre realidades pobres se não sentíssemos que pulsavam de vida. Se as suas varandas não ostentassem roupa a secar. Se nas janelas não víssemos vasos com flores. Se os largos não fossem atravessados por crianças que brincam na rua. A estratégia de uma reabilitação profunda, exigente e de grande qualidade deu frutos, de que o

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reconhecimento como património material da humanidade é apenas a face mais visível. Claro que o título permitiu partilhar Guimarães e o seu centro histórico com o mundo, sendo despiciendo enumerar todas as vantagens que resultam dessa partilha. Vantagens para Guimarães, naturalmente, mas também para quem nos visita, tal a riqueza patrimonial oferecida e que a nós, vimaranenses, já aparece quase banalizada. Mas acima de tudo, importa valorizar o facto de Guimarães ter devolvido o centro histórico a todos os vimaranenses. Um centro histórico que, na minha meninice, por vezes se evitava e que, hoje, constitui o lugar mais procurado. Vinte anos se passaram sobre a elevação do centro histórico a património mundial. A distinção, para muitos dos nossos conterrâneos, designadamente os mais jovens, é já um dado adquirido, já faz ela própria parte da história. As imagens de carros a esmo na praça de S. Tiago e outras que tais parecem já enterradas num passado longínquo. Tempo para baralhar e dar de novo. Tempo para atravessarmos o jardim da Alameda e lançarmos um olhar para Couros. Outrora uma zona da cidade profundamente marcada pela indústria de curtumes e cujo progressivo desaparecimento foi acompanhado por uma insuportável degradação patrimonial. Um bairro que nos últimos anos ganhou nova vida. Com a reabilitação das suas ruas na qual foi posto cuidado idêntico ao do centro histórico classificado. Com a instalação do Instituto de Design, na antiga fábrica da Ramada. Do Centro de Ciência Viva na antiga fábrica Âncora. Da Universidade das Nações Unidas na Freitas & Fernandes. E, finalmente, dos Cursos de Artes performativas e de artes visuais que se preparam para rumar ao antigo Teatro Jordão e Garagem Avenida. Um bairro com cultura e gente dentro que Guimarães tenciona que venha também a merecer o título de património da humanidade, o que permitiria dobrar a área de património classificado. Assim se constrói o futuro ancorado na defesa intransigente do que é de todos.

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