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A grande fuga
ficado uma temporada em Peruíbe para recuperar-se. Mas, enquanto esteve lá ela era testada nas atividades físicas mais pesadas, “acusavam-na de atrapalhar o coletivo, cometer intermináveis erros, [havia para com ela] pouca solidariedade”16. Como ela objetivava provar que conseguiria, sua situação ia piorando. Quando saiu, levou meses a se recuperar.
A grande fuga
Quando a repressão chegou, e iniciaram a fuga, eram 16 pessoas. Lamarca decidiu que 8 sairiam em duplas. Outros 8 ficariam com ele, já ouvindo o barulho de helicóptero a sobrevoar. Nas memórias de Herbert Daniel, que saiu em uma das duplas no dia 20 de abril, ele narrou que pegou um ônibus, e
O motorista não deu sinais de achar que nossa atitude fosse estranha. Naquela altura, nossa cara, trabalhada pelos insetos, tinha perdido um pouco da urbanidade. Nossas roupas, depois de meses de mochila, tinham um ar miserável e cheiravam mal. Parecíamos camponeses vestidos para uma visita à cidade grande.17
Ou seja, um disfarce perfeito, que servia para a fuga. Mas não significava que estavam totalmente inteirados na população que ao ver a movimentação militar, prestariam informações, mas seriam também acossados pela repressão. O exército localizou o acampamento, que foi deixado com tudo, inclusive seus suprimentos de leite, arroz, feijão e chocolate. James Green conclui que “provou-se que a região era realmente um bom local para o campo de treinamento. De acordo com um relatório elaborado pelo II Exército, após uma missão relativamente mal sucedida de busca e destruição”, apontando as características geográficas do local. No fim, foi uma lavada na repressão, mas perderam tudo o que tinham. Esta é uma das histórias icônicas da luta armada brasileira. Tanto Darcy Rodrigues como Syrkis, entre outros, produziram relatos de como foi estar no campo de treinamento. Por outro lado, por ser uma operação oficial da repressão, gerou vasta documentação que pode ser consultada. Denunciados, foram perseguidos, cercados por milhares de soldados,
16 PATARRA, p. 366. 17 Herbert Daniel in GREEN, p. 145.
conseguindo escapar ilesos. Na fuga ocorreu um Tribunal Revolucionário contra o tenente Mendes que havia enganado o grupo, estava levando-os para uma emboscada. Se não fosse morto ali, iria impedir sua fuga, evidentemente que na versão desses militantes. Na operação foram presos Darcy Rodrigues e Diógenes Oliveira e logo em seguida, José Araújo Nobrega e Edmauro Gopfert. A tortura foi impiedosa sobre eles, que eram fonte de informações preciosas, sobretudo, como chegar a Lamarca. Depois de salvo, Lamarca “concedeu entrevista à imprensa europeia, comentando a experiência no Ribeira em termos otimistas. Prontamente, admitiu que a operação era apenas um esforço de treinamento, e não o início de uma guerra de guerrilha” 18. Perguntado sobre a dimensão da repressão, ele indicou que
Avaliamos que havia cerca de 20.000. Empregaram muitos helicópteros de observação e transporte de tropa, caças T6, aviões C47 para transporte de tropa e bombardeios B23. O emprego de tropas não se restringiu ao Vale, se estendeu desnecessariamente a uma área mais ampla.19
Não sabia Lamarca que o Exército fez uso de napalm no Vale. Em reportagem de 2014, da Agência Pública, há vários relatos, entre os quais, de Oscar – que tinha na época 20 anos
“Era um botijão grande que caía, explodia. Era perigoso aquilo, fazia um estrago, cortava árvore dessa grossura, arrancava… Você tá vendo negócio vindo lá de cima, que não tem um lugar certo de cair, aí nós passamos muito medo daquilo, que se um avião deles joga um tanto de coisa lá de cima quem vai saber onde vai cair né? Aí foi a pior parte que nós passamos”, diz. “Era uma guerra mesmo”.20
A reportagem usa e disponibiliza o Relatório da Operação Registro, que consta de 56 páginas. Após a fuga incrível, Lamarca faz também uma avaliação mais ampla, a partir do seu preceito sobre a importância de ter uma base de treinos no Brasil, não apenas no exterior:
18 GREEN, 2018, p. 147. 19 Entrevista de Carlos Lamarca “publicada em periódicos europeus”, 1/6/1971. Cedema.org. 20 https://apublica.org/2014/08/napalm-no-vale-do-ribeira/
Encaramos o fato de que companheiros treinados no exterior não se dispunham a preparar a luta no campo, sempre permaneceram nas cidades. Enfrentamos também o problema do grande tempo necessário para o treinamento no exterior, assim como os gastos. E ainda, cremos que um grupo que vai executar guerrilha deve conviver e coletivizar antes de entrar na área.
Ele indica a importância do centro para poder integrar os militantes com outras organizações, para “diminuir o sectarismo e as divergências que só podem ser superadas no processo através de um encaminhamento conjunto”. Como indicou Green, as avaliações também davam a falsa ideia de invencibilidade
O comandante da operação guerrilheira fizera sua avaliação menos de um mês após escapar ao cerco, e é improvável que tivesse informações precisas sobre a real quantidade de tropas enviadas para capturá-lo. A estimativa inflada dos números do inimigo fortalecia a ideia de que as guerrilhas poderiam suplantar o Estado (...) reforçou a ideia de que o projeto de guerrilha ainda era viável.21
Dentre os vários processos e documentos disponíveis, há o registro do jovem Ariston Lucena22, que depois de preso levou posteriormente o Exército a encontrar o local onde o Tenentes Mendes fora enterrado, coisa que até hoje não faz o Terrorismo de Estado brasileiro com os Desaparecidos. Há outro elemento importante a ser ressaltado, quanto à forma que o Exército trata os moradores locais quando faz sua incursão. Pessoas presas, submetidas a constrangimento de todo tipo, tratados como coniventes, de forma análoga a que seria feita no caso do Guerrilha do Araguaia. A reportagem da Agência Pública recuperou um pouco desse método:
“Maltrataram” muita gente. “Judiaram” do seu Maneco. Com essas palavras os moradores da Capelinha lembram da atuação do Exército durante o cerco militar que mobilizou quase 3 mil homens para capturar militantes da VPR. “A gente ficou com medo, um pouco. E o pior que ficou com medo que a polícia prendeu a gente, não deixou a
21 GREEN, p. 148. 22 II Ex. CIO, 21/9/1970. Material apreendido na área de treinamento de guerrilha da VPR.