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Revoluçãonocampo:sindicalistae agricultorassemeiamagroecologia

REPÓRTER:ÉLIDA SOUSA

E se eu disser que um dos caminhos para melhorar a convivência com o semi-árido e fazer a tão sonhada revolução no campo, baseada na busca por justiça social e produção agrícola sustentável, passa pelo empoderamento feminino no campo?

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A história de Marlene Pereira, 52 anos, moradora do Sítio Floriano, emLagoaSeca-PB.coordenadora da associação Eco Borborema e umas das fundadoras da Feira Agroecológica de Lagoa Seca, ajuda a comprovar a minha hipótese.

Marlene trabalha com a Agroecologia desde muito cedo, um trabalho passado de geração em geração, e cultiva sua produção em um terreno que recebeudeherançadafamília.Ela conta que esse trabalho era uma espécie de monocultura onde as plantações e cultivos de milho, feijão, batata-doce e macaxeira eraapenasparaasubsistênciada família, sem usar nenhum tipo de agrotóxico.

A partir de 1992 quando assumiu a direção do Sindicato dos Trabalhadores, Marlene entendeu o que era e como funcionava um Sindicato, desmistificando o conceitodequeeraumlocalonde havia bando de comunista para tomarasterrasdaspessoas.

Umanovadiretoriaparaosindicatoestavaseformandocomumrepresentantedecadacomunidade, devido ao fato de que o presidente naquela época não exercia o seu trabalho voltado para o agricultor e sim para a prefeitura. Marlene foi indicada por um vizinho para participar da direção, mesmosemconhecimento,porémapartirdaípassouaterconhecimentodaregiãodeLagoaSeca, realizando visitas a agricultores e agricultoras da cidade e mostrando o trabalho que deveria ser realizado,osconvencendoafazerparte.

Antigamente somente os homens podiam fazer parte do sindicato, os projetos vindos do governo federal e da Emater eram para eles, as mulheres eram escanteadas dentro da própria residência, nãoerapermitidoàparticipaçãodelasduranteasreuniões,otrabalhodasmulhereserafazer,servir café e voltar para a cozinha, vistas somente para ter filhos e tomar conta da casa. Marlene e uma colega viram a necessidade de inserir as mulheres no sindicato, para que elas pudessem futuramente ter direito a algum tipo de benefício, com essa inserção foi preciso também trabalhar a consciência delas para a Agroecologia, inicialmente através do cultivo e uso de plantas medicinais. ParceriasforamformadascomaEmater,AgentesComunitáriasdeSaúdeeaPastoraldaCriança.A seguiranossaentrevistadaMarlenePereiranoscontamaissobreAgroecologia.Confira:

Revista Anti-Horário: Conta-me um pouco sobre o trabalho que vocêdesenvolvenaagricultura?

Nosso espaço aqui é pequeno, menosdemilhectares,herançada minhamãeedaminhatia,eagente planta um pouco de cada, primeiramente para o consumo, depois levamos para a feira de Lagoa Seca, sou uma das fundadoras da feirinha daqui. Levamostambémparaafeirinhada UEPB, como também fazemos distribuição no Sesc para as pessoas necessitadas. Nesses dois últimos anos de pandemia fizemos cestasagroecológicasparadistribuir para pessoas que moram no sítio, que também são necessitadas, há pessoasquenãotemumacisterna de produção para água de beber, nãotemumacacimba.

Emjulhodesseanonósdistribuímos cerca 1200 cestas agroecológicas, compradasunicamentedoagricultor familiar agroecológico e isso beneficia o homem, a mulher e o jovem porque a gente não tá comprandosomentealface,coentro, cebolinha,estamoscomprandooteu bolo que é feito de mandioca. Ao invésdebeneficiarosupermercado, a CEASA, a gente beneficia a família,tudoissoéagroecologia,éo conjunto da família. É mais importante à gente trabalhar a família como um todo para que no futuro, os nossos filhos aprendam conoscoepossamdizer“minhamãe e meu pai me ensinaram e eu vou continuaressetrabalho”.

Estamos ficando velhos e essa também é nossa preocupação, as pessoas não têm consciência e esqueceaimportânciadaagricultura. Semagriculturavocênãotemcomida noprato.

Eu sou feliz por fazer tudo isso, são poucaspessoas,masfaçocomamor e eu gosto do que eu faço. Mesmo estando no sindicato, eu vou para casaalmoçarevenhoparacá,onde estou mais a vontade, esqueço das coisas ruins, trabalho, descanso, converso. Faço com satisfação, com amor,euseioqueestouproduzindo, oqueestoulevandoparaasfeiraseo queestouconsumindo,oqueémais importante,agroecologiasefazassim, comamor.

RevistaAnti-Horário:Sabemosque ao longo do ano há muitas mudanças com relação ao clima, temaqueleperíododechuva,outro maisseco,comovocêfazparaque oseutrabalhonãosejaprejudicado comessasmudanças?

É uma preocupação que todo agricultor familiar tem, pois a gente sabe que com muita chuva não se produz,nemcommuitaseca.Foram 11 anos de seca, em 2011 tivemos uma chuva bastante forte que não juntou água, foi uma chuva de desastre.Tínhamosmuitosaçudese que foram embora e as pessoas ficaramsemágua.

Principalmente na região de verdura, quando eu penso em mim que faço Agroecologia,eupenso também famílias que também fazem,porquesobrevivemdisso.

E a gente continuou com essa preocupação, enquanto sindicato, enquanto família, de manter pelo menosasuaáguaparaprodução nemquesejapouca.

Se hoje eu estou em um inverno bom, eu tenho 30 canteiros produzindo,quandoénaépocade secatemosquebaixarparatrêsou quatrocanteiros.

A gente divide um canteiro, uma parte de coentro outra parte de cebolinha.Agentevaimantendoa alimentação, as feiras e a água é pouca. Ao invés de aguar vinte minutos,aguamosdez.Queépara nooutrodiaterágua,mesmotendo um olho d’água, onde retiramos águaemumdiaenooutrojáestá cheio novamente, a gente precisa teressapreocupação.

Precisamos água para produção, para os animais, para casa. Esse ano, por exemplo, graças a Deus tivemos um ano bom de inverno, uma boa produção de alimentos, as cacimbas, açudes e cisternas estãocheias,masagentetemque ter cuidado porque não sabemos se ano que vem, vamos ter um bom inverno. Então temos que manter um controle que é para você está produzindo agora, mas, tambémteráguaparaproduçãodo anoquevem. Nãoéporqueestou comminhacacimbasemprecheia que vou gastar mais, a água é o bemmaisprecisoquenóstemos.

Revista Anti-Horário: Que tipo de ajuda você e os demais que fazemessetrabalhorecebem?

Nós temos o apoio do Sindicato em relação aos agricultores, acompanhamento no campo, benefício de aposentadoria do trabalhador rural. Hoje nós temos uma secretaria de agricultura, o companheiroNelsonAnacletoque é do Sindicato tem todo o conhecimento do município, que se preocupa com o agricultor, sabe de todas as dificuldades ao longo desses 30 anos de sindicato, principalmente de sementes.

A semente que vem do Governo Federal, uma semente de milho que já vem contaminada, transgênica,comveneno.Ofeijão seca com rapidez, há um produto que se coloca para secar e outro produto que é para empacotar e não dar praga. Hoje nós estamos comprando através da Secretaria deAgricultura,assementescriou- las, sementes da paixão, a semente que o agricultor planta comamorecarinho,eleguardaa sua para plantar no próximo ano, mas diante disso a gente já tem todoumtrabalhoquevivenciamos nodiaadia.

Enquanto mulher, digo que não tínhamosdireitoanenhumprojeto, somente os homens. Graças a Deus hoje já se consegue fazer um Pronaf. Meu marido faz, eu posso fazer e meu filho também para beneficio do trabalho no campo,ondecompramosumcarro deesterco,sementes.

Mas as políticas públicas foram tiradas de nós, no plano de Lula nós tínhamos vários projetos que compravam o nosso produto e distribuíam nas creches, nos hospitais. Espero se Deus quiser as coisas melhore, eu sei que a gente não pode cobrar muito porque esse atual governo vai deixar o Brasil um buraco, não é coisarápida,masagentetemfé que melhore. E que as políticas públicas que foram tiradas dos agricultores e das agricultoras voltem porque a gente necessita disso.

Esenãoforoagricultor,pormais que muitos reclamem, nós somos pequenosagricultores,mastemos grandes trabalhos que beneficiam as pessoas. Não somos agronegócio que só pensa em embolsar dinheiro, nós pensamos em saúde e na alimentação da família.

As políticas públicas nos fazem falta, mas enquanto isso a gente vai levando com o que aprendemos na época das vacas gordas. Nós estamos nos tempos das vacas magras, mas aprendemos na época das vacas gordas a sobreviver um pouco, o conhecimento faz com que a gente consiga passar pelos tempos das vacas magras com dificuldades,masqueconsigamos levar.

Revista Anti-Horário: Como era avidaantesdaagroecologia?

Eu era uma jovem que vivia de casa para a escola, não tinha conhecimento da vida e nem nada. Naquela época a mulher tinha que ficar em casa, sem conhecer nada. Foi gratificante, pois com esse trabalho da agroecologia, eu estudei mesmo com dificuldades, não tinha políticas públicas. Tínhamos que criar um porco amarrado em um pédeárvore,paravenderepoder comprar uma farda, um caderno, uma sandália para ir para escola. Meus pais que eram analfabetos, não tiveram a oportunidade de estudar, naquela época o estudo era o cabo da enxada, plantar para comer, e eles me deram oportunidade de ter o que eles nãotiveram.

Hoje, sou Técnica em Agropecuária, Agricultora, ContabilistaeSindicalista.Eutive conhecimento das pessoas, pude levar meu conhecimento, aprender, tive oportunidades de viajar tanto dentro quanto para fora do país. “Hoje eu me sinto uma presidente da república (risos)”.

Eu era uma pessoa que não era conhecida, e que não tinha conhecimento, mas que tive a partir de todo trabalho de agroecologia.Sevocêmemandar para um lugar, sozinha eu estou indo. Eu agradeço a Deus, a minha avó que me deu oportunidade, a minha tia que ficou com meu filho para que eu pudesse estudar, na época eu crieimeufilhosó.Vocêpodesero que for, mas se você não tiver estudo,oconhecimento,vocênão vailonge.

RevistaAnti-Horário:Queimportância oseutrabalhotemnãosóparasua vida, mas também para outras pessoasqueavocêconhece?

Émuitoimportanteagenteproduziralgo de qualidade que traz saúde, vida. É muitogratificantequandovocêeoutras pessoas também vêm nos entrevistar, conhecer as nossas experiências. Eu façoasminhasfeirasagroecológicaeo pessoal vem comprar os produtos sabendo que é de qualidade. Faço a minhasentregasemCampinaGrande,o pessoalligadizendoqueavizinhaestá comprando e me indicou, tudo isso é gratificante,fazcomquemesmodiante das dificuldades eu permaneça na agricultura. Pra mim a agricultura te tira da depressão, você esquece as coisas ruins,porquevocêestáalipensandono quevaiproduzir. Égratificanteenquanto agricultora familiar agroecológica, enquanto mulher e parceira porque a gente trabalha em parceria, eu, meu irmãoemeuesposo.Então,tudoisso ajuda,agriculturafamiliaragroecológicaé aminhavida,eeunãomevejosemela.

Revista Anti-Horário: A renda da família aumentou com agroecologia?

Sim,poisnoinícioagenteviviada gratificação que recebia do sindicato,nãoeraumsalário.Seo agricultor contribuísse a gente recebia, se não a gente não recebia. Dentro do meu trabalho eutenhoumarenda,todasemana muitaoupouca.Àmedidaquevai aumentando as suas feiras, você vai fazendo projetos e colocando seus produtos, a renda aumenta. Na pandemia nós ficamos preocupados de não colocar nossos produtos e eles se perderem no campo, graças a Deus nós aprendemos a conviver comatecnologia,fizemosdelivery e até hoje nós estamos fazendo. EstamosnafeiradaquideLagoa Seca aos sábados e nas quintasfeiras na UEPB, onde fomos convidadosháquatroanos. Trabalhando com agroecologia fazendo delivery e vendemos em casa.Quandovocêconsomevocê deixa de gastar o dinheiro fora e tem que contar isso como uma renda,quandovocêdoa,temque contartambém.Paramimsehoje se eu for somar o que eu ganhei, o que melhorou na minha saúde, a minha renda anual sai mais do quevintemilreais.Sevocêvende cinquenta ou cem reais numa feira, você vai somando isso durante o ano, e muito ou pouco você vai ter uma renda extra. Minha renda melhorou, pois hoje tenho dinheiro para comprar um medicamento,darumpasseio. Vocêtemqueterlazer,trabalhare não ter lazer, não adianta. Guardar dinheiro, você morre e não leva, tem que viver a vida de acordocomoquevocêganha..

Isso aqui é minha vida, é meu tudo, de onde eu tiro minha alimentação.

Revista Anti-Horário: Quais os principais produtos cultivados comagroecologia?

O carro-chefe é o coentro, mas temos cebolinha, acelga, o alhoporó, o mini pimentão, couve. Temos uma diversidade, nós que somos agricultores familiares não podemos plantar uma cultura só. Inclusive, temos o algodão, nós não vendemos aqui porque só temos dois pezinhos, mas pelo menos faz parte do nosso ecossistema, o algodão acabou com o bicudo. Mas, a gente tá retomando esse trabalho e também tá gerando uma renda extra para o agricultor familiar. Isso tem bastante importância, a diversidade de plantas, animais, alimentos. Temos avencas que nós não vendemos, mas irei levar para o cemitério já que estamos nasemanadefinados.Ocampoé um lugar onde tudo se dá, basta vocêplantar.

Revista Anti-Horário: É difícil produzir com base na agroecologia?

A dificuldade que nós temos com relação ao produto agroecológico são as sementes, porque para plantar no convencional, têm sementesdetudoquantoétipo,já se manter na agroecologia, é preciso produzir a sua própria semente. Nós, ainda não produzimosototalmenteorgânico, mas produzimos o agroecológico quesãoduascoisasdiferentes. Quandovocêdizqueéorgânico,a semente é produzida no próprio campo, quando a gente diz agroecológico é porque muita das vezesagenteconsegueproduzir algumas sementes, mas outras é preciso comprar e transformá-las, plantar e cultivar como se não houvesse nenhum tipo de defensivo.

Por exemplo, a semente de coentro tem alguns agricultores que plantam, então conseguimos comprar, mas quando não tem a gente precisa encontrar aquela sementequenãopossuidefensivo e a plantamos somente com esterco e água, assim conseguimos fazer com que esse produtosejaagroecológico. Outra dificuldade é com relação a políticas públicas, precisamos de esterco, porém um carro de esterco hoje custa em média novecentosmilreais.

Hoje graças a Deus, há dois ou três anos, nós estamos criando ovelha,entãonãoprecisamosestá comprando,Joãotemumacabeça de gado. É muito difícil a gente produzir, é um produto que você coloca no campo, um canteiro de coentroelevaiemmédiaummês equinzediasparaproduzirelevar para a feira, você tem plantar e tirar no tempo dela, não tem pressa.

Se você tiver coentro para levar pra feira no sábado, leva, se não tiver espera que ela chega, não adiantavocêcolocarnada.

Se eu chegar à universidade qualquer professor que estiver ali pode levar meu produto. Eu não tenho essa preocupação de levar meu produto para fazer análise e teralgumtipodedefensivo. A mão de obra familiar é mais dificultosa,nósjáestamosficando cansadoscomopassardotempo, e muitas vezes se você contrata uma pessoa não vale a pena, porque o que você tira é preciso investir, se colocarmos uma pessoaparatrabalhardoisoutrês dias de serviço, na outra semana te coloca na justiça. Você tem todas essas dificuldades agregadas, mas vale a pena continuarnocampo.

Paraproduziréprecisofazeresse esforço, nem todo esterco é de qualidade, muitas vezes o que você compra vem de fora, vem com ureia, à maioria do gado que vem de fora é mantido com cama de aves, não é um produto muito bom. O gado come ureia para engordar e você traz isso e desgraça o seu campo, muitas vezes o gado toma um banho de carrapaticida, aí você traz esse produtoparacá.