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Marcos Silveira Buckeridge, USP-SP

Índice cientistas e especialistas enfrentando a complexidade

O relatório especial 1,5 oC do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), considerou BECCS (Bionergy with Carbon Capture Systems) ou Bioenergia associada a Sistemas de Captura de carbono, como uma das mais promissoras tecnologias para enfrentar o aumento de temperatura no planeta. Por vários motivos, o Brasil é um dos países do mundo com maior potencial para avançar nessa tecnologia. Porém não vai realizar esse potencial se não continuar investindo em pesquisa.

Para eliminar as emissões usando BECCS, é necessário acoplar a produção de biocombustíveis à captura do carbono, que é emitido na sua fabricação e no seu consumo. Uma proposta BECCS no Brasil deve incluir três elementos: 1) melhora da produtividade de cana, através do desenvolvimento de variedades cada vez mais produtivas e também do aperfeiçoamento da produção do bioetanol de segunda geração (2G); 2) desenvolver uma tecnologia que seja capaz de utilizar os átomos de hidrogênio das moléculas de etanol para produzir eletricidade e; 3) ser capaz de capturar e imobilizar o CO2 produzido nas dornas de fermentação durante a produção de etanol. Como veículos movidos a eletricidade oriunda do etanol ainda emitem CO2, é preciso acoplar BECCS às técnicas chamadas de CCU (do inglês, Carbon Capture and Usage). Portanto é uma missão complexa e de caráter interdisciplinar, sendo necessários cientistas de várias áreas para chegarmos à emissão zero ou mesmo negativa. Um dos centros de engenharia da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e sediado na USP (o Research Center of Green House Gas Inovation – RCGI) está engajado no desenvolvimento de pesquisas para consolidar BECCS e CCU no Brasil. Para usar BECCS, um país tem que ter um sistema sólido de produção, distribuição e consumo de biocombustíveis, o que o Brasil tem de sobra. O sistema de produção de bioetanol de cana-de-açúcar brasileiro é não só pioneiro no mundo, mas um dos mais eficientes, o que faz do bioetanol um combustível renovável e com produção cada vez mais sustentável.

Apesar de termos um setor produtivo da cana eficiente, ainda falta conhecimento que permita manipular seu genoma usando técnicas de edição genômica. Mesmo tendo um dos genomas mais complexos que existem, a genética clássica de cana, que consiste em cruzar plantas para produzir variedades cada vez melhores, deu conta de quase todo o melhoramento que temos hoje. Porém é um processo lento que apresenta a limitação de ser feito praticamente no escuro, pois não há um mapa genômico completo da cana. Na maioria das vezes, bons resultados aparecem sem que se saiba exatamente o que foi mudado no genoma. Modificações genéticas usando técnicas de biologia molecular têm obtido relativo sucesso, mas, apesar desses avanços, ainda carecemos de informações e técnicas que nos permitam fazer modificações precisas no genoma. Três frentes são fundamentais nesse caminho. A primeira é obter a sequência completa e exata do genoma da cana, e a segunda é compreender como as várias cópias dele interagem. Atualmente, há vários “rascunhos” do genoma da cana, mas falta muito para um mapa que permita modificá-lo com precisão. Paralelamente, a descoberta recente de uma técnica mais barata e simples de edição de genomas (chamada CRISPR – do inglês Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats) parece muito promissora. Mas ainda temos muito a fazer para chegar a editar o genoma da cana.

Precisamos aumentar a produtividade da cana. Sem o controle da sua fisiologia no campo através da posse de um mapa genômico confiável e de técnicas precisas de edição gênica, chegar a emissões zero ou negativas será muito difícil. "

Marcos Silveira Buckeridge

Diretor do Instituto de Biociências da USP-São Paulo

A terceira frente está interligada com as outras duas. Podemos defini-la através de uma pergunta: quando tivermos mapas genômicos precisos da cana e a capacidade de modificá-lo rápido e eficientemente, o que iremos modificar? Os caminhos mais lógicos envolvem abordar doenças que diminuem a produtividade, aumentar o teor de açúcares, amolecer as paredes celulares para produzir mais bioetanol 2G e, um dos principais, fazer a cana crescer mais rápido e produzir mais. Isoladamente, cada um desses caminhos não é viável se não entendermos como a planta funciona de forma integrada.

O genoma tem o código para a construção das proteínas, mas o que acontece depois que elas são sintetizadas, até que a planta tome as suas próprias decisões no campo, envolve um processo de cognição fisiológica que é determinado por múltiplos fatores. Um ajuste para melhor resposta a uma doença, por exemplo, provavelmente envolverá todas as partes do metabolismo da planta, que consiste numa imensa rede de intercomunicação entre moléculas (açúcares, ácidos orgânicos, proteínas, hormônios, nutrientes inorgânicos), que só poderá ser compreendida através da abordagem da biologia de sistemas. Não existem balas de prata.

Respostas simples para alterações simples podem ocorrer, mas, na grande maioria dos casos, a modificação de genes importantes, como os fatores de transcrição, leva a múltiplos efeitos, cuja interação sistêmica ainda não compreendemos. Portanto reengenheirar um genoma de uma planta requer conhecê-la como um sistema complexo. Para se ter uma ideia dessa complexidade, no nosso laboratório (LAFIECO-USP), temos estudado o mecanismo sensor de açúcares, que é o que controla quanta sacarose vai ser armazenada entre 3 e 9 meses no campo. Só as vias desse sistema contêm mais de 400 genes.

Outra via importante é a da formação das paredes celulares que ajudam a melhorar a produção do bioetanol 2G. Nessa via, já descobrimos mais de 1.500 genes e ainda temos que entender como as proteínas interagem para montar a celulose, hemicelulose e lignina nas diferentes células. Esses são só dois exemplos, há inúmeros outros aos quais outros grupos de pesquisa se dedicam.

Obter o conhecimento necessário para controlar com precisão o comportamento da cana, inclusive pensando nas modificações climáticas que vêm por aí, será um desafio que só pode ser enfrentado por múltiplos times de pesquisa de alto nível.

É o que vem acontecendo na última década e meia, com programas de pesquisa, como o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (INCT do Bioetanol), O Programa de Bioenergia da FAPESP (BIOEN), com diversos projetos temáticos já terminados e em andamento, o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), a Embrapa Agroenergia e o Laboratório Nacional de Bioenergia (LNBr) do Centro Nacional de Energia e Materiais (CNPEM).

Todas essas iniciativas fizeram com que o Brasil, na última década, passasse a dominar o cenário da ciência da cana no mundo. Na história da cana como fonte de açúcar e biocombustíveis, o Brasil avançou de forma espetacular nas últimas décadas e se tornou o principal hub de pesquisa em cana no mundo. Mas a nossa missão está longe de ser terminada. Precisamos aumentar a produtividade da cana. Sem o controle da sua fisiologia no campo através da posse de um mapa genômico confiável e de técnicas precisas de edição gênica, chegar a emissões zero ou negativas será muito difícil. A pesquisa sobre a cana precisa continuar e tem que ser cada vez mais integrada ao setor produtivo. n

CANA MAIS PRODUTIVA

Novo Genoma de cana de - açúcar + Plataforma de Transcrição Ação hormonal, Sensores de Áçúcares e modificações Fisiológicas

Edição de genoma usando CRISPR/Cas9

BECCS

EMISSÕES ZERADAS OU NEGATIVAS

Transformação de cana usando genes candidatos

PRINCIPAIS MEIOS E PRODUTOS

Banco de dados do Genoma Banco de dados de Transcriptomas

Modificação do comportamento fisiológico usando edição de genoma

Melhores respostas aos estresses (seca, temperatura e CO2) Crescimento mais rápido com e maior teor de açúcares

Paredes celulares melhor adaptadas ao etanol de segunda geração

Mapeamento Sistêmico da cana de açúcar - Visão geral das estratégias para o melhoramento ainda maior da cana-de-açúcar como base para o uso de BECCS até chegar a emissões zero ou negativas. Um aumento de produtividade levaria a menor impacto do uso da terra, o que tem potencial de mitigar parte considerável das emissões de carbono pelo sistema sucroenergético brasileiro.

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