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Entrevista a Alexandre Azinhais

da velocidade à estreia no Dakar

UM DOS DOIS ESTREANTES ABSOLUTOS NO DAKAR 2021 É ALEXANDRE AZINHAIS. QUATRO ANOS DEPOIS DA AFRICA ECO RACE, TEM AGORA O DESAFIO NO PELOTÃO COM OS MAIORES PILOTOS DO MUNDO – ALGO INÉDITO NA SUA CARREIRA E UMA CHANCE IMPERDÍVEL PARA QUALQUER UM.

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TEXTO: BERNARDO MATIAS / FOTOS: ALEXANDRE AZINHAIS

Depois de competir na Africa Eco Race, no Rali Merzouga e outras provas de todo-o-terreno em África, Alexandre Azinhais teve o convite para cumprir um sonho em 2021 – participar no Dakar, a maior prova mundial de rally raid. Nesta sua estreia vai estar com o Club Aventura Touareg aos comandos de uma KTM 450 Rally Replica. O Motorcycle Sports entrevistou-o em exclusivo e nas próximas páginas pode ficar a conhecer melhor Alexandre Azinhais – que, ao contrário dos grandes favoritos, não se dedica a 100 por cento ao motociclismo.

Motorcycle Sports (MS): O Alexandre Azinhais começou na velocidade e só depois foi para as modalidades offroad. O porquê dessa mudança?

Alexandre Azinhais (AA): ‘Eu comecei nas modalidades offroad como complemento à velocidade. Queria ter mais tempo em cima de uma moto, porque estava limitado ao tempo dos track days, quando podia haver aluguer de pista e isso tudo. Portanto, para poder passar mais tempo numa mota, para poder treinar melhor derrapagens, entradas em curva e tudo, achei que era um bom complemento para a velocidade na altura’.

MS: E depois tornou-se a ocupação a tempo inteiro no motociclismo...

AA: ‘Tornou-se a ocupação. Deixei a velocidade porque me fui apaixonado pelo todo-o-terreno. Nós podemos andar todos os dias de mota e passar no mesmo sítio, e cada vez que passamos lá é diferente – temos outras sensações, temos outra liberdade, temos mais tempo de que podemos usufruir em cima da mota e tem outro desafio, digamos’.

MS: E não é preciso o aluguer das pistas...

AA:‘Exatamente. Traz outra liberdade de tempo e, mesmo ao nível económico, torna-se mais fácil. De cada vez que vamos para uma pista tem de ser pago o aluguer do todo-o-terreno, têm de ser pagos os pneus, a preparação da mota, isto e aquilo. Nós, com o todo-o-terreno, tudo bem que tem custos e também não são assim tão baratos. Mas temos outra liberdade, podemos ir as vezes que quisermos e quando quisermos’.

MS: Entre os portugueses em prova, o Alexandre Azinhais não é dos mais conhecidos do grande público. Pode fazer uma apresentação do seu passado em competição?

AA: ‘Eu comecei a fazer ralis de uma forma engraçada. Nunca tinha ido a África, nunca tinha ido a Marrocos. E tenho um amigo, com o qual eu comecei a andar de mota de todo-o-terreno, que me desafiou a ir a Marrocos. E eu disse, «ok». Eu era um bocado suspeito de Marrocos, tinha medo porque não conhecia. Ele disse-me, «olha, junta-se o útil ao agradável, tentas fazer um ralizinho». E, entretanto, havia o Rali de Marrocos, o Rali Merzouga. E eu fui para o Rali Merzouga sem nunca ter ido a Marrocos, sem nunca ter andado em areia, sem nunca ter andado em dunas. Pânico! [risos]. Foi sofrer até ao fim. Mas é o que me traz desafios. Portanto fiquei apaixonado. Digo assim: «Isto é difícil, é um desafio para mim». E então quis continuar’.

MS: O «bichinho mordeu» com essa participação?

AA: ‘Exatamente. É diferente do que temos aqui. É uma sensação de só dependermos de nós próprios. Estamos ali no meio do nada, temos de depender da nossa navegação e temos de conseguir chegar onde nós queremos através da nossa pilotagem e sabendo fazer aquilo que fazemos, porque senão não vamos a lado nenhum. Não é?’.

‘VIRAM QUE EU ERA REGULAR E FIZERAM-ME O CONVITE’

MS: Quando o Alexandre começou a treinar em offroad nunca imaginou sequer estar numa competição de todo-o-terreno?

AA: ‘Não, não, não. Eu sempre acompanhei o Dakar desde criança, na televisão. E era impensável eu pensar que algum dia eu iria fazer o Dakar. Eu olhava para os pilotos do Dakar – e ainda olho – com um fascínio enorme e como verdadeiros lutadores. É preciso ter um espírito de sacrifício enorme. E nunca pensei que, um dia, poderia eu estar no Dakar’.

MS: Só decidiu participar em março deste ano, quando a pandemia já começava a dominar a ordem do dia. Como e porquê surgiu esta ideia neste contexto?

AA: ‘Esta oportunidade surgiu porque este inverno, no mês de janeiro, fui fazer um rali – que era o antigo Intercontinental, depois começou a ser apelidado por Real Way to Dakar. E fui fazer o rali que é mais em género de navegação por GPS por waypoints. E é um rali que se pode dizer que é nas antigas pistas utilizadas no Dakar, que vão desde Marrocos até ao Senegal. A prova correu-me bem, fiz o segundo lugar, consegui imprimir um bom ritmo de corrida desde o início até ao fim. Correu-me bem, fiz segundo, e havia o Club Aventura Touareg – que é um clube espanhol já com uma certa relevância que presta assistência e organiza também eventos ao nível de offroad. Eles ficaram interessados. Fizeram-me o

convite. Disseram-me: «Nós já temos um projeto no Dakar já há três anos, nós somos uma empresa que queremos prestar serviços a pilotos amadores e queremos demonstrar que é possível ir a um Dakar sem se ser profissional; nós ajudamos ao nível de logística, ao nível de assistência, e desde que o piloto tenha preparação física e já tenha alguns conhecimentos de navegação que consiga cumprir a corrida até ao fim é possível fazer o Dakar; obviamente não será para ficar num lugar de destaque, mas é possível fazer o Dakar e é possível desfrutar do andar de mota e da navegação e do todo-o-terreno». Então eles convidaram-me a mim e a mais dois pilotos para fazermos parte da equipa – não como clientes, mas para divulgação. Portanto, nós somos pilotos da equipa e o que eles pretendem é que haja uma regularidade. Eles olharam para o meu ritmo, viram que eu era regular e fizeram-me o convite’.

‘A MINHA «MECA» SEMPRE FOI FAZER O DAKAR’

MS: Antes deste convite não sonhava, sequer, participar num Dakar?

AA:‘Eu sempre quis e a minha «Meca», a minha finalidade, sempre foi fazer o Dakar. Mas, como nós sabemos, o Dakar é uma prova que não só exige um grau de pilotagem ou de sabedoria; também exige que haja algum dinheiro investido e envolvido. E sempre estive à espera que, um dia mais tarde, eu me conseguisse organizar para poder fazer uma prova como o Dakar. Porque eu já fiz a Africa Eco Race, já fiz o Intercontinental como já disse, o Rali Internacional da Argélia, eu já fiz Merzouga. Portanto, para mim, um rali não é novo. Só que o Dakar, realmente, é o topo, é o suprassumo. Mas, infelizmente, envolve certas verbas e eu ainda não tinha as condições reunidas para poder participar’.

MS: É certo que o Dakar é onde estão os pilotos de topo, mas um dos pontos altos da sua carreira nos ralis até ao momento foi a Africa Eco Race. Há quem diga que o terreno da Africa Eco Race, por ser o «berço» do Dakar é o mais puro deste tipo de provas de todo-o-terreno. Qual é a opinião do Alexandre?

AA: ‘A Africa Eco Race, a forma como é organizada, e as pistas por onde passam as etapas, eram realmente as antigas pistas do Dakar. E África tem o seu fascínio. África é África. Eu já falei com vários pilotos que já fizeram Dakar em África e fizeram na América do Sul, e inclusivamente agora na Arábia Saudita. África tem a sua magia, porque nós somos capazes de andar duas ou três horas de moto sem ver um ser vivo. Estamos no meio do deserto, é mesmo deserto puro, e traz outra magia. Porque na América do Sul, a cada 5/10km temos amontoados de pessoas. Há quem goste, eu pessoalmente não gosto. Quando eu vou para o deserto gosto de sentir que estou no deserto, certo? Portanto, a Africa Eco Race acaba por ter um bocadinho essa magia – acaba por ter aquela coisa de sermos nós, a máquina e o deserto’.

MS: Há quase a sensação de estar longe da civilização durante a Africa Eco Race...

AA:‘E estamos, e estamos realmente. Nós chegamos a estar em certos sítios em que a civilização mais perto que há ali está a 300 ou 400km. Estamos a falar de civilização, não estamos a falar de pequenos povoados ou aldeias’.

MS: Num contexto deste ano em que foi quase impossível treinar e competir, em que medida é que a situação dos últimos meses afetou a sua preparação?

AA: ‘Pois, este ano foi um bocado complicado, porque eu de cada vez que vou fazer um rali eu tento sempre ir – como vivo no Algarve, estou a cinco horas de Marrocos – acabo por ir sempre treinar 15 ou 20 dias antecedentes à prova. Quer queiramos, quer não, traz sempre outro calo andarmos na areia, andarmos nas dunas, antes de uma prova destas. Este ano foi um bocado complicado devido à situação por que todos nós passamos. Portanto, eu tive de restringir aqui um bocadinho mais os treinos ao nível físico, tentar treinar muito cardio, fazer BTT, fazer ginásio. Tenho possibilidades de andar de mota aqui perto de onde vivo, aqui na serra do Algarve há muito por onde andar. E depois o Club Aventura Touareg organizou treinos em Espanha onde nós conseguimos andar em zonas bastante áridas e pudemos treinar navegação. Acabámos por treinar, há cerca de três semanas estivemos lá dez dias a andar de mota. Fizemos sensivelmente 500 ou 600km por dia, que não são de deserto, são de montanha. Portanto, era sair de manhã e chegar às oito da noite. E agora, de há 15 dias para cá, tenho estado quietinho. Toda a gente me dá indicações: «Alexandre, está quietinho, não pegues na mota, não tenhas o risco de andar de mota, vais-te magoar e tens a prova a um mês». Portanto, agora tenho estado mais quietinho ao nível de mota’.

‘TEMOS DE ARRANJAR TEMPO ONDE NÃO HÁ’

MS: O Alexandre não é um piloto 100 por cento dedicado ao motociclismo como os principais do Dakar. Como é que é conjugar a vida profissional e a vida de piloto?

AA: ‘Ui... temos de arranjar tempo onde não há. Como mencionou, não é aqui que eu ganho a minha vida. Eu tenho restaurantes – não um restaurante, três restaurantes, portanto dá para imaginar que passo a vida a correr de um lado para o outro. E tenho de arranjar tempo para treinar. Nós, quando queremos, arranjamos sempre tempo, não é? E felizmente também te-

nho, ao nível familiar, tenho o suporte da minha família, da minha mulher, dos meus filhos. Eles compreendem que é a minha paixão, portanto também estão dispostos a abdicar um bocadinho do tempo que eu poderia passar com eles para que eu faça realmente aquilo que eu goste e que possa também desanuviar a cabeça dos nossos problemas do dia-a-dia’.

MS: Numa estrutura privada, quais são os seus objetivos para este Dakar? É essencialmente desfrutar e chegar ao fim?

AA: ‘Eu vou ser muito sincero. Eu pretendo tentar absorver o máximo de experiência, seja ao nível de mota, como ao nível pessoal, com pessoas do Dakar. Obviamente é tentar chegar ao fim, eu creio que estou preparado e creio que, se não houver nenhum azar maior eu consigo chegar ao fim. E tentar divertir-me o máximo possível porque, como disse antes, eu não sou um piloto profissional, sou um piloto amador, mas com muita paixão naquilo que faço. E quero tentar absorver o máximo possível’.

MS: Quais é que são as suas expectativas acerca do percurso com base nas informações já conhecidas?

AA: ‘Este ano, eu penso que este Dakar vai ser mais difícil ao nível de navegação e ao nível físico em relação ao do ano passado [2020]. A organização quer reduzir as velocidades, a organização quer mais segurança nesta prova. Infelizmente, como todos nós sabemos os acidentes acontecem e às vezes acabam da pior maneira. E então eles, ao reduzir a prova e a fazer passar os pilotos por zonas mais técnicas e reduzindo a velocidade em certas zonas, vai passar-se mais tempo em cima da mota. Zonas que seriam mais fluídas, eles vão tentar escolher zonas mais técnicas, portanto vai desgastar a parte física mais um bocadinho. Temos também de ter cuidado para não estragar a moto. Portanto, resumindo e concluindo, se calhar em vez de passarmos cinco ou seis horas em cima da moto, estou convencido que este ano [2021] vamos passar sete ou oito’.