Princípios que orientam a prática

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“Dê-me um ponto de apoio e eu erguerei o mundo.” Philippe Meirieu

“Aprender é construir.” Elaborada a partir da concepção construtivista, a afirmação defende que “aprendemos quando somos capazes de elaborar uma representação pessoal sobre um objeto da realidade ou conteúdo que pretendemos aprender“. Um programa de formação de professores que tem como base esta concepção epistemológica deverá estar organizado de maneira que favoreça experiências de construção e reflexão, pois é fundamental que a sua organização interna seja coerente com a prática pedagógica que se deseja instaurar na escola, princípio denominado de homologia dos processos. Este artigo pretende refletir sobre alguns desdobramentos das idéias citadas, a fim de orientar os programas de formação em uma perspectiva de construção. Uma variável importante é a construção de vínculos. O primeiro passo para se instaurar um programa de formação continuada que pretenda usar como principal “ferramenta” a própria experiência do professor é estabelecer uma relação de confiança mútua. Portanto, uma tarefa do formador é criar espaços em que estas construções sejam favorecidas. Isso nem sempre é fácil, pois muitas vezes a instauração de um processo de formação continuada não parte do desejo ou da necessidade do professor. Por isso, a construção de vínculo supõe um processo de “sedução”. Vincular-se ao outro significa sentir-se seguro, confiante, solidário, motivado, pois no processo vincular é preciso abrir-se e correr riscos, ir em direção do outro, compartilhar expectativas, comunicar-se. 

Pedagoga, Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia – UFBA. Atua desde 1999 como formadora de professores e é membro da Linha de Educação Básica da Avante - Educação e Mobilização Social/ONG.E-mail: samiamonica@gmail.com

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O estabelecimento de vínculos no processo de formação se dá em pelo menos dois âmbitos: na relação formador – professores e entre os professores. Somos movidos por uma série de sentimentos contraditórios, assim, o formador pode representar uma ameaça, uma esperança, um apoio, uma perspectiva... Isso emerge através de reações diferentes entre os integrantes do grupo. É importante saber “ler” estas atitudes, investigar possíveis motivos e lidar com eles de forma produtiva, ou seja, compreender que este é um processo natural e até certo ponto esperado, para acolher estes sentimentos e monitorar o processo individual de cada integrante do grupo. Reconhecer as diferenças e atuar a partir delas é um desafio também para o formador. Neste aspecto, é preciso reconhecer a necessidade da proximidade. Estar próximo significa manter sempre uma marca de identidade entre formador e grupos de professores, que é constituída pela condição de aprendiz de ambos, embora ocupem papéis diferentes. O formador problematiza, apóia teoricamente, orienta; mas é fundamental que se coloque sempre no lugar de sujeito que aprende, que pensa junto, que compartilha seus processos pessoais, pois como uma referência para o grupo, também ensina quando fala do seu percurso, das incertezas, das suas expectativas e receios. Quanto ao professor, é fundamental reconhecer-se como aprendiz, mesmo ocupando o lugar de líder dos processos de ensino e aprendizagem, porque a natureza do conhecimento é sempre incompleta e provisória. Conviver não significa necessariamente construir vínculos. Constituir-se em um grupo que compartilha idéias e respeita as diferenças, aprende com elas e cria um ambiente de confiança, não é algo simples. É preciso que o formador tenha consciência destes processos e saiba utilizar estratégias que favoreçam um “clima” mobilizador, e ao mesmo tempo, “confortável” no compartilhamento das práticas. “Se modificar o professor envolve modificar a pessoa que ele é, precisamos saber como as pessoas se modificam. Nenhum de nós é uma ilha; não nos desenvolvemos em isolamento. Nosso desenvolvimento dá-se através de nossas relações, em especial aquelas que estabelecemos com pessoas importantes para nós. (...) Se em nossos locais de trabalho há pessoas que são importantes para nós e estão entre aquelas por quem temos consideração, elas terão uma enorme capacidade para, positiva ou negativamente, influenciar a espécie de pessoas e, por conseguinte, a espécie de professores que nos tornamos.” (FULLAN, 2000)

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Outro aspecto relevante é partir da experiência do professor. Toda ação é fruto de uma concepção teórica. Assim, mesmo que não tenha consciência disso, o professor está reproduzindo um modelo, fruto da sua história. Segundo Nóvoa, “a produção de práticas educativas eficazes só surge de uma reflexão da experiência pessoal compartilhada entre os colegas (...) O resgate das experiências pessoais e coletivas é a única forma de evitar a tentação das modas pedagógicas.” Nesta perspectiva, estimular o professor a escrever sua própria história ajuda-o a monitorar seu processo como profissional e aprendiz, a descobrir suas crenças interiores e dispara um movimento inicial de pensar sobre “o que faz, por que faz e como faz”, fundamental para a transformação de uma prática reprodutora para uma prática reflexiva. Enfim, o resgate da história pessoal do professor ajuda-o a situar-se, conhecer-se melhor, descobrir suas convicções e incertezas e posicioná-lo nesta condição essencial de eterno aprendiz. Utilizar a experiência do professor como uma referência no processo de formação é considerar um princípio da teoria construtivista sobre a aprendizagem que reconhece a importância dos conhecimentos prévios dos alunos. Este é um dado fundamental para os professores-formadores, pois mais que respeitar a experiência do professor é necessário torná-la objeto de estudo, avaliar as razões para reações que às vezes são aparentemente de intolerância ou pura resistência. Quantas vezes não são colocadas “em cheque” práticas que fazem parte de anos da história do professor? É natural e até mesmo esperado que essas reações apareçam. Os sentimentos gerados por estes momentos devem ser cuidadosamente analisados e considerados quando se planejam as estratégias formativas. Não no sentido do evitamento, mas do cuidado e da relevância desta dimensão emocional do processo de aprendizagem. “A principal ferramenta de trabalho do professor é a sua pessoa, sua cultura, a relação que instaura com os alunos, individual ou coletivamente. Mesmo que a formação esteja centrada nos saberes, na didática, na avaliação, na gestão de classe e nas tecnologias, nunca deve esquecer a pessoa do professor.” ( PERRENOUD, 2002) Uma das concepções mais fortemente evidenciadas no processo de formação refere-se ao erro. Partilhando as muitas histórias relatadas pelos professores, é possível identificar o quanto a forma como esta idéia foi construída internamente

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facilita ou dificulta significativamente o processo de formação.

Esta geração de

professores busca uma referência diferente daquela que viveu, em que o erro era algo que deveria ser evitado a qualquer custo. Todo o trabalho do professor consistia basicamente em evitar que os alunos errassem. Ao se depararem com um modelo de formação que assume o erro como parte inerente – e inteligente – do processo de aprendizagem, é esperado que isso seja um motivo de muito conflito interno. Mas é justamente no confronto com estas situações que os professores mais crescem, pois têm oportunidade de vivenciar o papel de aprendizes e perceber sua complexidade. Portanto, para que o professor aprenda efetivamente, é necessário que esteja disponível; isto significa abrir-se para o desconhecido e desvendar o que está “por trás” do que é conhecido, realizando um movimento contínuo de reflexão sobre a prática. Um dos desafios mais importantes para que o formador garanta a participação e o envolvimento do professor no processo é a seleção dos conteúdos da formação. Estes conteúdos devem ser significativos para o professor. Dentro desta questão, outra que é igualmente relevante diz respeito à forma como estes conteúdos são tratados. Neste sentido, utilizar as “problematizações” se constitui em um meio de potencializar as aprendizagens, desencadeando as reflexões. Meirieu afirma que “a situação-problema põe o sujeito em ação, coloca-o em uma interação ativa entre a realidade e seus projetos; interação que desestabiliza e reestabiliza,.” Assim, o papel do formador não é o de dar explicações, mas fomentar a necessidade da explicação, usando a problematização como um motor que gera a necessidade de superar obstáculos, de aprofundar os conhecimentos, de buscar novas perspectivas e referências, enfim, de aprender. Uma das tarefas mais difíceis para o formador é justamente saber ser “guia e orientador” dos processos de ensino e aprendizagem dos professores, apoiando-os para ressignificar seus conhecimentos e gerir as indagações e inquietações inerentes a este processo. Se o formador não estiver atento para este aspecto, corre-se o risco do “clima” dos encontros ser de disputa e não de cooperação, de colocações do tipo “isto está certo/isto está errado” e não de uma elaboração mais aberta que viabiliza uma reflexão coletiva, relativizando as situações.

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Aprender a partir de problemas evita uma análise superficial de uma determinada situação ou fenômeno, pois promove uma reflexão da totalidade, envolvendo uma série de procedimentos complexos como levantar hipóteses, analisar dados, buscar recursos para a resolução, estabelecer relações, assumindo a complexidade da questão. No exercício da reflexão, os professores vivenciam situações de construção coletiva, onde a cooperação é um facilitador da aprendizagem. Desta forma o professor aprende, cada vez mais, a atuar em equipe, sentindo-se coparticipante e co-responsável pelas práticas da instituição. Isso o fortalece e ao mesmo tempo o convida a não pensar apenas na sua sala de aula, mas amplia sua visão para que compreenda e interfira na dinâmica da instituição como um todo, contribuindo para a formação de comunidades de aprendizagem. Um elemento que cada vez mais ganha força nas pesquisas sobre Psicologia Cognitiva também merece destaque como princípio que orienta as ações deste modelo de formação; trata-se da “gestão mental” ou “metacognição”. Segundo Tishman, “gestão mental é a atividade de refletir sobre os nossos próprios processos de pensar e avaliá-los (...) Pensar sobre o próprio pensar.” Monitorar seu processo de aprendizagem, localizando dúvidas, construindo “certezas”, mesmo que provisórias, é um fator que potencializa a construção de uma competência do professor que é defendida por Perrenoud como a de “administrar sua própria formação contínua”. Ciente do seu processo, o professor pode tomar decisões mais claras sobre quais são suas prioridades de estudo e aprofundamento, enfim, constitui-se como um sujeito cada vez mais autônomo; o que significa a formação do profissional permanentemente reflexivo - objetivo maior de um programa de formação. “Um bom pensador é uma pessoa cuja mente observa a si própria.” Albert Camus

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RREEFFEERRÊÊNNCCIIAASS BBIIBBLLIIO OGGRRÁÁFFIICCAASS BRASIL.MEC. Secretaria de Educação Fundamental. Referenciais para formação de professores. Brasília: Sec. Ed. Fund. 1999 . COLL, César et alii O construtivismo na sala de aula. São Paulo: Ática,1997 . MEIRIEU, Philippe. Aprender... sim, mas como? Porto Alegre: Artes Médicas,1998. NÓVOA, A. Os professores e a sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1995. PERRENOUD, Philippe. 10 novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000. _ . Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999. _ .Formando professores profissionais. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001. _ .A prática reflexiva no ofício de professor: profissionalização e razão pedagógica. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002. TISHMAN, Shari. et alii. A cultura do pensamento na sala de aula. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999. WEISZ, Telma. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. Ática, 1999. 133 P.

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