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Introdução

Ao analisarmos todos os aspectos presentes no estudo da sociedade humana e da sua historicidade, fica patente que, na complexa sociedade do século XXI, não basta a construção de uma história descritiva baseada na historiografia tradicional, seja ela positivista, marxista ou mesmo cultural que não consegue abordar e responder aos fenômenos de massa que interferem diretamente no curso dos acontecimentos do passado e, especialmente, do presente que é marcado pela sociedade da informação. Assim, torna-se premente que se busque uma narrativa explicativa para os fenômenos sociais. Esses fenômenos exigem dos historiadores um olhar detido sobre o passado e a realidade presente para dar coerência e sentido à trajetória humana ao longo da história.

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Nessa perspectiva, a sociedade brasileira não pode prescindir de um estudo sobre a formação étnica e cultural do nosso povo e, sobretudo, da mescla que essas culturas realizaram em solo brasileiro. Além disso, entender os legados que essa interação antropológica nos proporciona na atualidade e como essa herança interfere diretamente na nossa constituição como nação. Para tanto, é essencial um novo olhar sobre esse diálogo permanente entre os povos ancestrais que formaram os brasileiros contemporâneos, especialmente, o povo Banto.

Essa busca por respostas está intimamente ligada à busca das nossas origens e, principalmente, à identificação cultural que as nações atribuem às mesclas étnicas e culturais que formam sua estrutura social e política.

A África é a origem de diversas culturas que formaram a humanidade. Praticamente não é possível se falar em qualquer coisa que seja genuíno ou universal que tenha sua origem apartada do continente africano.

A coroação e sagração do Rei do Congo e da Rainha Ginga de Angola(Nziga Mbandi) expressam nas Guardas de Congado, encenadas nas festas de Nossa Senhora do Rosário em todo o país, um fator de resistência do povo Banto em manter em terras americanas as marcas da sua origem como povo e nação, possibilitando que sua cultura sobrevivesse por gerações, até chegar ao século XXI.

Na África, desde tempos remotos, todos os sistemas de organização política e social estiveram por lá representados: reinos, impérios e repúblicas, cujo poder era sempre derivado e advindo dos anciãos, ou seja, os mais velhos e experientes eram os escolhidos para gerir e governar a sociedade.

Esses governos africanos representavam um leque enorme de modelos e de possibilidades, que transitavam desde as sociedades estratificadas e escravocratas até sociedades sem classes sociais e extremamente igualitárias.

Todas as formas de governo das modernas sociedades, tanto as antigas quanto as atuais, já estavam previstas e testadas de forma incipiente e/ ou embrionária em terras africanas. Portanto, não podemos ignorar ou menosprezar as civilizações africanas. Essas experiências do passado são parte integrante das discussões políticas e sociais do presente, pois esses povos experimentaram de forma concreta modelos de organização social que vivenciamos atualmente, e que repercutem até hoje em nosso imaginário social.

Na grande diversidade cultural e política do amplo continente africano, encontramos uma constante cultural que é de grande interesse para o povo brasileiro, pois foi um dos pilares de nossa formação étnica. Essa constante cultural está expressa no agrupamento linguístico conhecido como NígerCongo, ramo linguístico de onde se origina o povo Banto, a maior matriz africana que formou a população do Brasil e a rica cultura brasileira, presente em todas as regiões do país: de norte a sul.

Os povos Bantos habitavam a África Ocidental, da zona compreendida pelas florestas tropicais do Congo até ao sul, no cabo da Boa Esperança, localização da atual cidade do Cabo, na África do Sul.

Dessa região, originou-se quase a totalidade dos africanos que vieram para Minas Gerais e mais da metade dos que vieram para o Brasil nos tempos coloniais. Muito de nossa cultura e de nossas tradições vieram dessa influência, a qual foi decisiva para a nossa formação e para a construção de nossa identidade como nação.

Nesse sentido, a população Banto trouxe consigo uma enormidade de contribuições para a cultura de nosso país: desde a dança, passando por todos os ritmos musicais, para daí culminar na linguagem, na culinária e no próprio artesanato; sem esquecer das relações afetivas e sociais que também foram bastante afetadas. O comportamento dos brasileiros, originário de qualquer etnia, está, portanto, influenciado por costumes, valores e crenças dos nossos antepassados Bantos.

Os europeus designaram os grupos étnicos africanos como tribos, sendo, no entanto, uma forma preconceituosa e inconveniente de tratarmos tão rica cultura com um termo extremamente reducionista que não expressa a real dimensão da pujança da sua influência em todo o mundo, sobretudo, nas Américas.

Todavia, a maior qualidade dos Bantos que vieram para o Brasil foi resistir e legar boa parte de sua valorosa cultura às gerações futuras, passando a ser um dos elos da construção simbólica do imaginário popular e erudito do nosso imenso país.

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