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PATRULHA SALVADORA
SBT
Patrulha Salvadora (SBT, 2014-2015) é uma série infantojuvenil derivada da telenovela Carrossel produzida e exibida pelo SBT, sob licença de Televisa.
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Escrita por Íris Abravanel e dirigida por Reynaldo Boury, a trama foi veiculada originalmente entre 11 de janeiro de 2014 e 24 de janeiro de 2015 em quatro temporadas. A ficção conta com os mesmos personagens e atores da versão brasileira da telenovela Carrossel, remake da obra mexicana Carrusel (Canal de las Estrellas, 1989). Carrusel é refilmagem de Jacinta Pichimahuida, la maestra que no se olvida (Canal 9, 1966), adaptação para a televisão argentina da série de contos literários de Abel Santa Cruz, originalmente publicados pela década de 1940 na revista Patoruzú, no mesmo país.
Do universo criado por Santa Cruz também se originaram um livro (Cuentos de Jacinta Pichimahuida [1964]), uma radionovela (Jacinta Pichimahuida, la maestra que no se olvida [1964]), seis telenovelas (Jacinta Pichimahuida, la maestra que no se olvida [1966], Señorita Maestra [1983], Carrusel [1989], Carrusel de las Américas [1992], Vivan los niños! [2002] e Carrossel [2012]), uma história em quadrinhos (Jacinta Pichimahuida [1975]), uma série
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(Patrulha Salvadora [2014]), quatro filmes (Jacinta Pichimahuida, la maestra que no se olvida [1974], Jacinta Pichimahuida se enamora [1977], Carrossel – O Filme [2015] e Carrossel 2: O sumiço de Maria Joaquina [2016]), três musicais (La magía de Carrusel [1991], Carrossel – O Show [2013] e Carrossel – O Musical [2017]), dois programas de TV (Carrossel TV [2013] e Clube do Carrossel [2013]) e um desenho animado (Carrossel [2016]).
Na spin-off, a Patrulha é formada por Maria Joaquina (Larissa Manoela), Cirilo (Jean Paulo), Carmen (Stefany Vaz), Jaime (Nicholas Torres), Daniel (Thomaz Costa), Davi (Guilherme Seta), Alícia (Fernanda Concon), Mário (Gustavo Daneluz) e Rabito (Fenômeno). Outros personagens da telenovela também participam da nova trama, como Jorge (Léo Belmonte), Valéria (Maisa), Adriano (Konstantino Atanassopulos), Olívia (Noemi Gerbelli), Matilde (Ilana Kaplan) e Jurandir (Carlinhos Aguiar). Apesar disso, a série não se passa no mesmo universo ficcional de Carrossel, e sim na fictícia cidade de Kauzópolis.
Os episódios da Patrulha Salvadora são inspirados nas aventuras do desenho animado estadunidense Scooby-Doo, produzido pela
Hanna-Barbera, e baseia-se na tríade crianças aventureiras, um cachorro e crimes misteriosos.
Em sua gênese, a Patrulha Salvadora ajuda crianças e animais que precisam de socorro simples, porém, desejam atuar em situações mais perigosas. Dessa forma, são concebidos com superpoderes para desvendar os crimes na cidade de Kauzópolis. Cada patrulheiro tem um poder que se relaciona com seus dons naturais: Cirilo tem o poder da bondade, Daniel tem a super inteligência, Davi tem o poder da pontaria perfeita, Alícia tem a ultra velocidade, Jaime tem a super força, Carmen tem visão de longo alcance, Maria Joaquina é a detentora de uma bolsa de utilidades, Mário é o encantador de animais e Rabito é o super cão.

Os planos do grupo são sempre contestados e criticados pela delegada Olívia, que trabalha no Extratogésimo Sexto Distrito Policial, e é responsável pelos problemas na região. Como uma clássica narrativa de mistérios, a equipe policial não consegue solucionar os crimes, que acabam sendo desvendados pelos membros da Patrulha.
A série tem 52 episódios divididos em quatro temporadas. O SBT também produziu dois episódios especiais, exibidos no fim do ano de 2014 e início de 2015, rememorando as aventuras dos patrulheiros. Na época que a série foi exibida, o SBT dedicava grande parte de sua programação ao público infantil durante a semana com a manutenção do programa Bom dia & Cia. na faixa matutina, a produção da telenovela Chiquititas (SBT, 2013-2015) e a reapresentação de Rebelde (Televisa, 2004-2006), ambas no período noturno.
No sábado da estreia de Patrulha Salvadora, em 11 de janeiro de 2014, a emissora reservou 16 horas de sua grade para conteúdos infantojuvenis. A série era exibida no período noturno. Em 2014, o SBT disponibilizava vários programas dedicados ao público de 4 a 16 anos, sendo o único canal da televisão aberta a produzir conteúdo inédito
para esta faixa etária.
As temporadas do seriado foram produzidas e exibidas de forma ininterrupta nos sábados da emissora, investindo em uma narrativa que alterna entre o desenvolvimento de uma macroestrutura por temporada e microestruturas que se concluem em, no máximo, um a dois episódios.
Nas duas primeiras temporadas os patrulheiros enfrentam as maldades do colega de classe Jorge. O vilão arquiteta o desaparecimento de crianças para uma área de concentração. Derrotado pela Patrulha, Jorge sequestra Maria Joaquina e se alia aos Sete Pecados Generais (associação de vilões relacionados aos pecados capitais compilados pelo Cristianismo) para destruir a cidade. Porém, os membros do esquadrão utilizam seus poderes e aniquilam os Generais, recuperando a amada de Cirilo, que permanecia congelada. A terceira temporada inicia com um grande roubo a uma joalheria de Kauzópolis. O vilão é o mágico Salazar e sua equipe do mal é composta pelo Espelho Conselheiro, Ninjas Mágicos e outros vilões que são contratados ao longo dos episódios. No fim desta temporada, após a derrota de Salazar, surge um Sacerdote que conduz o corpo do mágico a um sarcófago. Por
fim, a quarta temporada explora a encarnação de um faraó egípcio no corpo de Salazar e o enfrentamento entre a Patrulha, o novo vilão e as pragas lançadas à cidade por seres místicos do Antigo Egito. Tais pragas dialogam com as dez maldições presentes no livro bíblico Êxodo.
No plano da expressão, observamos que a ambientação da série é a cidade distópica de Kauzópolis, em que se misturam contemporaneidade e retrocesso nas práticas sociais e no contato com culturas de outras épocas. Nesta cidade, se estabelece o quartelgeneral da Patrulha Salvadora que funciona em um prédio abandonado, porém o espaço é equipado com aparatos tecnológicos, químicos, mágicos e de segurança. É controlado pelo computador Júpiter, programado por Carmen

e Daniel, que monitora o quartel-general e a cidade à procura de anormalidades.
Em contraponto ao espaço ocupado pelas crianças, existe a Delegacia do Extratogésimo Sexto Distrito Policial. A fachada é um prédio também antigo, internamente a sala de recepção é extravagante e repleta de cores e as celas de cárcere se assemelham às de faroeste. Nesse sentido, o espaço causa estranheza, pois ao mesmo tempo coexistem elementos modernos como divisões de espaço por módulo, computadores, impressoras e celulares e elementos antigos como um Fusca estacionado na porta, máquina de escrever, arquivos de aço e telefone de discagem em corda. Todavia, a postura da Delegada, atuando como xerife da cidade e demonstrando dificuldade com tecnologia,

dialoga com a construção proposta de reafirmar a desenvoltura nativa das novas gerações com o ambiente digital e a necessidade de atualização por parte das anteriores. Por ter sido rodada ao mesmo tempo que a telenovela Chiquititas (SBT, 2015), a série reaproveita cenários e elementos cênicos, tais como fachadas de prédios e carros. Além disso, diversas cenas são filmadas na sede, galpões e estacionamentos das empresas de Silvio Santos, como o próprio SBT e a Jequiti Cosméticos.
A caracterização dos personagens é bastante influenciada pelo formato de gravação empregado pelo SBT. As filmagens são realizadas de forma linear, mas por locações e escala de elenco. Desta forma, o uso de uniformes pelo elenco minimiza erros de continuidade e barateia custos de produção. Todos os personagens presentes na série utilizam uniformes.

Os integrantes da Patrulha, em seu dia-a-dia, vestem camisas com a marca do esquadrão e calças, bermudas, saias ou jardineiras em tons xadrez cinza e amarelo em referência ao uniforme da Escola Mundial, de Carrossel. Nas situações de embate com seus inimigos, os personagens se transformam e ganham cores diferentes em seus uniformes, além de um acessório especial conforme os poderes.
Já o núcleo da Delegacia tem suas roupas inspiradas em modelos militares. Delegada Olívia veste blusa social, saia e quepe. Matilde, a investigadora, utiliza calça e camisa social e terninho, além de um cinto com algemas. O carcereiro Jurandir, além do quepe e das vestes sociais, adiciona um colete laranja que o diferencia dos tons empregados em seu núcleo. As cores dos uniformes da Delegacia variam conforme a temporada, iniciando em tons de azul e vermelho e posteriormente em cinza e roxo. Os vilões são sempre construções fantasiosas ou estereotipadas, como o Mágico Salazar, que utiliza cartola, terno e gravatas de tons extravagantes ou o faraó que vive em uma tumba com outros personagens vestidos conforme a época.
Em relação à fotografia, percebe-se que para demarcar o ambiente incomum da cidade de
Kauzópolis são utilizadas variações de cores em ambientes externos com tons de laranja e roxo. Essas diferenças procuram alertar o telespectador que tais aventuras não têm compromisso com a realidade e não se localizam no mesmo espaçotempo que a telenovela Carrossel.

Em comparação com a telenovela, a trilha sonora de Patrulha Salvadora não alcançou o mesmo apelo de Carrossel. A última vendeu cerca de 250 mil cópias em seu primeiro volume
e Patrulha apenas 20 mil.
Nas plataformas digitais, a trilha ficou restrita ao iTunes e Spotify. Os episódios eram embalados pelas canções originais Patrulha Salvadora, Patrulheiros, Muleke Doido, e por regravações pelo elenco de músicas da telenovela como Amiguinho por Stefany Vaz, Adolescente por Nicholas Torres e Rabito por Gustavo Daneluz. Outras músicas de sucesso ganharam nova roupagem como Os super-heróis, originalmente interpretada pelo MPB4 na voz do coro regido por Arnaldo Saccomani e Cowboy fora da lei, de Raul Seixas, na voz de Nicholas Torres. Músicas de outros cantores também são incorporadas como Dig Bom (Cyz), O Vira (Falamansa) e Carimbador Maluco (Tihuana).
Em sua maioria, as canções se relacionam com personagens e são executadas em momentos específicos da trama. Por exemplo, Rabito é tocada em cenas quando Mario e Rabito estão em alguma aventura, já Muleke Doido toca quando Cirilo está em cena. Esta última possui um clipe protagonizado por Cirilo e Maria Joaquina inspirado no clássico vídeo de Thriller de Michael Jackson.
A série não possui vinheta de abertura com creditação dos atores e equipe técnica, tal creditação acontece ao longo da introdução do episódio. Porém, existem vinhetas de cortina para intervalos e uma apresentação especial de transformação dos personagens em superheróis repetida em todos os episódios em que a Patrulha enfrenta vilões, nela, é utilizada a música homônima título da série.
A edição, feita de forma linear, é inspirada em histórias em quadrinhos. A introdução do episódio, onde se rememora os acontecimentos de episódios passados, transcorre como a leitura do narrador de um gibi, continuando no último quadro como live-action. As transições de cena e congelamento para o encerramento do episódio também são realizadas em animações deste tipo. Nesse sentido, a construção dialoga com a proposta da série de tratar-se de aventuras inverossímeis e lúdicas, como lidas em quadrinhos de super-heróis.
Para auxiliar a compreensão da série, são exibidos bumpers com observações sobre algumas cenas, guiando o telespectador como, por exemplo, no episódio O caso dos brinquedos desaparecidos, em que Jaime acredita que o criminoso é o vendedor de sorvetes e surge uma
observação alertando “As aparências enganam”, ou na cena de investigação, em que pistas de outro crime surgem e aparece o texto “Os casos não possuem ligação entre si!”. Tais inserções são patrocinadas pela Nestlé, com o personagem Gênio do leite fermentado Chamyto.
Em relação ao plano do conteúdo, a relevância da ficção seriada se dá no que tange o empoderamento de crianças, propondo ampliação do horizonte do público. Uma vez que os poderes heroicos dos personagens dialogam com dons e talentos naturais, a trama transmite a mensagem de que todas as crianças podem realizar coisas extraordinárias, além dos

valores morais, éticos e familiares já presentes nas produções de Íris Abravanel.
Patrulha Salvadora busca inserir a criança no ambiente social como ser atuante e questionador, fazendo frente a organizações instituídas como a polícia. Os embates entre a equipe e a delegada trazem à tona o olhar infantil e curioso, além de apontar para questões sociais como miséria, direito dos animais, sequestro e o trabalho infantil. Também encontramos o estímulo à participação cívica com referência à democracia, como percebido no episódio “O caso do ataque da Nut”, em que a turma faz uma votação para discutir, democraticamente, a permanência de Cirilo no Esquadrão.
Além dos temas abordados acima, destacamos a inserção de assuntos cristãos como o malefício dos pecados capitais constantes na terceira temporada e o plot da quarta temporada inspirado nas pragas infligidas por Deus ao faraó para a libertação do povo hebreu da escravidão. Tais ideias são amenizadas e readequadas para serem compreensíveis e palatáveis ao público infantil. Estimulando o pensamento, a narrativa procura apresentar, pautada na diversidade de pontos de vista, várias perspectivas e uma complementaridade destas acerca dos
conflitos propostos. Isso é refletido nas variadas personalidade dos integrantes da Patrulha, como a racionalidade em Carmen e Mario, as emoções pronunciadas em Cirilo e Davi, a impulsividade de Alícia e Jaime e a desconfiança de Maria Joaquina e Daniel.
Por exemplo, no episódio “O Caso dos Hambúrgueres Loco Burguer”, Jaime e Alícia se viciam nos hambúrgueres de uma nova lanchonete e Maria Joaquina e Daniel desconfiam que possa ter alguma substância viciante no lanche, desta forma são realizados testes químicos por Mário e interpretados os dados por Carmen. A quantidade de personagens e suas diferentes maneiras de ver o mundo promovem a identificação do espectador.

Na narrativa, o conflito se dá em proteger a cidade de Kauzópolis dos vilões. Nesse sentido, encontramos dois momentos de clímax, um referente à temporada e outro presente em cada episódio, sendo o da temporada de maior peso dramático e os episódicos de menor peso, usufruindo da pequena potência de vilões secundários. De forma criativa, existe apelo à imaginação no desenrolar da história com a estética dos jogos de videogame do gênero de aventura.
Como citado anteriormente, os conflitos e personagens do programa seguem o mesmo perfil proposto em Carrossel. Cirilo é ingênuo, inocente, doce e de boa índole, está sempre disposto a ajudar os amigos e a quem precise. Não se conformando com as injustiças, possui o dom do coração puro e continua apaixonado por Maria Joaquina. De origem rica, de perfil extremamente responsável e arrogante em algumas atitudes, Maria Joaquina procura estar na moda no seu modo de se vestir. Seu superpoder é uma bolsa de utilidades de onde sai diversos objetos que ajudam a desvendar os mistérios de Kauzópolis. Já Jaime tem o poder da força. Gordo e bruto, costuma resolver seus conflitos com briga, porém seu lado bondoso prevalece nas relações, assim como Davi, que
é sensível, de personalidade doce e detém o poder da pontaria. Madura, Carmen comanda o computador central dos patrulheiros. Respeitosa e educada, seu superpoder é a visão. É bem próxima de Daniel, incorruptível e líder intelectual da turma, que em sua integridade não compactua com injustiças e tem o poder do super-QI. Também de personalidade forte, Mario tem um contato muito próximo com os animais, tendo o poder de encantá-los. Seu cachorro Rabito, sensível e corajoso, se torna o supercão. Por fim, admiradora de esportes e brincadeiras radicais, Alicia tem o poder da velocidade, por isso é comum vê-la com um skate quando está em ação com a Patrulha Salvadora.
No que diz respeito à mensagem audiovisual, compreendemos que para o SBT o investimento em Patrulha Salvadora marcou a reativação do núcleo de ficção seriada da emissora, que com inovação e experimentação, pela primeira vez, produziu uma série infantojuvenil numa narrativa livre das amarras de roteiro impostas por Televisa na concepção do remake da telenovela Carrossel.
A originalidade e criatividade fica por conta da equipe de roteiro que percebeu uma brecha interessante para a criação de uma spin-off, em
que o público já estava consolidado e o desafio seria manter a qualidade audiovisual para não perder o interesse de quem se identificava com Carrossel. Como Carrossel é um sucesso na América Latina, possuindo vários remakes, a missão de realizar uma spin-off não é simples, ao mesmo tempo que se bem feita, poderia se tornar um produto comercializável em outros países.
Houve liberdade nas ações de engajamento propostas, como a inserção na programação da emissora de plantões jornalísticos apresentados pela personagem Valéria. Intitulados Plantão JK, instigava o público a desvendar o que havia por trás de vídeos da internet e comentar nas redes sociais.
No site oficial do SBT, foi criada uma página especial para o programa que disponibilizava conteúdos, como íntegras, sinopses, fotos, perfis de personagens e informações de bastidores. Essa área contribui para a imersão do telespectador no universo ficcional e estimula a desvendar os processos de produção e gravação do produto, apelando à criatividade do espectador.
Como solicitação de participação ativa do público, foi criada uma página no Facebook
administrada pela emissora para os fãs interagirem entre si e com a emissora sobre os assuntos da série, além de apresentar lives e fotos de bastidores convocando os fãs para assistirem a obra no horário da exibição original no SBT.
A ficção seriada segue todos os parâmetros de qualidade audiovisual presentes na pesquisa de Borges (2004), tanto no plano de expressão, quanto no plano de conteúdo e mensagem audiovisual. É uma iniciativa inovadora por parte do SBT em fazer uma obra que não seja remake de outras produzidas por estúdios da América Latina, além de ser um spin-off, que já trabalha com questões de ampliação de um universo montado anteriormente e popularmente conhecido entre o público infantojuvenil.
