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A área de treinamentos
projeto. O fato é que não conseguiram ir além da fachada social, não chegaram a construir raízes no local além das que já existiam previamente, o que eram dois grandes erros na estratégia de guerrilha: não ter apoio local e ter já um contato que deixava rastros para serem descobertos.
A área de treinamentos
O livro 1970: uma guerra no Vale da Ribeira, do jornalista Celso Luiz Pinto, tenta fazer uma reconstituição dos principais elementos envolvidos no Vale. Alegando-se neutro, traz algumas fontes que precisam muito cuidado para ser usadas, como o relatório do projeto Orvil. Faz algumas afirmações sobre as quais não há fontes e não se tem como buscar a confirmação. Ainda assim, é um apanhado que busca uma sistematização sobre o tema, ajudando a esclarecer algumas questões. Inicialmente houve o estabelecimento do campo de guerrilha num local entre o litoral de São Paulo e Curitiba, conhecido como Sítio Palmital. Seria, adiante, conhecido como área 1. Havia um ponto de apoio, no litoral, fora da zona da mata, que era uma casa em Peruíbe. E por fim, a área um pouco mais extensa onde os treinamentos teriam avançado, a Zona 2, sobre a qual há a maior controvérsia sobre como foi que ela caiu, já que a área 1 já estava desativada quando foi entregue na tortura. A pesquisa de Gasparotto recupera essa discussão, esclarecendo que oficialmente a VPR acusou Lungaretti e Massafumi da delação, após o que “a área de treinamento da guerrilha da VPR sofreu ataque das forças armadas a partir do dia 21 de abril (1970)”7. Segue a historiadora:
Conforme seu relato, após sofrer intensas sessões de tortura, acabou ‘abrindo’ alguns pontos e revelando informações importantes sobre a VPR, como a localização da primeira área de treinamento de guerrilha urbana, no Vale da Ribeira, que ele pensava estar desativada. Abalado psicologicamente e ameaçado de morte, viu-se forçado a redigir uma declaração em que se dizia arrependido.8
O seu relato ganha força na documentação do II Exército que distingue claramente as áreas de treinamento. Além daqueles que foram
7 Manifesto da Vanguarda Popular revolucionária sobre a experiência no Vale da Ribeira. 1/9/1970. Cedema.org. Consulta em 12/5/2020 8 GASPAROTTO, 2012, P. 232.
para a região receber o treinamento de guerrilha, o local recebeu a visita de alguns importantes militantes, com destaque para Toledo, então coordenador da ALN e de Maria do Carmo Brito, da coordenação Nacional da VPR. Também Mario Japa esteve nesse local quando voltou de seu treinamento em Cuba. Ele acabou preso em “circunstâncias inadmissíveis” para Carlos Lamarca, pois sofreu um acidente ficando à mercê da polícia, com um carro cheio de documentos e armas. Sua prisão fez com que uma ação relâmpago de sequestro do cônsul japonês fosse realizada para evitar que ele abrisse as informações, o que levou à parcial desmobilização da área com a ida de Lamarca à zona urbana para realização da ação. O local também deveria servir para tirar de circulação alguns militantes que estavam muito visados pela repressão. Seria o caso de Massafumi Uoshinaga9 e de Yoshitane Fujimori10. Celso Lungaretti, sob o nome de Lauro Pessoa figurava como o comprador do sítio. Todas as transações envolviam um prefeito que era simpatizante da VPR, e que posteriormente contribuiria para o desvendamento das ações. Nesta primeira área constava como caseiro de fachada José Lavecchia, que depois participaria de treinamento efetivo, sendo um “veterano” de 50 anos. Pinho aponta como 15/11/1969 a data da chegada de Carlos Lamarca ao campo, constituindo-se então a base da “escola de formação de guerrilheiros da VPR”.11 Pinho cita um relato de um militante, o
Joaquim dos Santos, o “Monteiro”, pessoa de ligação entre o campo de treinamento e a VPR, que em determinada ocasião, trafegando pela BR 116, ouviu ecos de tiros vindos do Sítio Palmital, percebeu-se que aquele local não era tão excelente como, a princípio, se pensou, uma vez que a grande proximidade com a rodovia, a existência de pequenos sitiantes nas imediações e a presença constante de caçadores na região, demonstraram sua vulnerabilidade, tornando-a inviável para os fins que lhe foram destinados.12
9 Era militante próximo a Lamarca. Quando preso acabou sendo um dos “arrependidos” e gravou depoimento à televisão renegando a luta. Após duas tentativas frustradas, cometeu suicídio, em 4/6/1976. 10 Militante morto em perseguição policial, em 5/12/1970. http://memoriasdaditadura.org.br/memorial/yoshitane-fujimori/ 11 PINHO, Celso Luiz. 1970. Uma guerra no Vale do Ribeira. SP, LP, 2016. 12 Idem, p. 51.
A VPR optaria por uma segunda área. Esta área teria como fachada a presença de Tercina Dias Oliveira, que junto com três crianças, seus netos ajudavam a fazer a aparência de uma vida normal naquele lugar. Ela era conhecida como Tia, e ficaria responsável também por confeccionar as fardas dos militantes em treinamento. Junto com Lavecchia, que confeccionaria as botas, eles davam a fachada de uma família. A segunda área, a Fazenda Boromi, foi comprada também do exprefeito, Manoel de Lima, “no distrito Capelinha, altura do km 249 da Rodovia Régis Bitencourt, tendo como referência o Ribeirão da Salmoura.” 13 Passou a ser ocupada em dezembro de 1969. Oficialmente, Palmital foi desativada, e quando caiu na delação foi feita extensa diligência militar no local, sem encontrar o que buscavam, já que estavam todos na área 2. Na explicação de Pinho, os primeiros desligamentos do campo foram de Lungaretti e de Massafumi. O primeiro acreditava que seria mais útil à organização na cidade; o segundo não se adaptou, e, segundo Pinho, “à sua saída, Carlos Lamarca advertiu-os que, embora o campo (Palmital) brevemente seria desativado, sua localização, caso os desligados fossem presos, não deveria ser aberta aos órgãos de repressão”14 . Com certeza, não deveriam e não queriam ter falado, mas já vimos em que condições se produzem as salas de tortura, como ressaltou Green:
No dia seguinte que Juarez e Maria do Carmo retornaram para o Rio de Janeiro na reunião de Peruíbe, Celso Lungaretti e diversos membros da organização foram presos no Rio. Sob tortura, Lungaretti revelou informações sobre o primeiro campo de treinamento na propriedade que comprara para a organização. Ele imaginou que, como o acampamento havia sido desmantelado, as informações que fornecera o poupariam da tortura com choque elétrico enquanto a Polícia verificava as informações. Ele não sabia que a liderança havia decidido comprar outro terreno do mesmo proprietário.15
Esse proprietário foi também preso, torturado, passando mais informações. Os mapas da época ajudam a visualizar.
13 Idem. 14 PINHO, p. 52. 15 GREEN, James. Revolucionário e gay. A vida extraordinária de Herbert Daniel. Pioneiro na luta pela democracia, diversidade e inclusão. RJ, Civilização Brasileira, 2018, p. 144.


Croqui do local. Mapa e fotografia de helicóptero usado na operação (jornal Tribuna)
Dentre os militantes que receberam treinamento estavam José Araújo Nóbrega, Ariston de Oliveira Lucena, Edmauro Gopferd, Diógenes Sabrosa de Souza, Delci Fensterseifer, Ubiratan de Souza e Valneri Neves. Lamarca escreveu longos manuais de sobrevivência, com materiais de análise militar e também de segurança e saúde, como o que segue:
Setor Saúde. Manuscrito de Carlos Lamarca. BNM42

Esses conhecimentos seriam essenciais para a sobrevivência naquele local e condições. A adaptação não seria fácil. É preciso levar em conta que estamos falando de uma região de mata atlântica. Os treinamentos se davam de forma bastante rigorosa. Iara Iavelberg também não se adaptou ao treinamento, teve sérios problemas de saúde, tendo