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Gilberto Faria Lima e Cerveira

Gilberto Faria Lima e Cerveira

O processo de infiltração no Chile foi lento e sistemático. O CIEX tinha seus eixos de preocupações, e um deles passava por Joaquim Pires Cerveira2, que era um contato de Onofre Pinto de longa data, desde a fundação da VPR. Ele era parceiro da VPR. O plano inicial de sequestro do embaixador alemão seria realizado com seu grupo, só não o foi porque Cerveira foi preso. Cerveira parece ter tentado estabelecer uma base de ação na Bolívia3, mas isso antes do golpe de Estado naquele país. Nesta época o órgão disseminava para o Brasil a informação de que Cerveira “tem sido apontado como o ‘líder militar’ escolhido pela DGI cubana para chefiar uma guerrilha rural no Brasil”, mas queixava-se de que em Santiago “o círculo de Cerveira é bastante fechado, não permitindo fácil infiltração” 4. Fica o alerta que outras organizações poderiam ser mais fáceis. O faro da repressão via uma tentativa de organização com Izidoro Vianna Gutierrez5, e por Amarílio de Vasconcellos. Ou seja, seria uma organização de grande vulto, juntando militantes brasileiros de distintas origens. Tudo indica que em algum momento o CIEX consegue colocar um infiltrado junto a Cerveira, pois dados passam a chegar com mais frequência. O infiltrado seria a fonte de que “a Embaixada da Argélia no Brasil, recebe correspondência subversiva das diversas organizações revolucionárias brasileiras e as encaminha para a Argélia, por mala diplomática”6. Esse esquema oficial argelino permitiria que Miguel Arraes pudesse fazer contato com o Brasil e com o Chile. O CIEX também recebera informação de que Cerveira “pensaria viajar para a Itália, a fim de buscar fundos a serem doados pelo Partido Comunista Italiano”.7 Passa a ser corrente a identificação de Cerveira vinculado a Gilberto Faria Lima. E também os contatos com Johnson são frequentes, indicando que Lima foi ao Uruguai, onde devem ter se encontrado.

2 Cerveira é um desaparecido político. Foi sequestrado em Buenos Aires, dia 5/12/1973. 3 CIEX, n.326, 19/8/1971. Joaquim Pires Cerveira. “Montagem” na Bolívia”. 4 CIEX, 319, 19/8/71. Bolívia. Concentração de asilados. Joaquim Pires Cerveira. 5 CIEX, 341. Izidoro Vianna Gutierrez. Atividades. 24/8/71. 6 CIEX, 281, 2/6/1971. Serviço de informações da Argélia. Fatih Agha Kouane. Joaquim Pires Cerveira. 7 CIEX. 283. 5/6/1972. Chile. Banidos Brasileiros. Joaquim Pires Cerveira.

Um documento de agosto de 1971 dá conta de que Gilberto Faria Lima, “Giba”, “Carlos” ou “Zorro” teria estado em Montevidéu entre 1/5/71 e 1/6/71, demorando-se dois dias, hospedado com o elemento “CARLOS FREDERICO” (não identificado).8 Podemos facilmente inferir que era o Johnson. E supor também que não seja ele a fonte dessa informação 9, e que o CIEX estava bem desinformado sobre o que passava em Montevidéu. Essa mesma informação chegara antes ao SNI, dado o informe de que Lima “nome de cobertura de ROBERTO REYES, esteve no Brasil, há cerca de quatro meses, via Montevidéu – Rivera – Livramento”. E “disse o marginado que ingressou no Brasil – ‘tranquilamente’, mostrando, inclusive, carteira de identidade” do RS. O informe diz que “o nominado fez os primeiros contatos, em Buenos Aires, entre os banidos no Chile e o Montoneros”, e diz que ele “está muito diferente, fisicamente, pois engordou bastante”. Significa isso que o informante o conhecia anteriormente? Ele é identificado como “integrado no Grupo liderado por Joaquim Pires Cerveira e pretende realizar uma aliança com a ALN. Disse também, que conhece, na Argentina, a brasileira GUIOMAR SCHMIDT DE KLASKO, acusada de ter assassinado o industrial Sallustro”10. A origem desse documento é o II Exército, e essas informações seriam todas repetidas no Informe 290/72 do CIEX. Um ano depois temos informes sobre mais uma missão. Desta vez é uma longa e bem organizada missão de Johnson no Brasil na qual ele usa como senha para chegar nos militantes cartas manuscritas de Gilberto Faria Lima (cópias constam no documento) e dinheiro. Não há no relatório qualquer referência sobre como esse contato se deu, mas Johnson anota que a missão só terminaria quando ele fosse também ao Chile, onde estariam Lima e Cerveira. O relatório é muito detalhado, narra todos os encontros, todos os remanescentes militantes que foram procurados, as senhas usadas, e sempre enfatiza que Johnson alegava razões de segurança na forma de realizar os pontos11. Ele se apresentava como Alexandre, dirigente da organização

8 GILBERTO FARIA LIMA. Passagem por Montevidéu. N.267, 6/8/1971, C-3, CIEX. Secreto para vários órgãos. 9 Em 14/9/1971, o CIEX passava informação sobre Edmur Péricles Camargo, e explicitava que “a referida notícia teria sido enviada por carta pelo jornalista brasileiro ALBERTO CONRADO, atualmente radicado em Montevidéu”. CIEX, 358, B-2. Chile. Contatos de asilados brasileiros no Ministério do Interior. 10 Gilberto Faria Lima (o Zorro), 7/7/1972, II Exército, Informe 142/72 11 O plano da missão está no documento “missão no Brasil”, de 14/7/1972.

no Rio Grande do Sul. Essa missão iniciaria no dia 7/8/1972, em São Paulo. Ele segue atrás dos endereços e nomes “fornecidos por Gilberto Faria Lima”.12 O informe diz mais de uma vez que foi vigiado por outros membros das organizações, inclusive “fui atentamente vigiado por elementos naturalmente do PCB ou da organização de Faria Lima”.13 Ele não era conhecido dos militantes, que só o aceitam depois de ler as cartas, e ele mesmo indica que façam isso, reforçando a ilusão de segurança. Foi usado o nome de Lima, mas não está claro que ele estivesse colaborando, porque de resto, havia uma confiança em Conrado como militante, e ele usa também o nome de um líder, Cerveira, e esse contato já vinha ocorrendo há quase um ano, como mostram os documentos. Todos estavam enredados nesse poder atrativo. Que não vinha no vazio, todos os militantes contatos em São Paulo e Rio passam por conversas e até discussões com Johnson a fim de aprovarem o Documento dos Doze Pontos, que seria a reorganização da luta.

O informe 057/72, de 8/2/1973, do CIEX indica a “chegada ao Chile de elementos vinculados a Gilberto Faria”. É provável que esses sejam os militantes contatados por Johnson no Brasil. São eles: Milton Tavares, do MRT; “Decio”, da ALN, atualmente em posição dissidente (Decio Dockrone / e Freitas); Martinelli (Renato Leonardo); José Raimundo (Contas); Vierinha (Luis Carlos Vieira, esteve asilado no Uruguai). O grupo havia comprado uma propriedade ao redor de Santiago, onde estava dando cursos políticos e militares. Destes cursos participou Claudio Wayne Gutierrez, segundo informação de 17/7/1973. Ou seja, eles estavam organizados, havia um fluxo de brasileiros indo até lá, e estavam sendo cuidadosamente acompanhados. O contato com Gutierrez foi relatado também por Johnson, em mais um documento secreto que indica que Lima estava realizando contatos internacionais, desta vez com os Montoneros. Algum tempo depois o Informe 067 do CIEX apresenta qual seria a formação do grupo de Cerveira, em dezembro de 1972, e nele encontramos parte do núcleo militar da VPR:

Direção central: Joaquim Pires Cerveira, Gilberto Faria Lima e Altair Luchesi. Direção militar: José de Araújo Nóbrega. Ex-sargento Darcy

12 Informe Secreto US M 017, 11/9/1972, C-3. Fonte Johnson. Atividades de Agentes no Brasil. 13 Idem, p. 2;

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