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Estudos preliminares

carregando o caixão2. Comportamento bem distinto daquele que foi usado pelos militares quanto a seus assassinatos: torturas, mutilações, ocultamento de cadáver, etc. Dentre os militantes que se salvaram no Ribeira estão Jose Lavecchia, um dos nomes que consta como desaparecido na chacina do Parque Nacional do Iguaçu, em 1974, temas que trataremos mais à frente. E também Gilberto Faria Lima, que após deixar o centro de treinamento tem uma militância conturbada. Muitos outros passaram pelo local, o que tornava também frágil do ponto de vista da segurança. São muitas as controvérsias, e imediatamente após os fatos, as Forças Armadas decidiram o silêncio sobre os fatos, para evitar a criação de um mito, uma lenda, em torno do capitão que eles não haviam conseguido pegar, e do qual todos queriam fugir, e internamente, o problema foi tema de intenso debate, pois foi uma enorme derrota.

Estudos preliminares

Diógenes de Oliveira, que passou por treinamento no Vale, narra que lá nos primórdios da VPR já haviam ido em busca de um local na região:

Quando saiu a notícia da morte do Che eu tinha recém-chegado em São Paulo. Fui para a Serra do Sapateiro, no Vale da Ribeira, ao Sul do Estado de São Paulo, junto com um grupo pequeno de exmarinheiros e ex-sargentos, todos do antigo MNR. Passaram por lá, alternadamente, umas quinze pessoas. Nós queríamos fazer a guerrilha rural e um simpatizante nosso, que era de Jacupiranga, nos apresentou o local. Depois, o Lamarca foi lá – mas ele foi para treinar - nós pretendíamos deflagrar um foco guerrilheiro havia uma mina abandonada de cristais e era uma ótima fachada. Nós nos apresentamos como exploradores da mina de cristal.3

Isso nos mostra que a presença deles não era totalmente desconhecida da população, eles tinham que ter uma fachada para

2 Em 2014 o tenente Mendes foi novamente homenageado pela Polícia de São Paulo. Isso demonstra a persistência do mito em torno da questão. https://noticias.r7.com/sao-paulo/rota-recebe-homenagem-da-camara-de-sp-e-reinauguramonumento-a-tenente-morto-durante-cerco-a-lamarca-10052014 3 DIÓGENES in FUKUDA, p. 73.

permanecer ali. Mas o próprio Diógenes avalia como problemático o local escolhido.

Se você olhar um mapa você vai ver que íamos fazer uma bobagem; nós iríamos para em Serra Negra, lá pelos lados de Guaraqueçaba, no litoral Norte do Paraná. Quando começassem os combates, o Exército, que costuma usar a tática ‘martelo e bigorna’, nos cercaria e nos empurraria em direção ao mar, onde seríamos destruídos. O Lamarca, quando foi descoberto pelos serviços de segurança, não se deixou encurralar contra o mar, e atravessou a rodovia Régis Bitencourt.4

Também na posição de Espinosa, que como vimos, era bastante crítica às decisões do comando de Maria do Carmo Brito, Juarez e Lamarca, é contundente, indicando que dentro da organização não havia consenso sobre as medidas tomadas e sobre o local. Na narrativa de Solnik:

Espinosa soube na prisão que Lamarca tinha escolhido o Vale da Ribeira para campo de treinamento da coluna guerrilheira. Estranhou muito, pois um ano antes, o Comando Nacional da VPR, do qual Espinosa e Lamarca faziam parte, tinha se arrependido por ter comprado uma fazenda na mesma região. - Vamos vender. Vamos nos livrar disso; Por que? Porque aquela região não é boa do ponto de vista estratégico. É uma região que tem 180% do seu ângulo fechada pelo mar. Fácil fazer o cerco estratégico: é só vir por fora. Situa-se entre o 3º e o 2º Exército, prensada entre os dois principais corpos, do exército do país e o oceano. A partir do cerco estratégico basta ir fechando cercos táticos, os cercos operacionais. Tá liquidado. Não serve.5

Segundo ele, o terreno foi vendido, mas depois com a “tal a fissura de fazer a guerrilha”, foi comprado outro, colocado no nome de Celso Lungaretti, em Jacupiranga, lugar de origem de Onofre Pinto. A crítica se completava: “fora para lá sem nenhuma implantação social, sem nenhuma lógica de ação política, pensando só na guerra. Foram fazer o que? Treinamento. Foram lá a fim de justificar o racha”.6 Obviamente que se poderia dizer o contrário, que o racha se deu porque acreditavam no

4 Idem. 5 SOLNIK, p. 165. 6 Idem.

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