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NAIANA MAGALHÃES: VENERAÇÃO E DEFESA DAQUILO QUE NÃO SE FOI, MAS QUE NÃO SABEMOS SE UM DIA IRÁ
from RISCA
A obra de Naiana Magalhães tem se desdobrado com profundidade no estudo conceitual e visual das paisagens litorâneas cearenses. Apoiada na luta pela sustentação dos meios naturais da região, a artista expande suas inquietações em elaboradas produções que reivindicam memória, produção crítica, manutenção dos meios naturais, denúncia social e a arte enquanto plataforma de luta por uma sociedade de bem-estar e viver coletivo.
Utilizando-se de linguagens e conceitos variados, apropriando-se de elementos marcantes da paisagem que a cerca — as águas, as areias, as pedras, as conchas, entre outros —, a artista se afirma em produções expandidas, com desejos políticos, artísticos e poéticos, anunciando formas de entender a vida entre o invisível e visível, entre o sensível e o real.
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As águas do mar talvez tenham maior presença em sua produção. A artista costuma afirmar que já “nasceu olhando o mar” e que “foi o mar que ensinou a imaginar”. Ora, foi pela janela da casa onde viveu na infância que a artista descobriu os movimentos das ondas oceânicas, base para suas narrativas e produções. Para ela, o mar e seus elementos são formas de entender a vida, a si e o mundo. Não à toa, desenvolveu Sombra do Tempo (2019), filme que documenta seus dias navegando em altomar junto a jangadeiros, na deriva da aventura e da experiência. O vídeo documenta poeticamente o conhecimento daqueles que estão no encontro diário com o natural, com as formas de conhecer a si mesmo em deriva. Tal obra traz imagens que flertam com as delicadezas ameaçadoras das águas, do tempo e das incertezas da vida, navegando em amalgamados, suaves e explosivos vai e vem, com deslocamentos de luz e vento.
Na linha tênue que envolve o existir em meio à artificialidade urbana, extrativista e capitalista, persistindo na busca por formas sustentáveis de vida, Naiana Magalhães faz de suas obras plataformas para documentar tempos, memórias, saberes construídos fora das institucionalidades das artes. Reforçando um caráter social, ela fomenta críticas aos excessivos controles mercadológicos dos territórios litorâneo e sertanejos do estado do Ceará. Em Cariris (2018) e Fortal (2018-2020) expõe a especulação da orla de Fortaleza, área com um dos metros quadrados mais caros do país e onde se forma uma imensa barreira de concreto contra o vento marítimo, o que contribui para o superaquecimento da cidade, além de também elitizar e excluir possibilidades de vida que não se adequam a determinadas formas e desejos.
Em ambas as obras, Naiana Magalhães desenha edifícios presentes na faixa litorânea da cidade, dando ênfase ao uso da pedra Cariri, importante composto do solo cearense, que, além de sedimentar o solo, apresenta registros da vida no planeta de milhões de anos atrás, uma preciosidade que merece ser observada com minuciosidade, mas que tem sido vítima da extração desenfreada do mercado imobiliário e da política governamental aliada aos descasos com a cultura nacional.
O mar também é um elemento simbólico na história do Ceará, relacionando-se à bravura e resistência do nosso povo, simbologias fundamentais. Foi a partir do mar, por exemplo, que o abolicionista Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar, lutou pela abolição da escravidão e se tornou referência nacional. Das bordas que seguram as águas que banham as praias àquelas que cobriram o sertão há milhões de anos, o mar é símbolo de bravura, resistência e poesia; e também marca a produção de diversos artistas cearenses, como o conhecido Raimundo Cela e também Naiana Magalhães, mais um capítulo dessa narrativa.
O ano de 2022 foi um ano marcado por violentas perdas, adoecimentos, dores e choros amargos daqueles que lutam pela permanência das vidas humanas e não humanas, que entendem a permanências das florestas, dos mares, dos rios, das vidas animais e vegetais como fundamentais para a existência do planeta e de uma humanidade mais saudável, em um estado dicotômico, dividido entre os desejos genocidas e aqueles que incansavelmente lutam por melhorias. Na obra “Ecologiaépoesia”, por exemplo, a artista expõe pedaços dessa situação. O título remete à fala de um engenheiro da Prefeitura de Fortaleza, responsável pela obra da CE-010, rodovia estadual que atravessa o percurso de uma duna de areia móvel. O profissional, ao se deparar com a areia da duna cobrindo a pista, manifestou descaso com as denúncias e o meio ambiente.
As dunas foram tema de outra obra da artista, a instalação Duna sob tela (2022), apresentada em RISCA, sua exposição individual no Museu de Cultura Cearense, instituição integrada ao Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. O título ironiza o formato clássico da pintura — óleo sobre tela —, que aqui se materializa com uma tela plástica perfurada esticada no solo e mantendo pequenas elevações, sob qual é despejada areia, formando a paisagem visual que remete às dunas.
Conectando espaço, história e atualidade, a artista opera um longo trajeto entre vida, pensamento crítico, suporte da materialidade para falar sobre o que ocorre no espaço brasileiro, na disputa por sustentação da vida e na urgência de manutenção do que nos sustenta neste mundo.
Afundados
2012 · Vídeo-instalação
Acervo da artista



Vento Leste
2018 · Pintura, acrílica s/ tela
20 x 30 cm
Acervo da artista
Ecologia é poesia
2021 · Objeto
4 taças de vidro, areia colorida
27 x 60 x 10 cm

Acervo da artista
Varreduna (acima e na página seguinte)
2021 · Díptico de fotografia s/ papel algodão
140 x 100 cm [cada]
Acervo da artista
Série 1/12


Fortal na Areia
2022 · Objeto
3 taças de vidro, areia colorida
16 x 30 x 7 cm

Acervo da artista
Série Fortal 01
2018 · Pintura, acrílica s/ tela
90 x 80 cm
Acervo da artista
Série Fortal 02
2018 · Pintura, acrílica s/ tela
30 x 40 cm
Acervo da artista
Série Fortal 03
2018 · Pintura, acrílica s/ tela
30 x 40cm
Acervo da artista



Cianofóssil
2018 · Série de 12 cianotipias s/ papel Mix Media
29,7 x 21 cm


Acervo da artista
Série 1/35