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A vanguarda se impõe

to da direção, sugerindo que se adote uma “linguagem clara” para ampliar seu alcance. Trazem elementos conflitantes para aquele debate, lembrando que “é mais do que sabido, e cada vez mais em evidência, que as classes nunca ‘cedem’ na luta de classes”.31 O documento debate e discute a tese da luta de libertação nacional e o revisionismo soviético, pelo qual critica ainda a posição de Cuba para buscar se aproximar da concepção da revolu ção chinesa. Ou seja, demarca-se uma crítica ao superdimensionamento que teria Cuba e seu método revolucionário, defendendo que se incorporasse “A Revolução da Nova Democracia, tese de Mao-Tse-Tung”, que permitiria pensar o papel do camponês e da luta antimperialista. A crítica de Lamarca a esse texto seria escancarada na capa da revista Veja como “segredo do terror” (28/10/1970), em que Lamarca criticava o comportamento “alienado” da companheira Odete, apontada como autora das críticas32. O documento da militante de codinome Odete traz o tema, com uma citação de poema de Bertold Brecht, “mas quem será o partido?”. Lamarca faria uma autocrítica.

A vanguarda se impõe

Em entrevista a Chagas, Dowbor diz que “a gente definiu um programa mais amplo, justiça social, democratização, distribuição de renda, eixos e não socialismo para isso e aquilo. Definimos pela busca de uma articulação mais ampla com diversos setores”.33 Segundo Chagas,

A VPR definiu como modelo da sua estrutura organizacional uma vanguarda operacional e militarizada. Postulava a formação de pequenos grupos de ação com autonomia que fossem capazes de levar adiante ações de guerrilha nos seus campos de atuação. 34

Ele cita o documento “O caminho da Vanguarda”, no qual seria apresentada a teoria revolucionária da VPR. Percebe-se uma forte influência de autores trazidos das leituras da Polop: André Gunder Frank, e

31 Idem, p. 3. 32 O texto da Base Operária é de maio de 1969. O texto “estrutura alienada e alienante”, embora sem data, se encontra junto com os textos de CID, de 1969 (BNM42). A crítica de Lamarca está na capa e corpo da Veja em 1970. Portanto, é possível que quando o mesmo aparece na capa da revista já fosse tema passado da organização. 33 Dowbor in CHAGAS, p. 3. 34 CHAGAS, P. 72.

as leituras dos brasileiros Octavio Ianni e Celso Furtado, chegando à conclusão de que o país estava sob julgo imperialista, e que “seria impensável um projeto revolucionário que considerasse a participação da burguesia nacional”35 . Um texto atribuído a Gunter Frank, localizado junto à documentação da VPR, se posicionava:

Regis Debray exprime ideias complementares: segundo ele, nas circunstâncias atuais na AL, um ‘foco’ que une e exerce simultaneamente a direção política e militar num quadro rural deve ter precedência sobre a formação de uma vanguarda ou de um partido de massa urbana.36

Ou seja, com Jamil a posição refuta o partido de massas, mas vai seguir na linha de vanguarda. Não havia condições de seguir toda a organização no campo. A experiência dos militantes buscava captar essa realidade. Jamil além de produzir documentos, participou de várias ações armadas, contribuiu para a reorganização do grupo em momentos de crise, foi preso e torturado. Sairá do país como um dos trocados pelo embaixador alemão. Sustentando uma posição bastante excludente quanto à possibilidade de ação de massas, temia, sobretudo, estudantes armados sem preparo em ações de ampla mobilização. Os riscos eram imensos. Na Argélia, quando foi um dos libertados, atuaria como porta-voz dos militantes, denunciando as torturas sofridas. Deu entrevistas em muitos órgãos de imprensa internacionais. É preciso observar que em dado momento, para o funcionamento da VPR os estudantes passavam a atuar também como vanguarda armada, não mais como movimentistas. Eles pegariam em armas, da mesma forma que os sargentos. Isso ocorreria não por uma opção, mas as quedas vão levando à falta de opções de braços armados para as ações. Podemos perceber, por exemplo, no relato de Alfredo Syrkis sobre a organização do grupo que é sumariamente relatado como “estudantil”, mas que acabaria recrutado para tarefas centrais na resistência armada. No livro Carbonários, Syrkis [Felipe] narra essa conversa com Jamil, que fora de

35 Chagas, p. 75. 36 Quem é o inimigo imediato? Andre Gunter Frank. BNM42, fl 941.

São Paulo especialmente para dar orientações ao seu grupo, de forte vínculo no movimento estudantil:

[Felipe] Pequena dúvida companheiro, será que não valeria a pena manter um setor estudantil, um setor operário... [Jamil] Olha, somos todos uns caras que sabemos que não vamos lá viver muito tempo, né? O tempo que nos resta, queremos usar fazendo alguma coisa de realmente útil. Esse negócio de estrutura de massas, setor operário, estudantil, isso não dá pé. A repressão é forte demais, não dá mais pra fazer. Senão vamos acabar ficando imobilizados feito a VAR. Tanta coisa pra fazer, tanta gente coçando o saco37 .

Portanto, há um julgamento moral. Se não fizessem o que ele estava falando iriam “acabar como a VAR”, ou seja, burocratizada, e muito pouco ativa, assim como aqueles que ficavam “coçando o saco”, noção que ficaria presente na mente dos militantes que queriam “prestar serviços à revolução”: obediência e ação, mesmo que isso desembocasse em tarefismo, até porque sabiam que “não iam viver muito tempo”. Evidentemente que isso serve para aumentar a coragem dos militantes em suas pequenas ações, a possibilidade real de que sua vida poderia ser perdida em qualquer uma de suas tarefas na organização. Posição semelhante aparece em Juvenal (Juarez de Brito), que era o comandante que logo seria morto no cerco da repressão:

Na nossa organização não há lugar pra estruturas de trabalho de massas. São muito vulneráveis, pouco clandestinas. Além disso podem acabar virando uma espécie de polo reformista dentro da organização. Lembre o que aconteceu com a VAR. Esse negócio de organismo, pra trabalho de massas, é um problema danado. Nós queremos é construir uma organização de grande poder de fogo, ultraclandestina que faça as grandes ações destinadas a sacudir o país e ter um grande impacto sobre o povo.38

Mesmo que não tenham sido essas palavras ipsis litteris que foram ditas por Juvenal, pois estamos tratando de lembranças de Syrkis sobre as palavras dele, o sentido geral estava dado: alguns estudantes seriam úteis

37 SYRKIS, 1981, p. 133. 38 SYRKIS, P. 135-6.

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